Emoção, mergulho na alma brasileira e poesia cênica: à noite desta sexta-feira, 10, podem ser associadas de imediato essas descrições - bem como ao livro em destaque. Foi lançada pela Fundação Demócrito Rocha (FDR), na XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, a obra “Foi um Dia…”, de Luiz Marinho.
Um dos principais dramaturgos do Brasil, o pernambucano foi o grande homenageado pela FDR na edição atual de uma das maiores feiras literárias do Brasil. O lançamento ocorreu no Palco Sesc Além das Letras, a partir de um bate-papo com um pesquisador de sua obra e com Chico Marinho, um dos filhos de Luiz Marinho.
Estiveram presentes também na ocasião a presidente institucional e publisher do O POVO, Luciana Dummar, e membros da família do dramaturgo, como os filhos Joaquim, Carolina e Catarina.
No bate-papo de lançamento de “Foi um Dia…”, subiram ao palco Anco Márcio, professor de Teoria Literária da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador de sua obra, e Chico Marinho, jornalista, editor executivo do Núcleo de Imagem do O POVO e filho.
A ação foi mediada por Deglaucy Teixeira, gerente educacional da FDR. “Estamos aqui para comemorar o centenário de nascimento de Luiz Marinho, autor cuja obra buscou demonstrar e valorizar o nosso Nordeste em âmbito cultural e social”, disse ao introduzir o evento.
A conversa foi acompanhada por um bom público na Bienal do Livro de Pernambuco. Ao longo da iniciativa, a trajetória de Luiz Marinho foi destacada em diferentes âmbitos, desde memórias afetivas do convívio com o dramaturgo aos temas políticos e sociais abordados em seus trabalhos.
Enquanto Chico Marinho, Deglaucy e Anco Márcio conduziam o lançamento, imagens de Luiz Marinho e ilustrações do artista visual Hugo Melo eram exibidas no painel instalado no palco, ressaltando histórias, cores e obras.
Ao O POVO, Chico Marinho resgatou como a ideia para homenagem surgiu a partir de um convite da presidente Luciana Dummar após exposição sobre Luiz Marinho no Recife. Com a participação na Bienal de Pernambuco, surgiu o projeto para o lançamento do livro.
“Depois disso, a forma como foi construído o livro foi impressionante. Eu e minha família sentimos o carinho da Fundação Demócrito Rocha e isso foi muito emocionante para nós”, compartilhou o jornalista.
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Chico complementou a emoção pelo lançamento: “É um encontro com o papai. Estou me reencontrando com meu pai por meio dessa obra. Eu penso: ‘caramba, o papai voltou’. É emocionante”.
Na avaliação do pesquisador Anco Márcio, a obra de Luiz Marinho consegue apresentar ao público um “Brasil profundo”, muitas vezes esquecido. “Costumo dizer que o Marinho faz um pouco de memórias ficcionalizadas a partir das suas vivências. Ele retrabalha isso e transforma em linguagem dramática”, contextualiza.
Para ele, o lançamento de “Foi Um Dia…” também é importante para que o repertório do dramaturgo continue em circulação. “Se a peça não está circulando, não tem como as pessoas terem acesso e se familiarizarem com ela”.
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Ele complementa: “Quando você pega uma peça infantil como ‘Foi Um Dia…’, de um lado um pouco desconhecido do Luiz Marinho, e volta a circulá-la com uma edição belíssima, que encanta os olhos, é muito importante”.
Um dos familiares presentes na homenagem foi Henrique Falcão, doutorando em Antropologia e neto de Luiz Marinho. Ele fez a curadoria da exposição “Luiz Marinho: um resgate do autor que veio da mata”, em cartaz em Recife em 2024.
A mostra teve o objetivo de apresentá-lo não apenas como artista, mas como uma representação política também. Para Henrique, é importante considerar a identidade e o contexto político e social de Marinho, autor de origem indígena e não-branca.
Em sua análise, muitas vezes ele é posto ao lado de autores brancos e privilegiados, o que ignora as diferenças em suas experiências e perspectivas.
“É salientar o seu lado político, sua epistemologia política e o que faz ele ser esta grande flecha que é um corpo político, racializado e indígena, considerado o melhor autor do Brasil em 1970. As pessoas entendem que ele é premiado, é importante, mas não entendem que é também político”, explica.
Se estivesse vivo, Luiz Marinho (1926 - 2002) completaria 100 anos em 2026. A homenagem da FDR - por meio da publicação pelas Edições Demócrito Rocha (EDR) - é uma forma de ressaltar o legado deixado pelo pernambucano na cena teatral brasileira.
Marinho dedicou sua obra a desvendar o universo social e cultural do Nordeste. O autor traduziu em livros e peças personagens como violeiros, vaqueiros e cangaceiros, mergulhando nas vivências de sua infância e adolescência no interior de seu estado.
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Para além de seu traço regionalista, ficou marcado por peças protossurrealistas, pseudoexistenciais e obras destinadas ao público infantil, como a peça de teatro “Foi Um Dia…”.
Com ilustrações do artista pernambucano Hugo Melo, o livro é uma peça em dois atos em estado de fábula, que resgata a força da tradição oral e a magia do teatro popular. No trabalho, Luiz Marinho transforma o cotidiano em poesia cênica, revelando dramas, alegrias e contradições dos dias comuns.
Com humor e sensibilidade, a peça mergulha na alma brasileira. O texto tem linguagem acessível e convida crianças, jovens e adultos a refletirem sobre o tempo, a memória e os afetos que moldam nossas histórias.
Com forte presença na Bienal de Pernambuco, a FDR e O POVO também levaram o universo de Luiz Marinho ao seu estande. Além das peças gráficas que compõem o ambiente, são vendidas blusas com ilustrações de Hugo Melo que fazem menção ao dramaturgo.
Ao longo de sua trajetória, Luiz Marinho produziu 14 peças teatrais e conquistou importantes prêmios como o Molière e os da Academia Brasileira de Letras (ABL), da Academia Pernambucana de Letras e do Estado da Guanabara. Entre as principais obras estão “Um sábado em 30”, “Viva o Cordão Encarnado”, “A Derradeira Ceia”, “A Incelença” e “A Valsa do Diabo”.