Em fevereiro deste ano, 1.299.287 pessoas receberam o Auxílio Brasil no Ceará. O número chega a ser 8,4% maior do que todo o contingente de trabalhadores com carteira assinada no Estado naquele mesmo mês (1.197.618), segundo o dado mais recente do Cadastro Geral de Empregos (Caged). Assim, no Ceará, há mais pessoas dependendo exclusivamente de políticas assistenciais do que presentes no mercado formal de trabalho.
Levantamento do O POVO, cruzando dados do Ministério da Cidadania e do Ministério da Economia, mostra que tal discrepância começou em janeiro deste ano, primeiro mês de expansão de beneficiários do programa federal que substituiu o Bolsa Família. Desde então, a geração de empregos no Estado não tem conseguido acompanhar o aumento na folha de pagamento do programa social.
"Tanto na região Norte quanto no Nordeste, temos uma população muito maior do que a disponibilidade de empregos, que gera uma maior dificuldade para entrar no mercado de trabalho e uma redução dos salários devido à grande oferta de trabalhadores", avalia a economista Tânia Bacelar, coordenadora do grupo de pesquisa sobre Desenvolvimento Estratégico do Nordeste, e que analisa nacionalmente, de forma pioneira, a relação entre o programa de transferência e a geração de empregos.
A professora emérita da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ressalta que para além do histórico de dificuldades na geração de empregos, esses estados sofrem com as consequências da conjuntura econômica atual, influenciada por crises datadas ainda em 2015 e agravadas pela pandemia de Covid-19.
"Vivemos um longo período da Economia em voo baixo, com decréscimos da economia ou crescimentos pífios de 1%, 2%, o que gera uma demanda baixa por contratações e com as demissões geradas pela pandemia aumentam o número daqueles que necessitam do Auxílio."
Ela argumenta ainda que tal cenário representa uma mudança na estrutura do mercado de trabalho no País, tendendo cada vez mais para uma configuração que privilegia a terceirização da mão-de-obra, com altas taxas de informalidade e de empreendedorismo por necessidade.
"Esse comparativo com o Auxílio fala só do emprego com carteira assinada, mas temos um contingente muito maior de pessoas trabalhando na informalidade, abrindo CNPJs para prestarem serviços e muitos desses ainda dependem do benefício social para complementar a renda", detalha ao pontuar que o benefício por si só também apresenta problemáticas como a incerteza sobre o valor a ser pago no futuro e a falta de políticas institucionais para independência financeira de seus beneficiários.
No primeiro mês de pagamento do Auxílio Brasil, em novembro de 2021, cerca de 14 milhões de famílias foram beneficiadas no País, sendo 1.094.588 no Ceará. No referido mês, o Estado computou um saldo positivo de 11.488 postos de trabalho, o que resultou em um estoque de empregos de 1.193.477.
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No mês seguinte, porém, o saldo de empregos foi negativo em 1,7 mil vagas e em janeiro deste ano houve um recuo no estoque em mais 2,1 mil vagas. Enquanto isso, o número de dependentes do Auxílio Brasil só crescia. Em janeiro, houve um aumento de 185 mil famílias no Estado.
Em fevereiro, o Ceará teve saldo positivo na geração de empregos com abertura de 8.047 postos de trabalho. Valor, ainda que representativo, não acompanhou o acréscimo de 20.778 famílias dependentes do Auxílio Brasil.
O Ministério da Economia ainda não atualizou a base de dados do Caged e, assim, ainda não foram revelados os números de empregos formais computados pelo Ceará nos meses de março e abril. Porém, o número de dependentes do Auxílio Brasil teve acréscimo de 12.258 e de 3.171 respectivamente.
Em abril de 2022, o Ceará apresenta 1.314.716 famílias na folha de pagamento do programa social federal, segundo o Ministério da Cidadania. Para superar esse número, o Estado precisaria ter computado no mínimo 117.099 novas vagas de emprego entre o terceiro e quarto mês deste ano.
No Nordeste, conforme antecipou o colunista do O POVO, Nazareno Albuquerque, a discrepância média entre os dependentes do Auxílio Brasil e o número de trabalhadores formais chega a ser de 20%. Na Região, apenas o estado do Rio Grande do Norte não apresenta mais dependentes do programa social do que empregados no mercado formal.
No Brasil, são 12 unidades federativas nesta situação. Todas concentradas nas regiões Norte e Nordeste. Em alguns casos, como o do Maranhão, a diferença chega a ser de 109%.
"Mesmo que o desemprego esteja diminuindo, a grande parte da retomada do emprego está se dando no mercado informal. Além disso, tem muita gente na linha da pobreza e desempregado também. É justamente o que o Auxílio Brasil representa: uma pessoa que está na linha da pobreza e não tem emprego nenhum ou que está no setor informal e ainda pode ser beneficiado por ter uma renda muito baixa", analisa Silvana Parente, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE).
Ela reforça que é preciso ainda fortalecer o empreendedorismo formal, que gera trabalho e renda. "Capacitação, investimento em tecnologia em todos os rincões para gerar trabalho e renda de forma mais alternativa e não depender só do crescimento do PIB", conclui Silvana sobre a necessidade de uma política constante de redução do desemprego e pobreza num cenário de estagnação da economia com inflação.
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Estados que apresentam mais dependentes do Auxílio Brasil do que empregados formais
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