As exportações de calçados produzidos no Ceará com os Estados Unidos como destino despencaram 49,20%, quando saíram de 4.417.721 de pares comercializados, em agosto de 2024, para 2.243.785, em agosto de 2025. O resultado é influenciado pelo tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump (EUA) a produtos brasileiros.
No País, esse recuo foi de 17,6%, segundo cálculo feito pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), que classificou a queda como “os primeiros impactos da implementação da tarifa adicional de 50% sobre produtos originários do Brasil”.
“O resultado denota a perda de competitividade tarifária das exportações perante a medida, mesmo considerando que o mês de agosto ainda reflete o movimento de antecipação de embarques por parte das empresas, a fim de evitar a incidência da tarifa adicional, e o cumprimento de pedidos em carteira”, complementou nota enviada ao O POVO.
Dados da plataforma Comex Stat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), indicam ainda uma redução da ordem de 41,82% entre julho e agosto de 2025 no envio de calçados fabricados no Ceará para os Estados Unidos.
O Estado concentra o segundo maior número de indústrias calçadistas do País e sofre com os efeitos do tarifaço e da concorrência internacional.
Augusto Fernandes, CEO da JM Negócios Internacionais, observa que o impacto sentido pela indústria calçadista exportadora também recai sobre a importadora. Empresas especializadas no fornecimento de insumos, como espumas e borrachas para calçados, também estão com os negócios comprometidos devido ao tarifaço.
“Temos clientes nos dois casos e um fica dependendo do outro. A gente já estava alertando isso, pois, durante as negociações pré-tarifaço, havia empresa com 60 contêineres parados, esperando uma decisão. Isso deve ter aumentado muito”, avalia.
Fernandes cita, entre as empresas cearenses, casos das chamadas indústrias de “bandeira branca”, que montam tênis de marcas famosas, como Nike e Adidas, a partir de insumos importados, para enviar o produto pronto para os Estados Unidos.
Com o impacto sobre o volume de pares vendidos para os americanos devido ao tarifaço de Trump, os negócios dos importadores também é comprometido e trava o setor.
A Abicalçados informou que “metade das empresas impactadas relataram estar concedendo descontos (em média, 15%) sobre as exportações que foram mantidas, visando sustentar parcialmente os negócios com o país e manter as relações de longo prazo construídas”.
No entanto, a prática de menores preços, feita a partir da absorção parcial das tarifas adicionais em um curto prazo, não evitou o recuo nas vendas para os americanos, como atesta a balança comercial.
Um impacto ainda maior é esperado pela Associação em setembro, quando não há mais possibilidade de envio de cargas fora das novas taxas e quando os contratos rescindidos devem gerar mais perdas.
“Sob tal cenário, os próximos meses são decisivos para a tomada de decisões das empresas e real dimensionamento dos efeitos da tarifa adicional sobre a indústria calçadista, sua capacidade de geração de divisas e empregos”, considera.
A Abicalçados não menciona como o Plano Brasil Soberano pode atenuar as perdas contabilizadas pela indústria, mas o setor foi inserido pelo Governo Federal no programa de socorro aos exportadores afetados pelo tarifaço de Trump.
Entre as medidas, há a possibilidade de R$ 30 bilhões em crédito, a prorrogação do prazo de drawback (regime aduaneiro que abona de impostos os insumos importados para fabricar itens a serem exportados) e diferimento de tributos federais.
Programa semelhante foi feito pelo Governo do Ceará em uma chamada pública encerrada dia 5 de setembro, mas sem nenhuma informação sobre quantas empresas aderiram e qual o apoio a ser dado a elas divulgado pelo Estado.
O levantamento pela Abicalçados ainda mensura que, um mês após o início da vigência da medida tarifária, os principais impactos sentidos pelas empresas são:
“Vale mencionar que há relatos pontuais de empresas que concederam férias enquanto aguardam maior clareza nas perspectivas do cenário no curto prazo”, acrescenta.
A Associação ainda aponta “o cenário de elevada incerteza na economia global e o acirramento da concorrência em terceiros mercados” como potenciais complicadores da saúde fiscal das indústrias calçadistas brasileiras.
O apontamento se refere principalmente à concorrência com os produtos chineses. De acordo com a Abicalçados, os calçados da China enfrentam uma taxação de 30% nos Estados Unidos, o que fez os fabricantes asiáticos buscarem outros mercados, especialmente, “os países sul-americanos, importantes destinos do calçado brasileiro, além do próprio mercado interno no Brasil.”
Com a investida sobre destinos dos calçados brasileiros, os chineses mantiveram a balança comercial deles estável, enquanto os produtores do Brasil amargam perdas nas duas frentes, Estados Unidos - devido ao tarifaço - e possíveis mercados cativos.