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Saúde mental e política: como as eleições afetam o psicológico dos brasileiros?
Reportagem Seriada

Saúde mental e política: como as eleições afetam o psicológico dos brasileiros?

Para evitar discussões, metade dos eleitores deixou de falar sobre política; debates tensos e rompimento de relações têm marcado disputa eleitoral desde 2018, com efeitos que vão desde ansiedade e estresse até distúrbios de sono ou de alimentação
Episódio 6

Saúde mental e política: como as eleições afetam o psicológico dos brasileiros?

Para evitar discussões, metade dos eleitores deixou de falar sobre política; debates tensos e rompimento de relações têm marcado disputa eleitoral desde 2018, com efeitos que vão desde ansiedade e estresse até distúrbios de sono ou de alimentação
Episódio 6
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A política nunca esteve tão presente no cotidiano dos brasileiros. Se antes era uma preocupação restrita apenas ao período eleitoral ou a pequenos grupos sociais, hoje ela está nos grupos de WhatsApp, nas redes sociais, em discussões nos jantares de família, no ambiente de trabalho e na mesa do bar.

Há alguns anos, porém, esses espaços de discussão têm sido marcados por discursos de ódio, medo e intolerância. Diante de uma escalada da violência política no Brasil e no mundo, os conflitos se intensificam e extrapolam a divergência de pensamentos, podendo colocar em risco não só a integridade física como também a psicológica.

 


Sobre o assunto

A saúde mental do eleitorado que vai às urnas no País este ano ainda lida com as sequelas de uma pandemia, o aumento das desigualdades socioeconômicas e diante de um contexto político inflamado pela polarização.

Com o acirramento da tensão eleitoral, 49% dos eleitores brasileiros deixaram de falar sobre política para evitar discussões, segundo uma pesquisa do Datafolha divulgada no fim de julho.

Do total de participantes no levantamento, mais da metade relatou ter vivido alguma situação de constrangimento, ameaça física ou verbal em razão de suas posições políticas nos últimos meses.

 

 

Os grupos que mais relataram constrangimentos e ameaças foram de simpatizantes do PT (63%), eleitores de Lula (58%), mais instruídos (62%), que reprovam o governo Bolsonaro (62%), autodeclarados pretos (60%) e homossexuais e bissexuais (65%).

Os dados revelam, ainda, que:

 

O medo de ser alvo de violência política nas eleições deste ano atinge a maioria da população brasileira, segundo a pesquisa Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022, uma parceria entre a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os dados foram coletados pelo Datafolha.

Do total de ouvidos, 67,5% dos entrevistados afirmam ter medo de ser agredido fisicamente em razão de sua escolha política ou partidária. 3,2% relatam ter sofrido ameaças por motivos políticos no último mês. Se extrapolada a amostra da pesquisa, são cerca de 5,3 milhões de pessoas intimidadas por expor suas opiniões.

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Como preservar a saúde mental em tempos de eleição

 

Na reta final das eleições de 2022, especialistas explicam que alguns fatores têm mudado o comportamento dos brasileiros em relação à política, ao ponto de brigas agravarem quadros de ansiedade e depressão, por exemplo.

“A gente vem sequelado. Somos um país enlutado, com 30 milhões na margem da pobreza, que voltou ao Mapa da Fome. Um país de desempregados, desiludidos, depressivos, ansiosos. É muito sofrimento que o nosso povo carrega”, observa a psicanalista Katiana Santiago.

“Não tivemos uma pausa no que tange à próxima eleição, nós vivemos os últimos quatro anos como se estivéssemos constantemente em campanha. Só que diferente de outras disputas, em que nós tínhamos uma rivalidade mas o ódio não era incitado, nesta existe uma validação e realimentação desse sentimento”, analisa.

