A fabricação de conteúdos falsos receberá olhares redobrados na disputa eleitoral de 2022. Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes antecipou em outubro deste ano que, diferentemente de 2018, autores e propagadores de peças de desinformação tomarão o caminho da cadeia ou o da cassação. Ou ambos.
No voto que absolveu a chapa formada por Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, Moraes afirmou saber o que ocorreu três anos antes. Referia-se ao esquema de disparos em massa de conteúdos falsos, revelado pela Folha de S.Paulo em série de reportagens assinadas pela repórter Patrícia Campos Mello.
"Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro (da candidatura) será cassado. E as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil", disse Moraes.
Se as instituições prometem monitoramento e punição, se os órgãos de imprensa se juntam para combater mentiras e iniciativas de verificação surgem, as milícias digitais, por seu lado, encontram novas rotas por onde fazer escoar conteúdos fraudulentos.
Para 2022, por enquanto, a combinação destes fatores produz um panorama de incertezas. Editor-chefe do Projeto Comprova, do qual O POVO faz parte, Sérgio Lüdtke projeta um ano muito difícil para conter a desinformação.
"Houve uma evolução nas táticas de criação e distribuição desse tipo de conteúdo, há mais pessoas que formaram convicção para algumas narrativas enganosas e se transformaram em consumidores viciados nesse tipo de conteúdo, a eleição tende a ser ainda mais polarizada, o capital social de perfis, grupos, canais e páginas que promovem desinformação cresceu e teremos mais redes e aplicativos para monitorar", enumera o jornalista.
O Comprova é uma coalizão de 33 veículos de comunicação voltada à investigação de publicações potencialmente inverídicas sobre pandemia, políticas públicas e eleições.
Lüdtke observa que a pandemia foi uma escola para os disseminadores de desinformação. Os aprendizados, ele diz, serão aproveitados em 2022. "A desinformação, como qualquer conteúdo disseminado nas redes sociais, é extremamente fluida. Interromper uma passagem não resolve necessariamente o problema, ela vai buscar um outro caminho." Ele pondera, contudo, que a Covid-19 também reconectou audiências aos veículos da imprensa tradicional, elevando o consumo de informação de qualidade.
Questionada sobre o que a imprensa aprendeu de concreto com 2018, Camila Mont'Alverne, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, vinculado à Universidade de Oxford, nota um esforço em não repercutir informações falsas e, se preciso, desmenti-las. Porém, quando as próprias fontes oficiais atuam na difusão de mentiras, cria-se cenário difícil.
"Então, é desafiador para o jornalismo continuar cumprindo o seu papel de oferecer informações precisas sobre assuntos de interesse público e lidar com agentes políticos que deliberadamente procuram conturbar o debate público e, ao mesmo tempo, foram eleitos, contando com a legitimidade dos cargos que ocupam", ela aprofunda.
A pesquisadora separa em dois os segmentos céticos com o jornalismo profissional. Um deles por discordâncias políticas e de comportamento hostil. O outro, indiferente e em alguns casos ressentidos de coberturas em que são estigmatizados. "Essa é a parte sobre a qual as organizações jornalísticas podem fazer algo", avalia.
Embora considere que maior parte dos órgãos de imprensa tenha aprendido a lidar com as notícias fraudulentas, Sérgio Lüdtke também cita como problemático o chamado jornalismo declaratório quando se presta a reproduzir e amplificar falas "sabidamente falsas ou pouco precisas" de autoridades.
Natália Leal, diretora-executiva da Lupa, uma plataforma de combate à desinformação, afirma ser difícil precisar se o estrago de 2018 se repetirá em 2022, mas celebra a frequência com que o tema passou a ser debatido, a atenção da mídia tradicional e a parceria entre o TSE e as iniciativas de checagem, que será reeditada em 2022. Segundo ela, porém, saída efetiva para o problema é educação midiática e políticas públicas. "Principalmente porque a gente tem essa questão da desinformação como uma estratégia de marketing político muito forte de todos os lados."
