O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, decidiu na noite de ontem suspender dois processos do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que podem tirar o procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Os casos estavam previstos para serem julgadas na manhã de hoje e miram a conduta de Dallagnol em relação à publicação nas redes sociais e supostas atitudes de promoção pessoal.
"A remoção do membro do Ministério Público de suas atribuições, ainda que fundamentada em suposto motivo de relevante interesse público, deve estar amparada em elementos probatórios substanciais, produzidos sob o crivo do devido processo legal, garantido-se o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, sob pena de violação aos postulados constitucionais do Promotor Natural e da independência funcional do membro do Ministério Público", escreveu o decano.
Celso de Mello apontou que fatos sob investigação do CNMP já foram devidamente avaliados e arquivados, o "que põe em perspectiva o dogma de que ninguém, em um Estado democrático de Direito, pode expor-se a situação de duplo risco".
Os dois processos disciplinares em questão foram apresentados pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Katia Abreu (PP-TO). A parlamentar acusa a Lava Jato e Dallagnol de se beneficiarem de acerto feito entre a força-tarefa e a Petrobras que previa repasse de R$ 2,5 bilhões para fundo criado pelo grupo que chefia a investigação. O relator desse pedido é o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho.
No outro caso, Calheiros alega que o coordenador da força-tarefa interferiu politicamente no processo de escolha do presidente do Senado, ainda em 2019, quando se manifestou sobre a disputa nas redes sociais, associando eventual vitória do senador a um revés na agenda anticorrupção no país.
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Ao recorrer ao Supremo, Deltan alegou que não tem outra alternativa e pediu que a Corte travasse o julgamento dos casos e, no mérito, seja determinado o seu trancamento, diante dos diversos vícios que os contaminam. O chefe da Lava Jato Paraná afirma que suas declarações sobre as eleições do Senado, em 2019 "apenas relatou um fato objetivo" e "agrega uma análise de cenário sobre o futuro das reformas anticorrupção".
À época, Deltan afirmou que, caso Renan Calheiros fosse eleito para comandar a Casa, "dificilmente veremos uma reforma contra a corrupção aprovada". O procurador ainda destacou que o emedebista tinha "várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro".
Ontem, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos de uma advertência que havia sido aplicada a Dallagnol pelo CNMP em novembro do ano passado. A decisão, que impede que a medida seja incluída na análise de hoje, é uma vitória para o procurador, que chegou a dizer em entrevista ontem ao portal Uol "que o que está sendo julgado não são irregularidades da Lava Jato", mas "dois processos disciplinares por opiniões manifestadas publicamente no processo democrático".
A decisão foi vista nos bastidores do CNMP como um prenúncio de uma nova gestão no Supremo, que poderá alterar uma correlação de forças que caminhavam para uma correção dos excessos da Lava Jato. Simpático à força-tarefa de combate à corrupção, Fux assumirá a presidência do STF no dia 10 de setembro, no lugar do ministro Dias Toffoli, integrante da ala que, desde 2017, vem impondo reveses aos procuradores de Curitiba.