A psicanalista Katiana Santiago atende muitas pessoas rompidas com familiares e amigos ou que se afastaram desses laços ainda nas últimas eleições presidenciais(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal A psicanalista Katiana Santiago atende muitas pessoas rompidas com familiares e amigos ou que se afastaram desses laços ainda nas últimas eleições presidenciais

A psicanalista relata que atende muitas pessoas rompidas com familiares e amigos ou que se afastaram desses laços ainda nas últimas eleições presidenciais, e que “dentro das relações, esses conflitos se dão muito pela tentativa de ganhar disputas, rebater o comportamento opositor”.

Os efeitos na psique humana podem se manifestar de formas diversas, desde crises de ansiedade, raiva, pesadelos e insônia até falta de apetite, compulsão alimentar, pensamentos repetitivos e uso excessivo das redes sociais.

“A busca por esse lugar de escuta aumentou nos últimos anos. É preciso depositar nossas raivas, queixas e dores em algum lugar, e a psicoterapia é um caminho para tratar essas questões, para que a gente não viva de forma tão explosiva”, orienta.

Essa também é a avaliação de Rayane Nobre, conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Ceará (CRP-11). Para a psicóloga, o cenário não é atual, mas sofreu um “boom” no último pleito para Presidente da República.

“Ficamos diante de um cenário que ultrapassou os vieses ideológicos de esquerda versus direita e o que passou a ser levantado como pautas foram situações e condutas de aviltamento de direitos humanos”, destaca.

“Temos um representante que desde o início validou e endossou um discurso machista, misógino, LGBTfóbico, o que fez com que muitas pessoas se sentissem no direito de propagar falas preconceituosas e discriminatórias. Neste cenário, agravou-se o adoecimento psíquico de minorias sociais”, alerta.

A especialista chama a atenção para a população LGBTQIA+, mulheres, pessoas negras, periféricas, povos indígenas e tradicionais. Segundo Nobre, com a situação da pandemia os adoecimentos sofreram uma espécie de lente de aumento, pois essas populações ficaram ainda mais vulneráveis.

A psicóloga Rayane Nobre, conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Ceará (CRP-11), chama a atenção para a população LGBTQIA+, mulheres, pessoas negras, periféricas, povos indígenas e tradicionais(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal A psicóloga Rayane Nobre, conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Ceará (CRP-11), chama a atenção para a população LGBTQIA+, mulheres, pessoas negras, periféricas, povos indígenas e tradicionais

Ela afirma que, nesse momento, é essencial buscar estratégias de autocuidado e autoproteção, “fortalecer vínculos com aqueles que podem nos acolher em nossa totalidade, construir relações com pessoas que nos fazem sentir em espaço seguro”.

“‘Aquilombar-se’ entre pares e reunir forças de maneira comunitária pode ser uma importante saída para lidar com essa questão, que também se apresenta na coletividade. Como diz a psicanalista Vera Iaconelli, se é no laço social que adoecemos, é também nele que nos curamos”, assinala.

No que se refere ao cuidado em saúde mental, a psicóloga defende que é essencial pensar de maneira macro e lançar o olhar, também, para questões socioeconômicas e estruturais como a situação da economia no País.

“Está sendo comum ver pessoas se sentindo mais cansadas, fatigadas e desesperançosas, e isso tem total atravessamento desse período político no qual estamos vivendo, com índices cada vez mais altos de inflação, que demanda que pessoas trabalhem mais para sustentar-se com o básico ou nem isso”, atenta.

“Não caiamos no erro de individualizar o sofrimento, achando que cada sujeito é responsável pelo seu adoecimento e pelo seu bem-estar. Em alguma medida é válido pensar assim, mas não somente”, pontua.

Em nível micro, Rayane reitera a importância de se buscar acompanhamento psicológico. “Assim como eleger representantes que invistam em políticas públicas de fortalecimento do SUS e não em sua derrubada, por exemplo, é também uma forma de cuidado e proteção, só que de maneira micro e a médio e longo prazo”, finaliza.

 

 

Exposição excessiva à internet pode aumentar transtornos

 

As redes sociais criam alta exposição e amplificação dos discursos, com xingamentos, ataques, ameaças que causam impacto na saúde mental das pessoas. É o que sublinha o psicólogo Iratan de Saboia, professor do curso de Psicologia da UFC (campus de Sobral).

