Apresentação do planejamento estratégico da Enel revela a pretensão de venda do controle acionário da Enel Distribuição Ceará. A empresa italiana deve viabilizar esse processo entre 2023 e 2024, conforme apresentou a investidores em transmissão online direto de Milão (ITA) na manhã de ontem, 22. A concessionária é responsável por atender os 184 municípios cearenses, com base comercial de 4,3 milhões de unidades consumidoras.
A empresa italiana não informou em que fase está atualmente esse plano de desinvestimentos, mas disse que planeja vendas de ativos ao redor do mundo no valor de 21 bilhões de euros (US$ 21,5 bilhões) para reduzir a dívida líquida da companhia. A maior parte do plano de alienação deve ser alcançada até o final de 2023 e incluirá saída da Argentina e do Peru e a venda de ativos na Romênia também.
Em setembro deste ano, a Enel vendeu a concessão de Goiás por R$ 1,57 bilhão para a Equatorial Energia em uma operação rápida desde a intenção de venda até o fechamento do negócio. A compradora assumiu uma dívida de R$ 5,7 bilhões e assumiu a operação, que vinha sendo problemática no estado, impactado por recorrentes apagões de energia. O processo de troca da operadora transcorreu de forma rápida neste ano.
Em 2017, a Enel comprou a operação de distribuição em Goiás por R$ 2,2 bilhões. De lá para cá, os italianos chegaram a investir cerca de R$ 5 bilhões.
Aos consumidores cearenses, o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Usuários do Serviço Público da Ordem dos Advogados do Ceará Secção Ceará (OAB-CE), Flávio Aragão, explica que caso o processo de venda dos ativos avance, a empresa precisa garantir a estabilidade das operações.
"A tendência no mercado de energia e o que se espera do momento de transição da mudança da gestão da empresa concessionária é que se mantenha a estabilidade do setor e que as ações realizadas atualmente se mantenham a fim de garantir a continuidade dos serviços públicos", explica.
Aragão ainda pontua que os serviços de fornecimento de energia elétrica prestados pela Enel Ceará são uma concessão pública da União, logo as regras previstas em contrato de concessão assinado e na Lei Federal 8987/1995, inclusive com o valor da tarifa de energia e metas de qualidade do serviço definidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) permanecem em vigor.
Para o Brasil, o foco da companhia será na transição para negócios de energia mais limpa, mas mantendo as operações nos estados de Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda em 2022, a Enel já havia anunciado a venda de sua operação com termelétrica (TermoFortaleza) no Ceará à Eneva, por R$ 431,5 milhões.
Na ocasião, a empresa informou que a venda da termelétrica faz parte de uma estratégia empresarial cujo propósito é zerar a emissão de carbono por parte do grupo Enel, com pretensão de atingir 100% de capacidade instalada renovável no País após a conclusão da transação.
No mundo, o Grupo Enel quer zerar suas emissões até 2040, também triplicando sua capacidade renovável global até 2030, além de armazenamento e eletrificação, com destaque para a mobilidade. No planejamento estratégico, esse projeto de transição envolve países como Itália, Espanha, Estados Unidos, Chile e Colômbia, além de Brasil.
"Dentre as várias medidas planejadas, foi contemplada uma possibilidade de alienação do controle acionário da Companhia, detido por sua controladora direta Enel Brasil S.A., muito embora ainda não tenham sido iniciadas concretamente quaisquer medidas e procedimentos em tal sentido", diz o comunicado assinado pelo diretor de Administração, Finanças, Controle e de Relações com Investidores da Enel Ceará, Teobaldo José Cavalcante Leal.
A companhia reforça que "a conveniência e oportunidade de alienação das ações de sua emissão é decisão que cabe exclusivamente aos seus acionistas. A Companhia informa que, se e quando for o caso, qualquer operação dependerá da obtenção das aprovações necessárias e observará os termos da regulamentação aplicável".
A concessão de energia do Ceará
O serviço de distribuição de energia no Ceará é uma concessão de 30 anos, que começou em 1998 e vai até 2028.
Em 1997, o Governo Tasso Jereissati anunciou a proposta de privatização da geração e distribuição de energia. A desestatização gerou grande polêmica, com manifestações populares e de funcionários da Coelce contra o negócio.
Em abril de 1998, a Coelce foi privatizada em leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Com ágio de 27,2%, a companhia foi vendida por R$ 987 milhões ao consórcio Distriluz Energia - formado pro Enersis Chilectra (Chile), Endesa (Espanha) e Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro (Cerj).
Em 1999, pesquisa de opinião revelou que 72% dos cidadãos de Fortaleza avaliaram negativamente o serviço prestado após a privatização da Coelce.
Em 2008, após dez anos de concessão, a avaliação dos cearenses sobre o serviço prestado pela Coelce privatizada melhorou, mas havia o entendimento de que as tarifas aumentaram demais. Na época, os consumidores reclamavam dos reajustes acima da média de inflação e apagões.
Em 2009, a Endesa já era a acionista majoritária no comando da Coelce. E a italiana Enel demonstrou interesse em adquirir a participação da Endesa. Após negociação, o negócio foi fechado em junho por 9,6 milhões de euros.
Em 2016, a Coelce deixou sua marca e passou a se chamar Enel. A Endesa Fortaleza, térmica do grupo localizada no Pecém, passou a se chamar Termo Fortaleza.
A partir de 2017, a Enel Ceará acumulou polêmicas em relação ao serviço. Em junho, a Aneel manteve multa de R$ 7,9 milhões para a concessionária por cobranças indevidas da Enel na iluminação pública.
Em 2019, a população passou a reclamar de problemas no fornecimento de energia. Na época, equipamentos da Enel estavam entre os alvos de onda de ataques criminosos no Ceará. A qualidade do serviço ofertado pela companhia no Interior também passou a ser alvo de amplo debate.
Em 2021, a Enel foi obrigada a devolver R$ 18,3 milhões a clientes cearenses para compensar falhas no serviço relativas a 2020.
- As reclamações em relação à qualidade dos serviços aumentaram nos últimos anos. E a Enel passou a cair no ranking de qualidade das concessionárias, da Aneel. No ranking mais recente, a Enel Ceará ocupa a 25ª colocação de 29 concessionárias.
- Os reajustes médios da tarifa acima da inflação nos últimos anos também foram motivos de reclamação. O mais recente, de 24,85%, passou a vigorar em abril de 2022.
- Outra polêmica, a de cobrança por uso de postes por parte de empresas de telecomunicações, também colocou a companhia nos holofotes. No mercado, o desagrado foi grande e a promessa de repasse de custos ao consumidor final.
O que o cearense não pode deixar de saber
Os serviços de geração e distribuição de energia elétrica para os 184 municípios cearenses é uma concessão federal.
Em razão da concessão, a Enel - ou qualquer empresa que detenha o ativo - se submete às normas de regulação da Aneel, à Lei das Concessões e ao contrato de concessão
Portanto, qualquer empresa que assuma o ativo de distribuição no Ceará, deve garantir os dispositivos legais, investimentos e qualidade do serviço, conforme pactuado nas metas da Aneel.
O atual contrato de concessão do Ceará segue ativo até 2028. Ao fim desse período, novo contrato será desenvolvido e há a possibilidade de nova empresa ser escolhida pela União, assim como existe a possibilidade de que a empresa que assuma o ativo após a Enel permaneça.