Declarada Patrimônio Cultural Imaterial do Recife, são 30 anos em estado de poesia. Três décadas de história. Quinze edições em que cada palavra é tocada, escutada, apreciada e, principalmente, compartilhada. Escritores, editoras, público e estados brasileiros se unem na festa literária que movimenta não só a economia, mas a cultura e — por que não? — o sonho.
O crítico literário Schneider Carpeggiani, curador desta edição, ressalta o contexto "no qual o Nordeste volta a ter centralidade na literatura brasileira", tanto por números de livros mais vendidos quanto pela safra de autores que têm surgido.
Assim, a Bienal chega aos 30 anos "em um momento especial", com preocupação de "colocar em foco os nossos autores nordestinos", segundo Carpeggiani. "É importante que os eventos literários nordestinos olhem para o que está sendo feito ao seu redor. Se os curadores nordestinos não se preocuparem com isso, a literatura dos autores nordestinos será silenciada", atesta.
Nesse sentido, critica o "projeto sistemático de silenciamento ou de olhar a região como algo exótico" visto em feiras literárias em outras regiões. Por isso, considera a perspectiva regional uma das características desta Bienal.
"Pensando nisso também, a Bienal tem como homenageado não um autor ou autora, mas a poesia pernambucana. E esse é o momento, por exemplo, que o último destaque de literatura da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) foi para um livro de uma poeta pernambucana, a Adelaide Ivánova, com o seu 'Asma', um livro que fala muito das lutas do Nordeste contra o apagamento que o Sudeste/Sul sempre tentou fazer em relação a ele", pontua Carpeggiani.
Com esses pensamentos é aberta a janela para os ecos do Nordeste serem escutados — e suas palavras, sentidas.
A XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco tem como tema "Ler é sentir cada palavra" e propõe ampliar a valorização da leitura enquanto experiência sensorial e acessível. Além disso, deseja colocar o Nordeste em foco, promovendo encontros com outros estados.
O Ceará é um deles. De nomes premiados, como Mailson Furtado, à "caravana" de autores independentes presentes ao evento, a Bienal acolhe diferentes propostas e mostra conexões literárias que ultrapassam fronteiras.
O Grupo de Comunicação O POVO está no evento. Com destaque para a homenagem ao dramaturgo pernambucano Luiz Marinho, a Fundação Demócrito Rocha (FDR) e O POVO contam com estande na feira. Além disso, O POVO faz cobertura multiplataforma.
No gramado do jardim do O POVO, sete autores e autoras cearenses independentes se reúnem com seus livros. Consigo, trazem ideias, risos, reflexões e, acima de tudo, expectativas. As obras que seguram em suas mãos são "apenas" o produto final de dias e noites de trabalho em torno da escrita. Histórias diferentes, mas um sonho em comum: expandir os horizontes de alcance.
Com diferentes gêneros literários (do horror à fantasia) e estilos diversos de escrita, os profissionais integram um grupo de dez autores independentes cearenses na edição 2025 da Bienal de Pernambuco. O coletivo ocupa um estande próprio no evento, onde autografa e expõe livros autopublicados.
Os escritores também participam da programação em rodas de conversa temáticas e contações de histórias, compartilhando experiências no ambiente literário. Apesar de não serem os únicos cearenses na Bienal - nomes como Ana Márcia Diógenes, Alexandre Almeida, Mailson Furtado e Socorro Acioli também estão previstos -, esses autores chamam a atenção pelo movimento coletivo em torno da literatura independente.
A lista inclui autoras como Kelly Cortez, Moacir Fio, Vera Marques, Well Morais, Victor Sousa, Liduina Vidal e Wilson Júnior.
O interesse do grupo em estar na Bienal de Pernambuco engloba combinação de fatores, como oportunidades financeiras, o desejo de alcançar novos públicos, descentralizar a literatura nacional e diminuir custos (como traslados dos livros, hospedagem e alimentação).
Algumas das características que chamaram a atenção para a ida à Bienal foram a grande adesão de público ao evento e sua "excelente programação", o que é garantia de circulação de potenciais leitores.
Além disso, o fato de nomes de peso e grandes editoras participarem atrai ainda mais o público, na avaliação de Wilson Júnior. A "caravana" também precisou de apoios institucionais externos. Segundo Wilson, receberam apoio do Banco do Nordeste, da Prefeitura de Eusébio, da Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza (SME) e da vereadora Adriana Almeida (PT).
Ele destaca as expectativas para a Bienal: "É um momento que temos para entrar em contato com outros autores, colegas que estão espalhados pelo Brasil, e o evento nos concentra em um mesmo lugar. Temos a oportunidade de trocas, de ver lançamentos, compartilhar trabalhos… A Bienal é sempre um lugar de muito trabalho, mas também de trocas com outros escritores".
Wilson Júnior também aponta um cenário no qual as livrarias de rua estão "desaparecendo" e a distribuição em grandes redes é difícil para autores independentes. Assim, a Bienal se transforma em uma das melhores formas de chegar diretamente ao público.
