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Por que a inflação não cai mesmo com Selic mais alta e dólar mais barato
Economia

Por que a inflação não cai mesmo com Selic mais alta e dólar mais barato

|CRISE ECONÔMICA| Mecanismos utilizados para conter a elevação nos preços de produtos e serviços surtem poucos efeitos no dia a dia do brasileiro, que sofre com sucessivos reajustes
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Inflação oficial desacelera e atinge 0,71% em março
 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Inflação oficial desacelera e atinge 0,71% em março

Quem vai ao supermercado, pede um botijão de gás, vai abastecer o carro ou pagar uma conta de luz já sente os efeitos da inflação na casa dos dois dígitos, pelo menos, desde setembro do ano passado, quando chegou a 1,16% em um mês e em 10,25% no acumulado de 12 meses.

Não à toa, desde então, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (Bacen) tem elevado a taxa básica de juros, a Selic, sempre acima de 1 ponto percentual a cada nova reunião. A medida é tradicionalmente utilizada como um mecanismo para contenção inflacionária, por estimular a retração do consumo e o encarecimento do crédito. Na última quarta-feira, 4, a taxa chegou a 12,75%.

Contudo, nos últimos três meses, a inflação seguiu acelerando, mesmo em um cenário de Selic alta e dólar mais baixo. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de abril, considerado uma prévia inflacionária ficou em 1,73% no período e com acumulado de 12,03% nos últimos 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em fevereiro e março, o IPCA mensal já havia ficado acima de 1%, respectivamente, 1,01% e 1,62%.

A cotação da moeda norte-americana que sofreu forte elevação em 2020 e em 2021, em parte decorrente da pandemia global de Covid-19, em parte das turbulências políticas e econômicas internas, passou por processo inverso em 2022, notadamente no mês de abril, quando chegou a mínima de R$ 4,60, mas sem se refletir na redução dos valores de combustíveis e de alimentos precificados com base no dólar. Vale lembrar que esses itens, mesmo quando produzidos no Brasil, tendem a acompanhar os preços internacionais.

Para entender porque a inflação não cede e os efeitos do prolongamento desse quadro, especialmente sobre a camada mais pobre da população, O POVO ouviu uma série de especialistas. Segundo o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Alexandre Andrada, o fenômeno é mundial. “A gente está atravessando, desde o começo da epidemia, um choque muito grande no preço das commodities de energia no mundo. Só nesse ano, o preço do petróleo subiu 67%, o carvão mineral 270% e o gás natural 198% ”, enumera.

O pesquisador acrescenta que “quando o preço dessas commodities aumenta há um impacto em toda a cadeia produtiva global. É só pensar no transporte das mercadorias, inclusive com aumento no custo do frete marítimo. É diferente de quando, por exemplo, você tem uma quebra de safra de feijão e ele sobe no Brasil. É um problema mais pontual, que a gente sabe que logo adiante vai ser resolvido e pode ser feita a substituição no consumo da mercadoria. Agora quando o petróleo sobe, o espalhamento é muito maior e não tem como contornar”.

Andrada lembra que, embora o atual fenômeno inflacionário tenha proporções mundiais e atinja pessoas de todas as classes sociais, a população mais pobre é a principal impactada pelas constantes altas. “O aumento da vulnerabilidade social, da fome, da miséria, da mendicância pelas ruas da cidade, tudo isso está relacionado à inflação. Quando você tem uma queda da inflação, há uma redução da pobreza, que foi o que aconteceu, por exemplo, com o Brasil quando foi implantado o Plano Real, em 1994”.

Por sua vez, o economista Fran Bezerra, que integra o Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), destaca que, no caso específico do Brasil, a resistência da inflação às políticas monetárias deve-se em primeiro lugar ao fato de que medidas como a elevação da taxa básica de juros, “não têm efeito imediato. Na verdade, vários estudos apontam que isso acontece em torno de oito meses. Outro ponto é que esta inflação que nós estamos vivenciando não é de demanda”.

Sobre esse ponto ele explica que diferentemente de uma onda inflacionária causada por excesso de procura, a inflação agora “é fruto de uma desorganização do sistema de suprimento global, que veio primeiro com a pandemia. Quando esse sistema estava começando a se reorganizar veio o conflito entre Rússia e Ucrânia”.

Por fim, ele pontua que “a questão talvez seja pior no Brasil porque o País já pegou uma inflação elevada, com uma certa estagnação econômica, ou seja, o Brasil não tinha conseguido recuperar a sua atividade econômica”.

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