“Ter um acompanhamento psicoterápico e ter outras relações auxilia, mas muitas vezes é necessário se manter afastado das redes sociais”, salienta.

A psicóloga Rayane Nobre acrescenta que a internet, em si, não é nociva, mas a forma com que fazemos uso dela é que pode ser um problema: “ao passo em que ela provoca certo tipo de aproximação, também cria uma ilusão de que é um espaço em que se pode tudo”.

Apesar das tensões, especialistas dizem que é possível uma convivência saudável(Foto: artiom vallat/unsplash)
Foto: artiom vallat/unsplash Apesar das tensões, especialistas dizem que é possível uma convivência saudável

Ela explica que as pessoas, por estarem atrás de uma tela, muitas vezes em anonimato, acham que têm o direito de serem violentas com alguém. Nas redes sociais, com número limitado de caracteres para postagens, tempo máximo para vídeos, os debates acabam sendo reduzidos.

“Dessa forma, acabamos dialogando de modo superficial sobre temáticas complexas que muitas vezes exigem tempo, reflexão e elaboração de pensamento, o que nem sempre se fecha em uma narrativa, e sim em diversas camadas que envolvem compreensões diferentes sobre o mesmo tema”, diz.

Nobre conclui: “no espaço virtual, a tendência é não aceitarmos bem o contraditório. E isso se torna um problema, já que falar sobre política é falar sobre pluralidade de ideias. Isso é democracia. O contrário disso é totalitarismo”.

 

 

Família e política: é possível manter os vínculos e conviver de forma saudável apesar das diferenças?

 

Lidar com o diferente é possível, desde que haja respeito e espaço para diálogo, mas preservar ou não os vínculos vai depender do limite de cada pessoa, avaliam especialistas.

Muitas famílias e relações sofreram desgastes, rachaduras e até rupturas em 2018, ano em que os brasileiros foram às urnas divididos e as brigas natalinas extrapolaram bastante as uvas passas no arroz.

Com a proximidade do primeiro turno das eleições, esses debates podem ficar mais intensos. Psicólogos alertam para a importância de manter o respeito nos ambientes de divergência para garantir a saúde mental e a boa convivência.

Mas até que ponto isso é possível? Em situações de adoecimento ou violência, se afastar pode ser uma estratégia de autoproteção.

Alerta que o uso da internet pode acirrar as relações(Foto: gr stocks/unsplash)
Foto: gr stocks/unsplash Alerta que o uso da internet pode acirrar as relações

Foi o que aconteceu na família de Reginaldo (nome fictício para preservar a fonte), que teve a relação com os pais e dois de seus seis irmãos estremecida. Eles conviviam bem antes de 2018, mas a partir daquele período “algo que estava na sombra saltou”.

“A repetição das falas de preconceito, de exclusão, de ignorância, explodiu como uma bomba. Eu já não reconhecia essas pessoas. Nem reconheço mais. As tentativas de diálogos foram infrutíferas. Desisti”, relata.

O rapaz diz que se assusta ao ver seus parentes “hipnotizados” por um discurso que “exclui e adota o tom do ódio, armamentista e preconceituoso”.

Ele revela, ainda, que não se vê fazendo nenhum movimento de aproximação, pois “não tem abertura de diálogo, é um muro”. “Temos um convívio mínimo, eu não me vejo mais reatando os laços familiares como era antes. Os fundamentos humanos, na sua raiz profunda, não me deixam aceitar o ódio”, expressa.

Apesar do distanciamento, Reginaldo acredita que foi melhor assim. “Melhor você saber quem as pessoas são de fato do que viver na falsidade dos relacionamentos superficiais”, comenta.

O psicólogo Iratan de Saboia, professor do curso de Psicologia da UFC - campus de Sobral, explica que as relações (sejam familiares, de trabalho, de amizade ou amorosas) não são lineares, por isso não são apenas lugares de aceitação. Porém, uma vez que a intolerância se instaura, o diálogo perde o sentido.