CORREÇÃO: Diferentemente do que foi escrito nesta reportagem, a Lupa não é uma agência de fact-checking, e sim uma plataforma de combate à desinformação que atua através do jornalismo e da educação; uma empresa constituída como um sociedade anônima e que tem total independência editorial da revista Piaui.
Atualizada às 12h58min desta quarta-feira, 15
Aliança entre Calheiros e Alexandre de Moraes
Foto em que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) aperta a mão de Alexandre de Moraes foi retirada de contexto para sugerir aliança entre o congressista e o ministro do Supremo. Moraes não julga nenhum processo envolvendo o parlamentar do MDB. Verificação feita pela Residência do Comprova, Folha, O POVO, UOL, Correio, Correio (PA), Estadão, A Gazeta, Correio do Povo, Piauí e JC.
Jogadores da Europa não dedicaram gols a Bolsonaro
Publicação inventou que o atacante egípicio Mohamed Salah, do Liverpool, havia dedicado três gols ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Postagem similar atribuiu o gesto ao jogador Ciro Immobile, da Lazio. Apontado como fonte de uma das histórias, o jornalista Jorge Nicola não fez publicação sobre a suposta homenagem de Salah a Bolsonaro. "Não escrevi nada daquilo", ele afirmou ao Comprova. Verificação feita por Folha, Residência Comprova, O POVO, UOL, SBT, A Gazeta e JC.
Bolsonaro personalidade do ano pela Time
Ao contrário do que propagaram bolsonaristas, o presidente não foi eleito a "personalidade do ano" pela revista Time. Jair Bolsonaro somente ganhou uma votação popular.
A enquete não tem relação com a decisão, que é feita pelos editores da publicação. O vencedor deste ano foi Elon Musk, CEO da Tesla Motors. As postagens aqui investigadas somaram mais de 28 mil interações. Verificação feita por O POVO, Rádio Band News, Folha, Correio (PA), SBT e A Gazeta.
New York Times critica Sergio Moro
Publicações atribuídas ao The New York Times são de autoria de um cientista político. O jornal publicou o artigo de Gaspard Estrada, mas não teve responsabilidade pela opinião. As postagens retiraram o conteúdo de seu contexto original e o usaram em outro. Somados, os posts obtiveram mais de 1,1 mil interações no Facebook. Verificação feita por Jornal do Commercio, Correio (BA), Poder 360, UOL, O POVO, Folha, Estadão, GaúchaZH e A Gazeta.
Post inventa que Lula é acionista da Folha
Um post inventou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era acionista da Folha de S. Paulo, um dos jornais mais atacados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O post teve 16 mil visualizações. O jornal paulista é propriedade da família Frias.
Verificação feita pelo projeto de Residência do Comprova, Folha, Estadão, Poder360, SBT, GaúchaZH, Correio (BA) e Correio (PA).
Passaporte de Lula é retido; bolsonarista celebra
Vídeo em que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) comemora a retenção do passaporte do ex-presidente Lula foi compartilhado como se a notícia fosse de 2021, quando, na realidade, foi levado ao ar por Kicis em 25/01/2018.
Lula embarcaria na madrugada do dia 26. Verificação feita por O POVO, Correio, O Popular, Poder360, GaúchaZH, A Gazeta, Piauí, Correio (PA), Folha, SBT e Estadão.
Lula xingado por músicos na França
Gravação da chegada do ex-presidente Lula na Sciences Po, em Paris, teve áudio editado. Um xingamento que não existiu aparece no vídeo levado às redes. "É fake news. Nós estamos dizendo 'C'est la Batuka', que significa 'É a Batuka'", disse o grupo musical à reportagem.
A publicação foi visualizada mais de 125 mil vezes no Facebook até 10/12. Na instituição, há dez anos, o petista recebeu título de doutor honoris causa. Verificado por Folha, A Gazeta, BandNews, SBT e Correio (PA).