A onda de feminicídios que assola o Brasil — e que atinge de forma particularmente cruel o Estado do Ceará — não pode ser tratada como uma sucessão de casos isolados. Trata-se de uma epidemia social, com raízes profundas em um traço cultural machista ainda presente em amplos setores da sociedade. Um machismo estrutural que naturaliza a violência, relativiza a dor das mulheres e precisa ser combatido de forma ostensiva, permanente e transversal, envolvendo o poder público, as instituições e cada cidadão.
A ausência de políticas públicas que enfrentem a desigualdade de gênero de maneira sistêmica agrava esse cenário. Ainda predominam ações fragmentadas, reativas e, muitas vezes, descontinuadas. É indispensável uma política de Estado que integre prevenção, proteção, acolhimento, responsabilização dos agressores e autonomia econômica das mulheres, com orçamento adequado, metas claras e avaliação permanente de resultados.
Esse enfrentamento deve começar cedo. A escola e a família têm papel central na formação de valores. Discutir respeito, igualdade de gênero, direitos humanos e resolução pacífica de conflitos desde a infância não é ideologia: é educação para a vida em sociedade. Nesse sentido, a implementação de uma disciplina de cidadania e direitos civis no ensino fundamental, abordando temas como feminicídio, racismo e LGBTQIA+fobia, é medida urgente e civilizatória.
Chama atenção também a ausência de campanhas massivas e contínuas nos meios de comunicação e nas diversas mídias. O silêncio ou a abordagem episódica contribuem para a banalização da violência. É preciso falar de forma clara, objetiva e responsável, mobilizando consciências, estimulando denúncias e fortalecendo redes de proteção às vítimas.
No campo legal, o rigor é indispensável. O estabelecimento de penas severas contra agressores, sobretudo os reincidentes, deve caminhar junto com o veto ao acesso de condenados por violência doméstica a benefícios públicos. O Estado não pode premiar quem agride, ameaça ou mata.
Os números do feminicídio precisam ser tratados como o que são: indicadores de uma epidemia a ser extirpada com urgência e determinação. Cada estatística representa uma vida interrompida, uma família destruída e um fracasso coletivo que exige resposta imediata da sociedade.
Por fim, é preciso reafirmar, até que não seja mais necessário, que homem que é homem não maltrata mulher. E trabalhar para que, em um futuro próximo, não precisemos repetir que lugar de mulher é onde ela quiser — porque isso já estará plenamente incorporado na cultura, nas instituições e na prática cotidiana de toda a sociedade.