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Cubanos vão às ruas contra o regime
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Cubanos vão às ruas contra o regime

Protestos do último domingo, 11, foram os maiores em quase 30 anos. Presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, acusou os manifestantes de serem financiados pelos EUA e convocou apoiadores do regime às ruas
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MANIFESTANTES marcharam na capital Havana em outras 9 cidades cubanas no último domingo (Foto: YAMIL LAGE / AFP)
Foto: YAMIL LAGE / AFP MANIFESTANTES marcharam na capital Havana em outras 9 cidades cubanas no último domingo

Milhares de cubanos marcharam pelas ruas do país no último domingo, 11, para protestar contra o regime em vigor há 62 anos na ilha. Sob gritos de "Liberdade" e "Abaixo a ditadura", manifestantes estouraram os maiores atos registradas desde o "Maleconazo" de 1994. O pano de fundo dos atos envolve, novamente, uma crise econômica - a pior desde os anos 1990 - e os efeitos da pandemia de Covid-19.

Além das dificuldades econômicas, ocasionadas pela queda no turismo e nas importações de mercadorias durante a pandemia, e da falta de liberdade de expressão, cubanos têm sofrido com longos cortes de energia em diversas áreas do país. Esse último foi um dos fatores que acelerou a crescente indignação com o governo do presidente Miguel Díaz-Canel e desencadeou as marchas que ocorreram na capital, Havana, e outras cidades da ilha.

No domingo, autoridades de saúde relataram um aumento recorde em um único dia de novos casos de coronavírus. Ao todo, Cuba já soma 244.914 casos e 1.579 mortes pela doença.

Um dia antes, opositores pediram a criação de "um corredor humanitário" na ilha, descartado pelo governo cubano que classificou a proposta como “uma campanha” para “apresentar uma imagem de caos total no país que não corresponde à situação atual".

Os recentes protestos trouxeram de volta a discussão acalorada sobre Cuba, analisada por óticas distintas na direita e na esquerda mundo afora. Enquanto para a direita, os atos sinalizam mais uma falha no modelo implantado no país, para a esquerda são consequência da conjuntura provocada pelo longo embargo dos EUA que impede o desenvolvimento na ilha.

A economia cubana sofre com um bloqueio econômico imposto por Washington há cerca de 60 anos, ainda no governo do então presidente americano John F. Kennedy. O embargo foi endurecido em várias ocasiões e permanece vigente até hoje. De acordo com Havana, a medida já provocou prejuízos superiores a 138 bilhões de dólares aos cubanos.

Plataformas como Facebook e Twitter tiveram papel importante na divulgação dos atos do fim de semana, considerados incomuns na ilha governada pelo Partido Comunista. O governo cubano atribui a situação de crise ao embargo e questiona a legitimidade das manifestações, as quais chama de "campanha midiática" para "lucrar" com a crise de saúde.

Cleyton Monte, professor vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), considera que os novos protestos superam a dimensão dos embargos e evidenciam um desejo da “nova geração” de cubanos.

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“O que vemos agora são grupos, sobretudo de jovens, que querem uma abertura democrática. O regime criou uma narrativa de que aqueles que se manifestam são contra-revolucionários, mas o discurso não surte o mesmo efeito com os jovens. Então, as manifestações crescem, se fortalecem e vão tendo mais apoio”.

Para o pesquisador, a nova geração acredita que este é um “momento de fragilidade do regime”. No cálculo entra uma série de dificuldades que Cuba enfrenta, como o aumento de casos de Covid-19, a piora no quadro econômico e claro com os embargos.

Em resposta aos atos, o presidente Díaz-Canel convocou apoiadores para tomarem as ruas. “A ordem de combate está dada: às ruas os revolucionários”, disse ao acusar “a máfia cubano-americana” de estar por trás do levante.

“Convocamos todos os revolucionários do país, os comunistas, a tomarem as ruas onde quer que essas provocações ocorram, de agora em diante e em todos estes dias. E enfrentá-las com decisão, com firmeza, com coragem”.

Sobre as possibilidades de mudanças com uma eventual continuidade dos protestos, Fabio Gentile, PhD em Filosofia e Política pela Universidade L'Orientale, de Nápoles, projeta que possam ocorrer concessões por parte do governo.