"Quando as bienais abrem espaço para a discussão da literatura independente, ganhamos espaço para nos comunicarmos com o público, falarmos sobre nossas questões e dificuldades. É importante compreender que há uma mudança muito expressiva na literatura nacional: o autor independente não é mais uma exceção, é uma regra. Há um grande volume de escritores publicados por editoras pequenas, independentes ou que não tem grande estrutura de distribuição e de marketing", exclama.
No leque de autores independentes do Ceará que irão à Bienal de Pernambuco há espaço também para a fantasia, representada pelas escritoras Lara T. Vainstok e Anna Andrade. Enquanto Lara integra, com Wilson Jr., o momento "O Trabalho de Autores Independentes" no sábado, 11, Anna é escalada para o debate "Nossas Raízes São Fantásticas - Um papo com quem produz fantasia no Nordeste".
A conversa é realizada no dia 3 de outubro e conta também com as autoras Fernanda Castro e Laís Lacet, com mediação de Maria Anna Martins. Escritora de fantasia e ficção científica com representatividade racial e LGBTQIA, Anna Andrade leva à feira literária seis títulos e planeja produzir conteúdos "inesquecíveis" com influenciadores e leitores.
Um dos livros é "Entre Fogo e Raposas", fantasia urbana LGBT e juvenil que mistura elementos da cultura coreana em Fortaleza. "É uma história sobre família, tem aventura e conta sobre a jornada de Dan ao tentar salvar a mãe com a ajuda dos irmãos e do vizinho", contextualiza a autora.
Questionada sobre como analisa o segmento da literatura fantástica na produção brasileira, a cearense aponta um aumento crescente do gênero, especialmente dentro da "romantasia" (romance fantasia). "Fico contente em ver cada vez mais diversidade na fantasia brasileira. Aos poucos o Nordeste LGBT também está conquistando seu espaço", avalia.
"Conquistar espaço", por sinal, se entrelaça com um dos propósitos de Denilson Vieira, que vê na Bienal de Pernambuco a oportunidade de ampliar os horizontes da literatura cearense. O autor também integra a caravana independente e afirma que, além de marcada pela difusão da literatura feita no Ceará, sua participação será marcada pela "valorização das culturas, expressões e religiões afro-brasileiras".
Uma das obras apresentadas pelo escritor na Bienal é "No Caminho da Fé - A História de Seu Zé", que resgata a caminhada espiritual e simbólica de uma entidade tão importante na umbanda, "revelando ensinamentos de fé, resiliência e esperança". Outro livro é "Umbanda não tem preço! Tem Valores", que aborda a história e os fundamentos dessa religião.
Denilson participa da roda de conversa "Literatura sobre culturas Afro-brasileiras" no dia 9. O tema atravessa profundamente sua trajetória literária, pois grande parte do que escreve "nasce do compromisso em dar voz às tradições, histórias e religiosidades afro-brasileiras", segundo Denilson.
"A roda de conversa será um espaço para discutir como a literatura pode ser instrumento de resistência, valorização e preservação cultural, além de refletir sobre os desafios enfrentados por essas expressões no cenário literário. Pretendo trazer para o debate a importância da representatividade, do respeito às diferenças e da literatura como ponte de compreensão e acolhimento", explica.
Entre os espaços e estandes na Bienal do Livro de Pernambuco está o da Fundação Demócrito Rocha (FDR)/O POVO. Ao longo do evento, lançamentos de livros das Edições Demócrito Rocha (EDR), promoções, palestras, bate-papos e painéis são atrações para o público.
A presença na Bienal de Pernambuco é mais uma iniciativa importante da FDR em meio às celebrações de seus 40 anos e do legado de promoção à cultura construído em quatro décadas. Ela também esteve na Bienal do Livro do Ceará em 2025. Pelos propósitos da FDR, a participação na festa literária é um movimento natural, entrelaçado com os objetivos da fundação.
Isso vem não somente pelo tema do evento — "Ler é sentir cada palavra" —, mas pela busca constante de "transformar o indivíduo pela educação", tendo como exemplo o segmento das Edições Demócrito Rocha.
"Além do livro impresso, temos e-book, audiobook e peças de teatro. Já seguimos o próprio tema desta Bienal e levamos uma literatura mais acessível", aponta Deglaucy Teixeira, gerente educacional da FDR.
O principal lançamento é "Foi um Dia…", peça de teatro infantil do dramaturgo pernambucano Luiz Marinho. Outro lançamento é o livro "Mariquinha Maricota", que apresenta em uma narrativa literária a peça de teatro homônima de Luciano Lopes, humorista cearense, fundador do grupo teatral Bilu Bila e Cia e intérprete da personagem Luana do Crato.
Com ilustrações de Cival Einstein, a obra mergulha no universo lúdico dos palhaços (arquétipos que povoaram sua infância) e é ambientada no sertão brasileiro, resgatando elementos do folclore regional.
