A realidade de cozinhar com lenha, comum nas gerações passadas, ainda resiste em milhões de casas brasileiras e segue presente também no Ceará.
Reverter esse cenário, incluindo os atuais 1,2 milhão de cearenses que já recebem o Auxílio-Gás, vai entrar como uma das metas do novo projeto do Governo Federal, que vai transferir todo esse público para o chamado Gás do Povo.
Dados mais recentes do Balanço Energético Nacional (BEN 2025) mostram que a lenha representava 22,9% da matriz energética residencial em 2024, contra 20,7% do gás de cozinha (GLP).
Essa permanência revela desigualdades de acesso, para muitas famílias pobres, o preço do botijão ainda é uma barreira.
No Ceará, essa dificuldade é sentida no dia a dia. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), Sérgio Bandeira de Mello, destaca que, embora pareça distante da realidade da classe média, “muitas famílias vulneráveis no Estado ainda recorrem à lenha, ao carvão e até ao álcool. O Gás do Povo pode reduzir essa dependência e tornar o GLP mais acessível”.
Com lançamento marcado para esta quarta-feira, 4, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa Gás do Povo deve contemplar cerca de 15,5 milhões de famílias em todo o País.
O objetivo é subsidiar a compra de botijões de 13 quilos, em um modelo diferente do atual Auxílio-Gás.
Segundo o presidente do Sindigás, o recorte será feito a partir do CadÚnico:
O formato será escalonado:
Na prática, esse desenho concentra o benefício nos grupos mais vulneráveis e dimensiona o subsídio de acordo com o tamanho do núcleo familiar.
Para Mello, trata-se de uma solução “dentro do possível orçamentário do governo”, que busca equilibrar o gasto público com a urgência de reduzir a pobreza energética.
O Auxílio-Gás, criado em 2021, funcionava como um programa de transferência de renda. O benefício equivalia a 50% do preço médio nacional do botijão de 13 quilos, calculado pela ANP, e era pago em dinheiro, junto ao Bolsa Família.
Dessa forma, as famílias tinham liberdade de uso: podiam comprar o gás, mas também destinar o recurso a outras despesas, como alimentação ou transporte. Em 2025, cerca de 375,8 mil famílias no Ceará — aproximadamente 1,2 milhão de pessoas — foram atendidas pelo programa, com valor médio de R$ 108.
O novo Gás do Povo, que substitui o modelo anterior, adota um formato diferente: em vez de repasse em dinheiro, o auxílio será concedido em tíquetes eletrônicos que só poderão ser usados em revendas credenciadas.
A pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostra que, entre 24 e 30 de agosto, o preço médio do botijão de 13 quilos no Ceará foi de R$ 106,73, pouco abaixo da média nacional de R$ 107,73.
Com cerca de 33 a 34 milhões de botijões vendidos mensalmente no Brasil, estima-se que cada residência use em média um botijão a cada dois meses — significando um custo mensal aproximado de R$ 50.
Esse valor, segundo Sérgio Bandeira de Mello, não é desprezível para as famílias de baixa renda. “Para os mais vulneráveis, a lenha segue sendo uma alternativa, mostrando a necessidade de políticas sociais específicas”, explica ele.
O relatório do BEN 2025, divulgado em julho, confirma o quadro de pobreza energética. Apesar da queda de 5,5% no consumo de lenha em 2024, o uso desse combustível ainda é expressivo.
O estudo também aponta que fogões a lenha são dez vezes menos eficientes do que fogões a gás, o que implica mais tempo gasto, maior consumo de combustível e problemas de saúde relacionados à inalação de fumaça.
A transição, no entanto, ocorre de forma desigual. Conforme a Pnad/IBGE, 91% dos lares brasileiros utilizam GLP, mas 19% ainda recorrem à lenha. Muitas famílias combinam ambos, usam gás para o café da manhã e lenha para refeições mais demoradas.
O Sindigás projeta que o Gás do Povo deve gerar um aumento de 4% a 5% nas vendas formais de botijões e reduzir a informalidade no setor. Isso porque o voucher eletrônico da Caixa não poderá ser usado em pontos clandestinos, o que fortalece o comércio autorizado e aumenta a segurança nas comunidades.
A expectativa é que o modelo funcione de forma semelhante ao Farmácia Popular, em que os revendedores podem aderir voluntariamente. “Acreditamos que a adesão será ampla, porque é uma oportunidade também para o setor. Nossa expectativa é que, até novembro, algumas revendas já estejam integradas ao programa”, avalia Mello.
Para o presidente do Sindigás, o maior ganho está no impacto social. “O programa tem potencial de tirar famílias da lenha e do carvão e levá-las para o GLP, que é mais eficiente e seguro. Para muitos brasileiros, o gás de cozinha ainda é uma tecnologia transformadora. Vemos esse movimento como parte de uma transição energética justa e inclusiva”, diz.
O Governo Federal destinou R$ 3,6 bilhões para 2025 e prevê R$ 5 bilhões para 2026. Os recursos devem garantir a continuidade do programa e reduzir a dependência de fontes rudimentares de energia, especialmente em estados como o Ceará, onde a vulnerabilidade ainda é alta.
De acordo com o Sindigás, o problema atinge diretamente tanto a segurança das famílias quanto a saúde financeira das revendas legalizadas, que precisam lidar com a concorrência desleal de quem não cumpre as normas de segurança ou tributárias.
Além do risco de acidentes graves em áreas residenciais, a prática compromete a arrecadação de tributos e reduz a capacidade de investimentos em logística e infraestrutura.
Para Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, é preciso ampliar a fiscalização e investir em campanhas educativas que orientem a população a adquirir o botijão apenas em pontos credenciados.
“O consumidor deve estar atento ao selo de autenticidade da ANP e exigir sempre a nota fiscal. Essa é a garantia de que ele está comprando um produto seguro, dentro das normas legais”, destacou.
No Ceará, o desafio se intensifica em áreas periféricas, onde o preço tende a ser menor no mercado paralelo.
Entretanto, especialistas reforçam que a economia imediata não compensa os riscos de acidentes, já que a revenda clandestina não segue protocolos de armazenagem, transporte e manuseio do produto.