"Não tem como estar no poder sem concessões, chega um momento em que o povo se revolta. Mesmo que parte da população continue aceitando a ideologia da revolução, não acho que apenas isso freará as novas gerações que tendem a avançar", projeta.

Já Monte aponta que apesar das manifestações o regime tem “forte apoio das forças armadas e de nomes importantes da sociedade". “O que os manifestantes querem é liberdade, pluralidade de partidos, imprensa livre e isso choca com os ideais do regime da ilha”, explica, acrescentando que Díaz-Canel convocou apoiadores às ruas porque “sabe que o discurso da revolução ainda tem adeptos em Cuba”.

O presidente cubano Miguel Diaz-Canel é visto durante uma manifestação de cidadãos para exigir melhorias no país, em San Antonio de los Banos, Cuba, em 11 de julho de 2021. - Milhares de cubanos marcharam neste domingo, 11 de julho, pelas ruas da pequena cidade de San Antonio de los Banos em um protesto sem precedentes contra o governo, segundo vídeos de fãs postados na internet. (Foto de Yamil LAGE / AFP)
O presidente cubano Miguel Diaz-Canel é visto durante uma manifestação de cidadãos para exigir melhorias no país, em San Antonio de los Banos, Cuba, em 11 de julho de 2021. - Milhares de cubanos marcharam neste domingo, 11 de julho, pelas ruas da pequena cidade de San Antonio de los Banos em um protesto sem precedentes contra o governo, segundo vídeos de fãs postados na internet. (Foto de Yamil LAGE / AFP)

Presidente de Cuba acusa EUA de querer provocar 'revoltas sociais' no país

O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, acusou ontem os Estados Unidos de impor "uma política de asfixia econômica para provocar revoltas sociais no país", um dia depois de protestos históricos. Joe Biden, presidente americano, pediu-lhe que "ouça seu povo".

Em transmissão ao vivo pela televisão e pelo rádio, o líder comunista, rodeado por vários de seus ministros, garantiu que seu governo está tentando "enfrentar e superar" as dificuldades diante das sanções dos EUA, reforçadas desde o mandato de Donald Trump. "O que querem com essas situações? Provocar revoltas sociais, provocar mal-entendidos" entre os cubanos, mas também "a famosa mudança de regime", denunciou o presidente.

Biden, por sua vez, pediu ao "regime cubano que, em vez de se enriquecer, ouça seu povo e atenda suas necessidades", segundo nota. "Estamos com o povo cubano e seu claro apelo por liberdade", disse ele.

Os protestos do fim de semana colocaram na lista de prioridades de Biden a situação social de Cuba, um tema que ele pretendia fazer avançar lentamente e, segundo especialistas, provavelmente arruinará as perspectivas de uma nova abertura para a ilha a curto prazo.

Os EUA mais uma vez endureceram sua política em relação a Cuba com o governo de Donald Trump (2017-2021), após a normalização das relações durante o mandato de Barack Obama (2009-2017), que considerou que os esforços realizados em mais de meio século por Washington para derrubar o regime de Havana falharam.

Biden, que foi vice-presidente de Obama, ordenou uma revisão da política sobre Cuba ao assumir o cargo, mas a Casa Branca disse claramente que não tem pressa e que a questão "não está atualmente entre as principais prioridades do presidente".

A postura em relação a Cuba segue em linha com a política interna dos Estados Unidos, com uma comunidade cubano-americana fervorosamente anticomunista com enorme peso eleitoral na Flórida, um estado-chave para se chegar à Casa Branca.

Ryan Berg, especialista em América Latina no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse que o governo Biden vê mais urgência em abordar a migração da América Central, outro assunto doméstico quente, do que a situação com Cuba.

Como candidato, Biden estava disposto a restaurar os avanços obtidos durante o governo Obama, retirando as restrições às remessas e viagens a Cuba, que fica a apenas 150 km da Flórida.

Mas ele ainda não cumpriu essa promessa e permaneceu em silêncio sobre uma decisão de última hora do Departamento de Estado de Trump de declarar Cuba um Estado patrocinador do terrorismo, algo que acarreta sanções severas.

Berg espera que Biden acelere a revisão da política para a ilha, mas disse que seria difícil para o democrata renovar a abertura se Cuba reprimir os protestos. "Isso poderia forçar o governo Biden a recuar, embora pelo menos o force a prestar atenção", explicou. (AFP)

 

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