Relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin revogou ontem liminar assinada pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que impunha à força-tarefa de Curitiba e a seus braços em São Paulo e Rio de Janeiro a obrigação de remeter integralmente o conteúdo de seus bancos de dados à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Principal interessado no acesso a essas informações de posse dos procuradores lavajatistas, o chefe da PGR, Augusto Aras, anunciou que irá recorrer da decisão, seja ao plenário do Supremo ou à Segunda Turma, da qual Fachin faz parte.
Na prática, ao desfazer o entendimento de Toffoli, proferido durante o recesso do Judiciário, em julho último, o magistrado repôs a bola sob o comando da operação, que vem perdendo a partida contra Aras desde o ano passado, quando acumulou reveses em sequência.
O episódio dessa segunda-feira foi apenas o mais recente numa disputa renhida entre bolsonaristas e partidários da investigação cujo nascedouro é o Paraná. De março de 2014, quando foi deflagrada a ação inaugural, até agora, a Lava Jato viu minguarem tanto o apoio político quanto o espaço midiático. Com a entrada de Aras em campo e a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça, passou a estar sob ataque frequente.
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Ao comentar o pedido de compartilhamento de dados feito no mês passado, o procurador-geral alegou que "ninguém sabe como foram escolhidos (os alvos da Lava Jato), quais os critérios, e não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos". Era um ataque frontal à força-tarefa, cujo prazo para renovação expira em 10 de setembro deste ano.
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará (UFC), Felipe Braga avalia que o "compartilhamento de base de dados é comum nas instituições" e que, caso se trate unicamente de dividir conhecimento entre instâncias do mesmo organismo, a conduta "não vai tirar a autonomia para que o Ministério Público ou a força-tarefa possa desempenhar novas operações junto com a Polícia Federal".
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O docente pondera, no entanto, que Aras é "bem alinhado com Bolsonaro" e que está claro "que o presidente queira ver a imagem de Sergio Moro sendo comprometida", já que ambos estão de olho nas eleições de 2022.
Segundo ele, "se a operação for esvaziada, consequentemente a imagem do ex-juiz também vá", o que sugere que o "aspecto jurídico pode ser utilizado para tirar o contorno político" das ações contra a Lava Jato capitaneadas pela PGR.
Mas é possível assegurar que os movimentos do procurador constituem um contragolpe na investigação que desbaratou esquemas de corrupção na Petrobras?
Para Monalisa Torres, professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), "é a primeira vez na história recente do Brasil que se tem um procurador-geral com coragem para enfrentar uma instituição como a Lava Jato".
Também pesquisadora da UFC, Torres considera que "há um conjunto de ingerências que foram praticadas pela Lava Jato que denotam como esses agentes públicos capturaram o Estado e usaram isso politicamente" durante as suas 70 fases.
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"Raquel Dodge não teve essa coragem", continua a professora, "e Janot reforçou esse caráter de captura, e isso é muito problemático". Torres entende que "esse passo que foi dado pelo PGR, e com endosso de alguns ministros do STF, pode sinalizar para uma reestruturação do sistema político". E conclui: "O combate à corrupção não se encerra e nem depende da Lava Jato. As instituições estão funcionando".
"Não é de hoje que a gente sabe de uma atuação dos procuradores da Lava Jato que extrapola alguns limites funcionais", acrescenta o professor de Direito Constitucional da Universidade Regional do Cariri, Fernando Castelo Branco.
Questionado se as investidas de Aras significam uma correção de rumos da investigação ou um golpe contra o lavajatismo, Castelo Branco respondeu que "são as duas coisas, tanto correção quanto ataque".
"Não se pode transformar esses procuradores em heróis e o combate à corrupção em sinônimo de Lava Jato", defende o professor. "Agora, esse movimento, neste momento do país, não deixa dúvida: é um ataque e um esvaziamento da força-tarefa".