Após quase um ano de adiamentos, o governo Jair Bolsonaro enfim apresentou ontem a proposta de reforma administrativa ao Congresso Nacional. Uma das promessas de campanha do presidente, a nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) promove uma série de mudanças nas regras do serviço público de olho em cortar gastos com pessoal.
Entre as principais medidas, estão maior poder para o presidente extinguir cargos e órgãos por meio de decretos, extinção de vários direitos, substituição do estágio probatório por um vínculo de experiência e o fim do regime único para contratação de servidores, que dará lugar a cinco novos tipos de vínculos - apenas um deles com estabilidade após três anos.
Também estão no texto novas formas de desligamento de servidores, avaliações de desempenho mais rigorosas e redução no número de carreiras. As mudanças afetam todos os futuros servidores civis de todos os Poderes e entes federativos. No entanto, não atingem servidores já efetivados nem boa parte da elite do serviço público brasileiro, ficando de fora juízes, desembargadores, promotores, procuradores, deputados, senadores e militares.
"É uma reforma que vai no ponto correto. Não podemos mais tirar dinheiro da sociedade com impostos e do outro lado sair muito pouco em serviços para a sociedade", disse ontem o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos que mais cobravam o envio da proposta ao Congresso Nacional.
Apesar do elogio, Maia anunciou anunciou na sequência ter rompido relações com o ministro da Economia, Paulo Guedes. "Não há mais interlocução. Ele tem proibido a equipe econômica de conversar comigo", justifica. Maia afirma ainda que a interlocução da reforma com a Câmara será feita diretamente com o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Em apresentação coordenada pelo secretário Especial de Desburocratização, Caio Mário Paes de Andrade, o governo afirmou que pretende fatiar as mudanças em três etapas. A primeira, já enviada ao Congresso, trata do novo regime de vínculos e de "modernização organizacional". Na segunda etapa, serão apresentados ao menos seis projetos de lei com mudanças gerais no serviço público. Por fim, será apresentada a lei complementar do "Novo Serviço Público".
Líder da oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE) diz que, como o Congresso está funcionando remotamente, não é o momento para discutir as mudanças. "Nenhuma pessoa de fora pode entrar no Congresso por conta da pandemia. Então é um cenário, digamos assim, 'ideal' para tratorar quaisquer medidas que sejam antipáticas e ataquem direitos".
"Não temos oposição alguma a discutir modelos de reforma administrativa, mas o momento não é esse", diz. Ele destaca que o envio ocorre em meio aos prazos de convenções partidárias para as eleições e contesta várias das propostas. "O governo afirma que a reforma não atinge os atuais. Não atinge em estabilidade, mas atinge em outros pontos", afirma.
O deputado Heitor Freire (PSL-CE), no entanto, afirma que o Congresso está preparado para discutir o tema. "A reforma é extremamente necessária para desinchar a máquina pública e dar mais eficiência ao serviço público", diz, destacando sobretudo necessidade de se discutir proposta do fim dos "penduricalhos" de servidores.
A proposta, no entanto, já desperta reações contrárias de entidades de servidores públicos. "Desmantelar a prestação de serviços à sociedade por meio da precarização de atividades típicas e essenciais é condenar as próximas gerações a um retrocesso de décadas", destaca Juracy Soares, diretor da Associação dos Auditores e Fiscais da Receita Estadual do Ceará (Auditece).
Ele afirma que, apesar de o governo dizer que a reforma só atingirá "novatos", a proposta possui uma série de "pegadinhas" que podem permitir a redução de remuneração dos atuais servidores.