Estrigas nunca se rendeu à lógica do tempo. Suas obras, reflexo de uma mente inquieta e apaixonada pela arte, resistem às décadas e ecoam um profundo humanismo.
Um homem que largou a segurança da profissão de dentista para viver como artista, que encontrou em um sítio do Mondubim um refúgio criativo e que fez do Minimuseu Firmeza um espaço de troca e inspiração.
Para homenagear a memória de um dos mais importantes artistas do Ceará, neste domingo, 30 de março, a Praça Estrigas e Nice, no bairro Papicu, em Fortaleza, foi palco de uma celebração que uniu história, arte e comunidade.
O evento "Arte na Praça" teve como objetivo homenagear os 105 anos de Estrigas e revisitou a riqueza da arte popular e a importância dos espaços públicos para a troca de saberes.
O evento foi idealizado por um grupo de artistas e historiadores, entre eles Luiza Helena Amorim, historiadora e integrante do Minimuseu Firmeza, e contou com a colaboração da Associação dos Artistas Visuais do Ceará (Associave), representada por Claudia Maia.
Entre pinceladas e palavras, artistas e amantes da arte se encontram para compartilhar sentimentos, histórias e inspirações. Luiza Helena Amorim falou sobre a obra de Estrigas, memórias afetivas e reflexões sobre o fazer artístico.
"Para ser artista, você não é apenas artista. Você também pode ser professor, curador, gestor, e acumular outras funções dentro do mundo da arte para se sustentar. E Estrigas foi um 'artista et cetera'", afirmou.
"Ele não era só artista plástico. Também foi crítico de arte, historiador da arte, escritor, museólogo e deixou vários livros publicados. Mas o maior projeto de arte do Estrigas foi o Minimuseu Firmeza. Você imagina o que é alguém transformar sua própria casa em um museu com a esposa?", completou.
A praça, que leva o nome do artista e de sua esposa, a artista Nice Firmeza, recebeu uma programação diversificada. O evento com mais participantes foi roda de bordado, coordenada pela professora Lucia Ferreira, uma experiência coletiva em que os participantes puderam, literalmente, tecer sua conexão com a arte de Estrigas.
Lucia Ferreira, com sua experiência no universo do bordado, explicou que o objetivo não era ensinar pontos, mas criar um espaço de troca de conhecimentos, onde os participantes bordaram juntos, inspirados por um desenho criado a partir de uma foto de Estrigas em seu ateliê.
"Quando falo 'roda de bordado', significa que eu não ensino pontos. As pessoas já chegam aqui sabendo bordar. Se tem alguém que não sabe, a vizinha que já sabe ensina, ou eu dou uma pequena orientação. A ideia é que seja um momento de se reunir, conversar e fazer arte", disse a professora.
A ideia era revisitar, por meio do bordado, a memória de um artista cuja obra transcende o material e chega ao íntimo de todos que a contemplam.
O barro também foi um elemento fundamental na celebração, refletindo a trajetória de Julio Jardim, escultor e ceramista que, assim como Estrigas, encontrou na arte uma maneira de expressar temas como ancestralidade e transmutação.
Para ele, o barro é mais que um simples material, é uma ligação com a história da humanidade, que se reflete nas mãos que moldam e criam formas.
"O barro carrega uma carga histórica profunda, sendo um dos primeiros materiais utilizados pelos povos primitivos", comentou Julio, destacando a importância de iniciativas como o "Arte na Praça", que levam a arte para fora dos espaços fechados das galerias e para o coração das pessoas.
"Já dizia o poeta, a arte tem de ir aonde o povo está", finalizou.
Para Luiza Helena Amorim, a ideia de homenagear Estrigas começou a partir de uma conversa com Lucia Ferreira, professora de bordado, no ano anterior.
"Queríamos trazer algo sobre Estrigas, mas sem repetir o que já foi feito antes", disse Luiza, que, desde 2018, se envolveu profundamente com o Minimuseu Firmeza, espaço que pertenceu a Estrigas e sua esposa, Nice.
A conexão de Luiza com o lugar foi imediata: "Quando você entra naquele sítio, sente algo especial", relatou emocionada. O local que preserva a memória de Estrigas e Nice, também foi citado por Paula Machado, historiadora e responsável pelo espaço.
Neuma Figueiredo, o olhar sensível da arte cearense | Assista no O POVO+
Ela destacou a importância do museu não só como um centro de preservação da arte, mas também como um projeto de vida de Estrigas e Nice, que transformaram sua casa em um museu ainda em vida.
"Estrigas e Nice dividiram sua vida íntima com a vida pública. Isso é arte", afirmou Paula, refletindo sobre como a arte estava intrinsecamente ligada à vida do artista, ao ponto de quem visitasse seu ateliê também passasse pela intimidade do casal.
Com a praça tomada por arte, história e emoção, o evento foi uma oportunidade para a comunidade se aproximar das memórias de Estrigas e de outros grandes artistas cearenses, ao mesmo tempo, em que celebra a arte como um patrimônio vivo, acessível e em constante transformação.
Para os organizadores, a homenagem aos 105 anos de Estrigas reafirma a importância da arte pública e da preservação da memória cultural, trazendo para a praça, para as pessoas e para o cotidiano, a força da criatividade e da história do Ceará.