Da hidrografia, nascente é um ponto no qual um lençol d´água subterrâneo alcança a superfície do solo. É o começo de um rio, onde um filete aquoso representa vida e, por extensão, esperança para a terra. É, essencialmente, "o que nasce"; bonito pela própria natureza. E, em qualquer um dos sentidos, toda nascente precisa ser preservada.
Neste especial, O POVO apresenta o semiárido cearense como dez nascentes. É outro retrato, tão profundo quanto os entalhes feitos nele pelas secas de todos os tempos. Porque mostra convivência e não combate, permanência e não fuga. São dez sertões possíveis: das hortaliças, do biodigestor, das frutas, da energia solar, da galinha caipira, do reuso da água, do empreendedorismo, dos quintais, da energia eólica, do bordado. Tradição e futuro em urdidura.
O POVO narra convívios em um sistema frágil e hostil. Relações que nascem de um lado a outro, reinaugurando o viver sob o sol e o respeito à natureza. Uns por todos, e vice-versa, na precisão, na partilha e no cuidado. São pássaros que retornam, são famílias inteiras que ficam.
A reportagem vai a regiões mais áridas do Ceará, guiada por jovens e por antigos sertanejos. As histórias estão em zonas rurais, existentes depois que terminam o asfalto e o desconhecer. O entendimento da natureza, e de si mesmo, ganha tempo e espaço, a partir da década de 1990, com o acesso a leituras e tecnologias. O mundo fica menor, enquanto o sertão cresce, sendo terra e céu de possibilidades.
Mas é preciso ter coragem, se falta tudo. O sertanejo tem. Nascer e se criar, sonho e lida é a alternância própria do viver, o sertanejo sabe e se dispõe até o fim: a vida é só outro modo de dizer sobre estradas de barro, secas e chuvas. Sertão sempre é ensinamento: desafio, recomeço; simplicidade, sentimento. É acompanhar a mãe e a avó na roça, é herança do pai e do avô, é um caminho de volta.
Não é mais o sertão das misérias, ou das memórias. É o sertão vivo, que ama e que perdoa. Que refloresce e dá de comer. A seca já teve gosto amargo, de mucunã amassado, mas, de quando se quer em diante, colhe-se mel, mamão, acerola, alegria, dignidade... É este o sertão encantado: que não é água, propriamente; mas que, nascente, pode ser uma espécie de rio margeando economias e querenças.
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