Das melhores lembranças de minha vida, as reuniões familiares estão no topo de minhas memórias. Momentos alegres, com irmãos primos e vizinhos em festas religiosas, aniversários e almoços. Nem sempre concordávamos com tudo, mas as desavenças viravam pilhérias e brincadeiras bem humoradas.
Vejo hoje com muita preocupação e tristeza as diferenças, principalmente políticas, rompendo laços afetivos. A polarização que tomou conta do País está desfazendo vínculos familiares, lembranças compartilhadas e até os afetos. A divergência de voto ou a preferência partidária se sobrepondo a anos de convivência saudável e construtiva na personalidade de cada um.
O diálogo foi substituído por discursos inflamados, o respeito cedeu lugar à intolerância, e qualquer posicionamento contrário passou a ser interpretado como ataque pessoal. O ambiente doméstico tornou-se tenso, com silêncios pesados, olhares desconfiados e até a ausência física de membros que preferem não comparecer para evitar confrontos. Datas que antes eram marcadas por união e alegria agora se esvaziam, porque cada lado acredita de forma absoluta que a sua visão é a única legítima.
Essa atmosfera tóxica fragiliza relações que levaram décadas para se construir. Quando o afeto é sufocado pela disputa ideológica, perdem-se não apenas os momentos de convívio, mas também a sensação de segurança emocional dentro do próprio lar. O perigo cresce na medida em que a radicalização transforma diferenças em inimizade, criando um ciclo de afastamento e ressentimento cada vez mais difícil de reverter.
Nos ambientes políticos a situação é bem mais grave com agressões físicas, numa escalada que já levou a óbitos. Convivi em Brasília com adversários políticos e vi sentarem a mesma mesa no Piantela líderes como José Dirceu e Luiz Eduardo Magalhães conversando civilizadamente após as votações no Congresso. Na Assembléia Legislativa do Ceará, convivi com Mario Mamede construindo uma relação respeitosa a despeito dos projetos antagônicos de nossas filiações partidárias.
Precisamos interromper essa espiral de ódios. Ninguém detém toda a verdade. As famílias são para sempre. As amizades são bens valiosos que nos trazem apoio e crescimento pessoal. A política é um instrumento do bem comum.
A diversidade de opiniões é parte natural da vida social, mas precisamos resguardar o espaço para o respeito mútuo. Mais do que vencer discussões, é preciso recuperar a capacidade de preservar o afeto mesmo diante de divergências, pois, sem isso, o que se perde não é um argumento, e sim um vínculo. Precisamos de um esforço consciente e mútuo para deter a erosão da democracia. Política se faz com amor, não com ódio.