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STF: as entrelinhas de um interrogatório
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STF: as entrelinhas de um interrogatório

O ministro Alexandre de Moraes e o ex-presidente Jair Bolsonaro frente a frente pela primeira altera pouco o rumo do processo
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ALEXANDRE de Moraes e Jair Bolsonaro durante depoimento do ex-presidente no STF (Foto: Evaristo Sá / AFP)
Foto: Evaristo Sá / AFP ALEXANDRE de Moraes e Jair Bolsonaro durante depoimento do ex-presidente no STF

A grande novidade do depoimento de Jair Bolsonaro (PL) ao STF foi sua relativa falta de novidade. Habituado a ladrar contra o ministro Alexandre de Moraes, o ex-presidente adotou estratégia diferente, talvez mais de olho no abrandamento de uma condenação do que propriamente numa tática de enfrentamento.

Quem os visse ali, no arranjo de cadeiras e mesas que mobiliam o imaginário de sobriedade da corte, associaria a dupla a qualquer tipo de afeto (camaradagem, urbanidade etc.), menos ao de ojeriza. Nessa "mise-en-scène", o ex-mandatário, embora nervoso no começo, logo se sentiu à vontade para debulhar seu palavreado costumeiro e meias verdades já conhecidas, vendendo a tese de perseguição política sem enunciá-la com todas as letras.

Em qualquer momento foi interrompido pelo magistrado, que parecia se divertir com a situação: pela primeira vez cara a cara, com transmissão ao vivo para todo o País, ambos trataram de desfazer a expectativa por um pugilato retórico. Pelo contrário, trocaram amabilidades e cortesias (ainda que falsas e calculadas), no que se podem enxergar traços de uma predisposição à acomodação típica da sociedade brasileira, que evita sempre a confrontação.

Dito isso, o teor das oitivas altera em algo a tendência de condenação de Bolsonaro? Não, e a defesa do ex-presidente sabe disso, a ponto de já haver antecipado um argumento, qual seja, o de que Mauro Cid mentiu durante sua delação, o que naturalmente levaria o Supremo a anulá-la.

Mesmo nessa hipótese a situação do ex-chefe do Planalto não se alteraria em nada. Seu interesse, porém, é outro: deslocar a disputa para o plano político, onde deposita suas fichas para uma mudança de resultado - não hoje nem amanhã, mas depois de 2026, caso um nome ligado ao bolsonarismo vença a eleição presidencial, comprometendo-se com o fim desse pacto de não agressão com o STF.

Mais: indicando, em paralelo, juízes alinhados a essa causa. É nisso que Bolsonaro se fia, mesmo quando graceja, diante de um Moraes permissivo, convidando-o para a vice de sua chapa ano que vem - a qual o relator gentilmente declinou.

 

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