"Ter um acompanhamento psicoterápico e ter outras relações auxilia, mas muitas vezes é necessário se manter afastado das redes sociais": é o que salienta o psicólogo Iratan de Saboia, professor do curso de Psicologia da UFC (campus de Sobral)(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal "Ter um acompanhamento psicoterápico e ter outras relações auxilia, mas muitas vezes é necessário se manter afastado das redes sociais": é o que salienta o psicólogo Iratan de Saboia, professor do curso de Psicologia da UFC (campus de Sobral)

“As pessoas do seu trabalho não pensam igual, as da sua família e seus amigos também não pensam de forma unânime. Isso cria fissuras que podem ser ultrapassadas de maneira tranquila. Porém, quando se tem um discurso político pautado em violência, extermínio, desaparecimento do diferente, há uma tendência à intolerância e ao acirramento de opinião”, diz.

“As relações devem se manter dentro de uma lógica de respeito, não só para a situação política. Quando uma pessoa acredita que tem o direito de agredir ou humilhar outra por conta de uma ideologia ou opinião, aí temos um problema”, continua.

Segundo Iratan, não é preciso chegar ao extremo para adoecer. Em alguns casos, para se preservar, o melhor é se afastar, e ter um suporte constante como a psicoterapia é importante. O especialista aponta que a manutenção da amizade e do vínculo familiar vai depender muito da resposta que a pessoa violenta dá.

“Todos nós temos amigos e familiares que não concordam com a gente, mas essa discordância faz com que essa pessoa tente lhe agredir, humilhar ou matar? Se a resposta for sim, dificilmente você vai conseguir conviver com essa pessoa, porque é colocar sua integridade física e psicológica em risco”, enfatiza.

A psicóloga Rayane Nobre ratifica que manter ou não esses vínculos vai depender do limite de cada pessoa. Ela observa que é fundamental considerar relações que se sustentam por questões outras, que não o interesse genuíno em se manter vínculo.

“Quando partimos para o tocante família, é comum mantermos o imaginário de que, por existir laço sanguíneo, tudo deve ser suportado. É perigoso pensar por essa via, porque isso pode ser um fator que dificulte pessoas vítimas de violências provocadas por discursos de ódio endossados nesse período consigam romper com essas relações”, analisa.

Há quem encontre estratégias para lidar com a ambiguidade dos laços, mas isso vai depender muito do quanto as pessoas conseguem colocar limites na relação, tornando-a possível, avalia Nobre.

“Isolar-se pode ser um indicativo, porém também pode ser uma estratégia de autoproteção. Para uma pessoa que sofre apontamentos na sua família, que está imersa em um espaço que autoriza discursos de ódio e se sente extremamente afetada por tais discursos, isolar-se poderia ser considerado uma forma de proteção”, pontua.

 

 

Pílulas da tolerância: o remédio para uma sociedade adoecida

 

A poucos dias das eleições, uma iniciativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) traz reflexões e dicas para deixar o debate e a troca de ideias mais saudável: é a série #DemocraciaEmPílulas.

Cada “pílula” contém explicações didáticas sobre pilares importantes da política que ajudam a entender o processo eleitoral, assim como a importância da participação de toda a sociedade nas decisões coletivas e no exercício da cidadania.

Confira algumas pílulas da tolerância

 

 

Sistema de Alerta de Combate à Violência nas Eleições

 

Um canal disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possibilita o envio de denúncias de violações de termos de uso de plataformas digitais, especificamente relacionadas com discurso de ódio em matéria eleitoral, violência política de gênero e ameaças/ataques a integrantes e ao patrimônio da Justiça Eleitoral.

  • Discurso de ódio: toda forma de expressão capaz de estimular um grupo a adotar comportamento que coloque em risco a integridade de pessoas ou grupos sociais, inclusive – mas não apenas – em contextos discriminatórios contra segmentos vulneráveis ou minorizados.
  • Violência política de gênero: mensagem discriminatória de cunho agressivo, dirigida contra candidatas, em razão dessa condição.

Para registrar um alerta, acesse: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2022/sistema-de-alerta-incitacao-a-violencia

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