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Duna da Sabiaguaba se enche de vida e une a comunidade com a prática de sandboard
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Duna da Sabiaguaba se enche de vida e une a comunidade com a prática de sandboard

Esporte radical transforma a Sabiaguaba em celeiro de atletas e vira atração para comunidade, que usa o relevo natural como polo de lazer
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-12-2019: Clenilson Silva, Atleta de Sandboard profissional. Sandboard na Duna da sabiaguaba. (Foto: Aurelio Alves/O POVO)
 (Foto: fotos Aurélio Alves)
Foto: fotos Aurélio Alves FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-12-2019: Clenilson Silva, Atleta de Sandboard profissional. Sandboard na Duna da sabiaguaba. (Foto: Aurelio Alves/O POVO)

A história começa quase sempre do mesmo jeito: tinha uma duna no quintal de casa e em algum momento, entre o fim da infância e o começo da adolescência, a vida era mais feliz em cima de uma prancha deslizando na areia. O Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba, além de ponto privilegiado para as luzes do lusco-fusco, é como o polo de lazer de toda uma comunidade. Tal qual pular da Ponte Velha para quem mora no Poço da Draga, ali, na praia mais a leste de Fortaleza, praticar sandboard é feito rito de passagem.

Dá 16 horas, se foi dia de céu aberto, pode esticar o pescoço e olhar para cima: é fácil encontrar garotos com umas botas que vão quase até os joelhos, nos braços uma prancha — como um skate grande sem rodinhas — subindo em zigue-zague a duna. Para descer, encaixam as botas em presilhas, equilibram-se com os joelhos levemente dobrados, e deslizam como surfistas naquele mundaréu de areia. Nas férias, David Barbosa, 12, é um desses que refaz a cena todo santo dia. Com a prancha emprestada do primo, o menino pegou gosto pelo sandboard e só sai da duna quando o sol já se foi. "É uma sensação incrível".

Quem está em iniciação, o pouso é sem grandes estripulias. Mas esse não é o caso de Clenilson Silva, 28, e Netinho Mendes, 24. Eles, antes da parada derradeira, parece que criam asas. A velocidade da descida aumenta ainda um pouco numa rampa estrategicamente posta nos metros finais da duna. Antes de pousar a prancha no banco de areia, eles inventam um sem fim de acrobacias, dessas de deixar o espectador embasbacado.

Para chegar nesse nível, os dois já acumulam 18 e 9 anos, respectivamente, de descidas. E, a tal história que principia de forma muito similar também tomou rumos parecidos para os dois. Foram as competições e a adrenalina de novos desafios — dunas cada vez mais altas, trocar areia por neve, ir a outros países — que transformaram a brincadeira da meninice em profissão.

"Minha primeira prancha, passei dois anos trabalhando como garçom para comprar. Fiquei sete dias com ela, e quebrou. Daí, eu tinha duas opções: ou desistia do sandboard ou voltava a pedir emprestado a um e a outro. A paixão falou mais alto", Clenilson relembra as dificuldades. Oito anos após descer a estrear na duna, a convite de João Ferinha — uma referência do sand na Sabiaguaba — Clenilson recebeu o primeiro convite para uma primeira viagem ao Peru. É dos maiores orgulhos dele: o sandboard o levou Brasil adentro e mundo afora. Hoje, o menino nascido em Quixadá, que chegou na Sabi aos 6 anos e que trocou as pedras pela areia, diz muito afetivamente: "Tem três países".

Foi a primeira viagem para o exterior, em 2010, que o fez acreditar que o sandboard era parte indissociável da vida. No mesmo ano, de volta à Sabiaguaba, Netinho se encontrava com o esporte. A duna ainda deixava certo espaço em sua base e ali os meninos improvisaram um campinho de futebol. A busca era pela bola, mas Netinho estava de olho era nas pranchas que riscavam a areia. "Foi uma coisa que não teve explicação. Foi como se fosse um amor à primeira vista", assim descreve Netinho a primeira descida.

De lá pra cá, os dois tiveram algumas lesões; juntaram dinheiro de muita rifa para conseguir viajar para as competições; empilharam títulos e pódios em campeonatos estaduais, regionais, brasileiros, sul-americanos, mundiais. Participaram de um documentário por um mês no Chile, conhecendo o snowboard — o sand na neve. Clenilson é vice-campeão brasileiro. Netinho é o atual vice-campeão mundial. Clenilson, somente no ano passado conseguiu viver só do esporte — com patrocínio e dando aulas. Netinho ainda divide o tempo entre títulos e o outro trabalho, e nutre o sonho de ser professor de sand no exterior. Juntos, eles ainda mantém projeto social que dá aulas para os meninos da comunidade.

