Por maioria de votos, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram ontem que o rol de cobertura dos planos de saúde deve ser entendido, em regra, como taxativo. Ou seja, as operadoras não são obrigadas a cobrir procedimentos médicos que não estão previstos na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas cabem exceções.
Na prática, a decisão muda o entendimento que a Justiça vinha adotando sobre o tema. Até então, prevalecia a tese de que o rol da ANS era apenas exemplificativo.
Ontem, prevaleceu a posição do relator, ministro Luís Felipe Salomão, que defendeu que a taxatividade do rol é fundamental para o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, "garantindo proteção, inclusive, para os beneficiários, os quais poderiam ser prejudicados caso os planos tivessem de arcar indiscriminadamente com ordens judiciais para a cobertura de procedimentos fora da lista".
Mas que era necessário, porém, garantir cobertura extra em alguns casos, a depender de critérios técnicos, da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento.
Por isso, ontem, foram fixados também parâmetros para que, em casos excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
O caso concreto analisado pelo STJ tratava de um recurso especial apresentado pela família de um paciente com esquizofrenia paranoide contra a empresa Unimed, que negou o acesso a um procedimento cerebral não previsto no rol da ANS para o plano que ele havia contratado.
Em discussão desde setembro de 2021, o processo relativo à cobertura obrigatória em procedimentos de planos de saúde gerou controvérsia sobre a natureza da lista de procedimentos de cobertura obrigatória instituída pela ANS e se a definição por um rol taxativo restringiria direitos conquistados.
Essa é a preocupação de Janielle Severo, advogada militante, assessora Jurídica da Associação Fortaleza Azul e mãe de autista. Ela conta que desde que o filho, João Lucas Fernandes, de 9 anos recebeu o diagnóstico, aos 2 anos, luta para que ele receba o melhor tratamento possível na rede privada. Ainda diz que até julho de 2020, os planos de saúde só davam cobertura para parte do tratamento intensivo, o que deixava praticamente 4 meses do ano descoberto.
Isso a fez ter de manter contrato com duas operadoras de saúde. "São necessárias sessões intensivas desde cedo. Por isso o meu gasto a mais de pagar dois planos. Se o rol da ANS for mudado o entendimento, há um risco imenso ao consumidor, de as empresas negarem atendimento na hora que ele mais precisa", completa.
A definição do STJ é relevante, pois estabelece os critérios para a obrigatoriedade de os planos cobrirem procedimentos ainda não incluídos na relação pela ANS. No entendimento da supervisora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Ceará, Amélia Rocha, o processo de construção de direitos é sempre feito de avanços e recuos para ajustes. O próprio recurso da época se devia ao fato de que o tratamento não estava no rol na época do ajuizamento, coisa que já foi corrigida com a inclusão do tratamento.
Amélia destaca que, com a definição, os casos de negativas e disputas judiciais tendem a diminuir, já que os critérios foram estabelecidos. "Não é uma decisão que o consumidor vai comemorar, pois era melhor quando estava aberto, mas é importante dizer que os tratamentos fora do rol podem ser avaliados. O rol é taxativo, mas não definitivo, finalístico".
Ao O POVO, a diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, enfatiza que o rol da ANS sempre foi a principal base para oferecer as condições de tratamento, com uma lista de mais de 3,3 mil itens. Ela defende que se o rol deixasse de ser taxativo haveria "enorme insegurança jurídica".
"O melhor lugar para análise desses pedidos é a ANS, que é o órgão técnico regulador. É preciso analisar o critério técnico nos pedidos", destaca. Vera ainda diz que os planos podem aceitar exceções ao rol da ANS, mas somente em casos de tratamentos referendados e realizados por profissionais devidamente certificados.
ATIVISTAS
A votação ocorreu sob protestos em frente à sede do STJ. Ativistas e artistas como Marcos Mion, Dira Paes, Bruno Gagliasso, Titi Muller, Paulo Vieira e Juliette mobilizaram a hashtag "Rol Taxativo Mata" nas redes sociais. Agora, associações defesores dos consumidores e de pacientes prometem recorrer ao STF para reverter a decisão.
SUS
Apesar da existência de convênios entre o poder público e entidades filantrópicas para o tratamento e acompanhamento de autistas, familiares reclamam que o benefício só abarca os pacientes já diagnosticados. Existem casos de pessoas pobres com crianças com todos os indicativos que levam ao Espectro Autista que aguardam anos na fila do SUS para se consultar com um neurologista. Há ainda relatos de famílias que utilizam recursos de BPC ou Bolsa Família para conseguir uma avaliação com médico particular.
Entenda o que muda com a decisão do STJ
O que estava sendo discutido?
Foram analisados dois processos que questionavam se os planos de saúde eram obrigados a cobrir procedimentos que não estavam no rol de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde.
São dois recursos especiais envolvendo a Unimed Campinas. No primeiro, a Unimed buscava não ser obrigada a cobrir o tratamento para uma criança com Transtorno do Espectro Autista com Terapia ABA.
No segundo caso, a empresa tenta não ser obrigada a disponibilizar a Terapia Transcraniana (ETCC) para um paciente com esquizofrenia paranoide.
O que foi decidido?
Por 6 votos a 3, prevaleceu a tese de que o rol da ANS é, em regra, taxativo. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com pedido de tratamento não constante no rol, caso exista procedimento efetivo, eficaz e seguro capaz de garantir a cura do paciente e já esteja incorporado no rol.
Essa decisão muda a jurisprudência sobre o tema. Até então, o entendimento que prevalecia na Justiça quando alguém entrava com uma ação sobre o assunto era de que a lista é exemplificativa. Ou seja, que o rol era considerado o mínimo que o plano deveria oferecer.
Na prática, também a quantidade de sessões de alguns tratamentos podem ser limitadas.
Mas a decisão prevê exceções. Veja quais são:
1. É possível a contratação de cobertura ampliada, ou a negociação de aditivo contratual de procedimento que não esteja incluído no rol;
2. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol, pode haver a título excepcional a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistentes desde que:
- Não tenha sido indeferido pela ANS a incorporação do procedimento ao rol;
- Haja a comprovação da eficácia do tratamento a luz da medicina baseada em evidências;
- Haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e estrangeiro, como Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus)
- Seja realizado quando possível o diálogo interinstitucional dos magistrados com experts na área da saúde, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal.
Como votaram os ministros?
Prevaleceu a posição do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que incorporou em seu voto acréscimos trazidos em voto-vista pelo ministro Villas Bôas Cueva, apresentado nesta quarta. Também votaram com o relator os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Foram vencidos no julgamento a ministra Nancy Andrighi, e os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro, para os quais o rol da ANS teria caráter meramente exemplificativo.
O que acontece agora?
A decisão do STJ não é automática para todos os casos que tramitam na Justiça sobre o tema. Mas o julgamento serve de orientação para as demais instâncias da Justiça.
Fonte: STJ