Uma nova Alemanha começará a ser desenhada a partir da próxima quarta-feira, 8, quando o Bundestag (Parlamento) organizará a eleição de Olaf Scholz para o cargo de chanceler do país, encerrando 16 anos da gestão Angela Merkel. A inédita coalizão de governo terá desafios complexos que se estendem por várias searas da economia mais importante da União Europeia (UE) e quarta maior do mundo.
Num sistema político marcado pela descentralização do poder, o novo governo será liderado pelo Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, e composto ainda pelos partidos Democrático Liberal (FDP), de centro-direita, e Verde, mais à esquerda e considerado intervencionista. A coalizão ficou conhecida como “semáforo” por reunir as cores vermelho, dos sociais-democratas, amarelo, dos liberais, e verde, dos ecologistas.
O coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Europeus da ESPM, Demetrius Pereira, projeta que o novo governo alemão estará “mais alinhado à esquerda”, pela posição semelhante da maioria de seus membros, e que isso pode fazer a Alemanha aderir a “políticas de igualdade” com mais ênfase do que nos anos Merkel.
Nesse sentido, os liberais podem ser um entrave até certo ponto. Pereira projeta o desafio político de conciliar três posições num governo. “Com três partidos negociando complica um pouco, porque alguns querem gastar mais, uns defendem o meio ambiente, outros têm prioridades diferentes. A tendência é que o conservadorismo tenha a influência reduzida”.
O primeiro embate, aparentemente vencido após intensas negociações, foi acomodar interesses e atores políticos distintos em cargos. A líder dos Verdes, Annalena Baerbock, será a ministra de Relações Exteriores, enquanto o líder dos Liberais, Christian Lindner, ficará com o Ministério das Finanças; considerada a mais poderosa de todas as pastas e objeto de intensa disputa entre Verdes e Liberais na coalizão.
Apesar das diferenças ideológicas, os futuros governantes já desenham alguns planos ambiciosos. Entre as ações já anunciadas estão ações de enfrentamento ao aquecimento global, o aumento do salário mínimo, o retorno da política de austeridade fiscal a partir de 2023 e até a legalização do uso recreativo da maconha para adultos.
A Alemanha também corre para modernizar o Estado e descarbonizar sua economia. O desempenho do novo governo em diversas searas perpassa pela melhoria da infraestrutura digital do país, dono de uma burocracia famosa por impor obstáculos.
Na questão climática, está previsto que no ano que vem os últimos reatores nucleares serão fechados em mais um passo para a transição energética. Apesar disso, a dependência do gás russo e do carvão são pontos sensíveis e repletos de interrogações. Investimentos bilionários serão necessários para pôr as transições tecnológica e energética em prática.
No cenário europeu, a questão que paira no ar é se a Alemanha conseguirá manter a posição de liderança construída ao longo da última década e meia por Merkel, enquanto outros países, como França e Itália, demonstram estar de olho na posição. Elze Rodrigues, professora de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi, avalia que não há motivos para cravar a perda de relevância da Alemanha.
“A proximidade de Merkel com Scholz confere a ele certa força política. É uma chanceler que sai do cargo deixando a Alemanha num lugar de destaque. Sendo assim, terá efeito na forma com que o Scholz governará e na força política que ele exercerá”, projeta.
Iago Caubi, pesquisador vinculado ao GIS-UFRJ, pontua que Scholz tende a assumir um papel similar ao de Merkel, no sentido de buscar estabilidade e centralidade política.
“A Alemanha hoje tem alguns papéis. Merkel foi a principal articuladora do Brexit (saída britânica da UE) tanto para defender os interesses do bloco como para evitar atritos. Acredito que o Scholz vai manter essa linha de mediação e liderança, mas claro, os problemas sem resolução também devem cair nas costas do novo governo”, comenta.
Analistas ouvidos pelo O POVO entendem que a liderança do bloco europeu fica, inicialmente, indefinida, com França e Itália investindo em políticas bilaterais para tocar a UE enquanto os alemães se reorganizam.
“O francês Macron já conhecido e pró-UE e o italiano Draghi, como ex-presidente do Banco Europeu, parecem assumir essa liderança, mas com o tempo Scholz deve ter seu nível de protagonismo”, comenta Demetrius Pereira.
Caubi concorda ao avaliar que há uma oportunidade para franceses e italianos.
“A França passará por uma eleição nacional em 2022, então Macron deve usar a política externa como palanque e Draghi tem um bom histórico de participação nas entidades europeias. É interessante ver que França, Alemanha e Itália, países fortes da Europa, têm um alinhamento pró-UE enquanto a extrema direita, em ascensão pelo mundo, é contrária”.