"A gente dá aula particular para compensar e fazer de graça para comunidade. Não tem dinheiro que pague. Esse corpo de jovem a gente não vai ter para sempre e eu vou ter que parar, mas vou olhar para esses meninos e vou pensar assim: 'Eu plantei essa semente'", projeta Clenilson.

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Serviço

Aulas de sandboard

Contato: https://pt-br.facebook.com/sandboardcearense ou no instagram nos perfis @clenilson_silva10 e @_netinho_mendes

 

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-12-2019: Clenilson Silva, atleta de Sandboard profissional, durante prática de esporte. Sandboard na duna da Sabiaguaba. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-12-2019: Clenilson Silva, atleta de Sandboard profissional, durante prática de esporte. Sandboard na duna da Sabiaguaba. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Parque das Dunas da Sabiaguaba tem 14 anos desde criação, mas segue com dificuldades de preservação

Estando dentro do Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e da Área de Proteção Ambiental de Sabiaguaba (APA de Sabiaguaba), a prática do sandboard é parte de cenário que deveria ser de preservação da natureza, mas, conforme entidades e estudiosos, a realidade é outra. Este ano, o parque completa 14 anos desde a criação. Já o plano de manejo — documento que deveria nortear ações de conservação da área — perfaz dez anos desde a publicação, e, em grande parte, ainda não foi executado. 

"O plano de manejo foi feito, o conselho gestor foi feito, muitas reuniões foram feitas, mas, na verdade, ele (o plano) não saiu do papel. Coisas simples e básicas, como sinalização. Nunca foi colocado uma placa, uma fiscalização mais efetiva da área como um todo, não somente da área de dunas, da APA como um todo, não se tem", comenta Rusty de Castro Sá Barreto, diretor e fundador do Ecomuseu Natural do Mangue, membro do conselho gestor.

Para Beatriz Azevedo, advogada do Instituto Verdeluz — que também atua na área e tem cadeira no conselho —, o plano, "com mais de 200 ações", nunca "foi de fato efetivado". "São dez anos de plano de manejo sem efetivação: é um conselho gestor que se reúne, mas que, infelizmente, não existe operacionalização das soluções que são propostas quando são propostas por conselheiros", aponta.

Coordenador científico do documento, Jeovah Meireles, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (PPGG-UFC), aponta que o custo da falta de aparelhamento do plano é a degradação ambiental.

"Está completamente entregue aos veículos de tração, que estão pisoteando áreas de nidificação de aves, de reprodução de tartarugas, estão fragmentando lagoas, compactando o solo, levando a problemas de contaminação. Além disso, há a subida de centenas de pessoas, multidões que sobem às dunas para atividades, como de igrejas, isso leva ao deslocamento daquela parte que chamamos de 'face de avalanche', e também ao acumulo de resíduos deixados na área".

O professor ainda lembra a existência de sítios arqueológicos pré-Tupis, com cerâmicas encontradas datadas de mais de 3,5 mil anos. "É uma verdadeira biblioteca de achados arqueológicos de várias gerações que estão sendo destruídos por esses veículos (de tração, que circulam nas dunas). É preciso proteger, conservar, preservar esses sítios, e orientar visitas guiadas, para que a sociedade possa conhecer o único campo de dunas com esse conteúdo ecológico, arqueológico, geológico, paleontológico na nossa região", aponta. Especulação imobiliária, construções irregulares e mercantilização de espaços que deveriam ser de proteção também são problemas indicados pelos três.

"A Sabiaguaba é vital para o Município. Ela está ali prestando serviços ecossistêmicos que toda a população se beneficia e às vezes nem sabe. A cidade é cortada pelo rio Cocó, cuja foz fica na Sabiaguaba, e é a Sabiaguaba que ajuda na manutenção desse ecossistema", detalha Azevedo. Meireles ainda indica ainda a importância dos lençóis freáticos, protegidos pela formação dunar da área.

Para Meireles, existe uma série de ações urgentes a sair do papel: cercar o parque; construir portais de entrada e centro de recebimento de ecoturistas, estudantes e visitantes; efetivar monitoramento; proibir "terminantemente" a entrada de veículos motorizados e inserir a comunidade nas atividades econômicas, como a formação de guias turísticos, de condutores de trilhas. Para Azevedo, é preciso implementar fiscalização contínua efetiva e adequada a realidade da área. Rusty acredita que uma política intensa e perene de educação ambiental precisa ser empreendida.

"A Sabiaguaba já é protegida por lei municipal, estadual e federal. O que tá precisando é que as pessoas conheçam de fato o quão importante são essas áreas. Não somente vendo elas como áreas para práticas de esportes, turismo, lazer. Ali, têm animais silvestres, marinhos, terrestres, alados, tem flora nativa. É preciso entender que são espaços de vida", ensina Rusty. 

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