Há também a publicação do livro "Universidade Social", de Cicília Raquel Maia Leite, atual reitora da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (Uern). A obra reúne reflexões, posicionamentos e discursos públicos da professora a partir de dois núcleos
O primeiro, com artigos publicados no O POVO nos quais aborda temas como educação, democracia, inclusão e o papel das universidades públicas. O segundo, com discursos em momentos solenes e institucionais.
"Além dos lançamentos, temos algumas promoções, principalmente para promover uma leitura mais acessível para todos, principalmente por meio dos preços dos livros", aponta Deglaucy Teixeira.
A chegada da Fundação Demócrito Rocha se alinha com o movimento de ampliar cada vez mais sua linha editorial - majoritariamente cearense - para o Nordeste e para o Brasil. Assim, contribui para o fortalecimento na região.
"Acredito que a principal importância da FDR nesses 30 anos de Bienal de Pernambuco tem a ver com o lado fundamental de mostrar como a fundação, tendo como segmento as Edições Demócrito Rocha, é, acima de tudo, nordestina. Acima de tudo, temos essa linha editorial, e precisamos fortalecer parcerias com todos os estados do Nordeste, iniciando em Pernambuco nosso primeiro passo de ampliação das fronteiras da região", avalia.
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Um dos grandes nomes da cena teatral brasileira, o dramaturgo pernambucano Luiz Marinho (1926-2002) é o principal homenageado pela Fundação Demócrito Rocha (FDR) nesta edição da Bienal do Livro de Pernambuco. Se estivesse vivo, completaria 100 anos em 2026.
Marinho dedicou sua obra a desvendar o universo social e cultural do Nordeste. O autor traduziu em livros e peças personagens como violeiros, vaqueiros e cangaceiros, mergulhando nas vivências de sua infância e adolescência no interior de seu estado. Para além de seu traço regionalista, ficou marcado por peças protossurrealistas, pseudoexistenciais e obras destinadas ao público infantil.
Exemplo é a peça de teatro infantil "Foi um dia…", com lançamento pelas Edições Demócrito Rocha (EDR) durante a feira. "Temos o teatro como uma forma de trazer a dramaturgia da literatura em ação. É uma forma de sentir a literatura, de sentir a palavra no palco", descreve Deglaucy Teixeira, gerente educacional da FDR.
A obra preserva o texto original, mas acrescenta ilustrações do artista pernambucano Hugo Melo que fazem um "tributo visual ao movimento armorial". O livro é uma peça em dois atos em estado de fábula, que resgata a força da tradição oral e a magia do teatro popular. No palco, desfilam a princesa e a madrasta, o príncipe e o pombo encantado, a lua e o vento, os urubus, as galinhas, o rei e sua corte.
No trabalho, Luiz Marinho transforma o cotidiano em poesia cênica, revelando dramas, alegrias e contradições dos dias comuns. Com humor e sensibilidade, a peça mergulha na alma brasileira. O texto tem linguagem acessível e convida crianças, jovens e adultos a refletirem sobre o tempo, a memória e os afetos que moldam nossas histórias.
As peças gráficas do estande da FDR/O POVO seguem a temática de Luiz Marinho, também é homenageado em um painel do evento, com participação de Anco Márcio, professor de Teoria Literária da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador de sua obra, e filhos do dramaturgo, a exemplo de Joaquim, Carolina, Catarina e Chico Marinho, jornalista e editor executivo do Núcleo de Imagem do O POVO.
Ao longo de sua trajetória, Luiz Marinho produziu 14 peças teatrais e conquistou importantes prêmios como o Molière e os da Academia Brasileira de Letras (ABL), da Academia Pernambucana de Letras e do Estado da Guanabara. Entre as principais obras estão "Um sábado em 30", "Viva o Cordão Encarnado", "A Derradeira Ceia", "A Incelença" e "A Valsa do Diabo".
Hugo Melo atua como artista e ilustrador desde 2017. São deles as ilustrações deste especial, criadas com exclusividade para as páginas da edição impressa do suplemento Vida & Arte do O POVO, sobre a Bienal de Pernambuco, que circula no evento.
Natural de Petrolina, em Pernambuco, Hugo Melo utiliza elementos característicos do Nordeste - com paisagens, música, tradições religiosas e outras expressões - em suas produções visuais.
Seu trabalho com arte e muralismo já lhe rendeu reconhecimento regional e importantes prêmios, como a vitória na 17ª Galeria de Arte Reciclada da 24.ª Fenearte.
Sua arte é uma celebração de elementos regionais do Nordeste, buscando inspiração na vegetação, na fauna, na música, nas tradições religiosas e nas paisagens que moldaram sua trajetória.
Por meio de seus traços, o artista valoriza e perpetua a rica cultura nordestina, levando sua essência para o Brasil e para o mundo.
Saiba mais sobre o artista no Instagram @ateliehugomelo