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Sara Oliveira: Mulheres na Ciência: filhos precisam caber no lattes
Opinião

Sara Oliveira: Mulheres na Ciência: filhos precisam caber no lattes

No universo da Ciência, onde o lattes vale mais do que muita coisa, a desigualdade de gênero fica explícita mais uma vez, com números, relatos e pareceres como o da professora Maria Carlotto
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"A Laura cabe no meu lattes". Li essa frase e na sequência ouvi a doutoranda Liliane Luz falar, emocionada, que entre os títulos destacados na apresentação do seu currículo lattes, está escrito "o mais importante: mãe da Laura (nascida em março de 2016)". Jornalista, mãe, parceira, ela diz que chorou ao saber sobre o parecer do CNPq ao pedido de bolsa de produtividade em pesquisa (BP) solicitado pela professora da Universidade Federal do ABC, Maria Carlotto. O caso teve repercussão no fim de 2023.

A análise feita pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - que negou a concessão à professora - afirmava que "provavelmente suas gestações atrapalharam" a realização do pós-doutorado fora do País. A BP é uma bolsa considerada de alto nível no CPNq, sendo um bônus para pesquisadores e pesquisadoras que cumprem critérios de produção científica, participação na formação de recursos humanos e contribuição para a área de pesquisa. Hoje, no Brasil, das 15.850 bolsas de produtividade, 35% são destinadas a mulheres.

A queda de produção na área profissional das mulheres quando engravidam é comprovada por diversas pesquisas e está em diferentes profissões e contextos sociais. No universo da Ciência, onde o lattes vale mais do que muita coisa, a desigualdade de gênero sobre essa questão fica explícita mais uma vez, com números, relatos e pareceres como o da professora Carlotto. E só seria diferente se a maternidade fosse vista de forma coletiva, não apenas individual. Se políticas públicas amenizassem essas diferenças, estando conectadas às condições sociais atuais.

Estudo da Parent Science, grupo de mães e pais que discutem parentalidade na Ciência, escancarou essa realidade no contexto acadêmico. Apenas 47,4% das professoras e pesquisadoras conseguiram submeter artigos científicos como planejado durante a pandemia.

Nos depoimentos sobre o isolamento social, mulheres contam que trabalhavam 12 horas seguidas, que viam grupos de professores combinando aproveitar que estavam em casa para produzir artigos, enquanto elas perdiam a rede de apoio - quem tinha - precisavam cuidar dos filhos, da casa e do currículo lattes. Tudo ao mesmo tempo, em meio aos mortos da Covid.

É preciso que se reconheça da forma devida uma profissional que trabalha enquanto amamenta um filho e orienta o outro na aula online. Que se tenha oportunidades que compensem o que a sociedade impõe a fazer, que é acumular diferentes ocupações de forma injusta e exaustiva.

Liliane, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Linguística na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professora universitária e mãe da Laura, alcançou os requisitos que um currículo lattes exige. Isso foi possível não porque as instituições de ensino entenderam a peleja que ela passa e fizeram seu papel de incluir considerando dimensões de gênero. Foi graças a uma rede de apoio eficaz e à sua orientadora, uma mulher, mãe e cientista.

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