Na segunda-feira, 7, quando sugeriu a criação de um partido nazista no Brasil, o youtuber Bruno Aiub (Monark), 31, talvez não imaginasse que o seu mundo desabaria em menos de 24 horas. Depois daquele episódio do "Flow", o podcast com maior audiência do Brasil, ele teria perdido o emprego e o programa que ajudara a fundar, quase todos os seus patrocinadores.
Ao fim da semana, Monark e o canal seriam alvos de ao menos quatro investigações, conduzidas separadamente pela Polícia Civil, pelo Ministério Público de São Paulo, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Governo de São Paulo. Em todas, a mesma suspeita: postular ideário nazista, conduta vedada por lei no Brasil.
A esta altura, o episódio é conhecido de todos: naquele dia, Monark, em debate com os deputados federais Kim Kataguiri (Podemos-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP), advogou a tese segundo a qual os defensores do nazismo teriam direito a uma representação partidária.
"A esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham de ter espaço. Eu acho que o nazista tinha de ter o partido nazista reconhecido pela lei", defendeu.
Professora de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cynara Mariano é categórica: "A criação de um partido político nazista obviamente é um instrumento de apologia ao nazismo, por isso o apresentador realmente cometeu o crime de apologia ao nazismo".
Para ela, no entanto, o "Brasil há muito tempo vem convivendo com uma dificuldade de entendimento a respeito do direito à liberdade de expressão".
"Nenhum direito fundamental é absoluto", explica, "então o direito à liberdade de expressão, como um direito individual, também não é. Ele encontra limite justamente quando tem de ceder diante da prevalência ou do confronto com relação a outras regras jurídicas".
A professora expõe que, como direito individual, o da liberdade de expressão "não pode ser utilizado como salvaguarda de uma conduta ilícita, quando viola valores que consubstanciam conteúdo jurídico de uma outra regra em sentido contrário".
Eis, em resumo, o que separa a mera opinião, embora divergente e contrária a consensos, da prática delituosa, cujo enquadramento está fixado nas leis brasileiras, como é o caso da apologia ao nazismo.
"Há a figura da criminalização da apologia ao nazismo prevista na lei 7.716, de 1989, que é a conhecida lei antirracismo, inclusive com previsão de pena de reclusão", relata Mariano, acrescentando que o Supremo Tribunal Federal (STF) já negou habeas corpus a um conhecido editor de obras de cunho nazista e revisionista, Siegfried Ellwanger — um negacionista do holocausto. Foi em 2003.
"Nós temos uma norma que diz que no Brasil ninguém pode fazer apologia ao nazismo, usar símbolos que denotem partido que veiculou o holocausto e a questão racial contra os judeus", enfatiza. "Não é possível usar suásticas, isso é considerado crime, assim como fazer a saudação que foi típica do regime do nacional-socialismo alemão."
Essa saudação é o "Sieg Heil" ("salve a vitória", em alemão), o mesmo gesto exibido pelo jornalista e ex-BBB Adrilles Jorge, demitido da Jovem Pan um dia depois das declarações de Monark no "Flow". Bolsonarista de primeira hora, Adrilles defendia o youtuber quando encerrou sua participação no programa estendendo a mão para cima, com a palma para a frente.
Pelas redes, assim como Monark já havia feito nos dias que se seguiram ao seu afastamento do podcast, Adrilles negou que o gesto tenha sido intencional ou que contivesse qualquer conteúdo relacionado com uma defesa do regime hitlerista. Esse comportamento, porém, tem sido recorrente num determinado campo político, conforme reflete Rodrigo Prando, da Faculdade Mackenzie.
"É um evento somado a vários outros que se tornaram públicos, como gestos feitos por assessores da presidência (Filipe Martins e o supremacismo), falas no universo das redes sociais, a forma como foi montada uma fala do secretário de Cultura (Roberto Alvim, que imitou Goebbels, o ministro de Hitler). Tudo isso acaba assumindo um aspecto de que não é por acaso", argumenta o cientista político.
Segundo ele, essas manifestações podem estar conectadas ao mesmo fenômeno social, que diz respeito à ascensão de um discurso não apenas conservador, mas francamente reacionário.
"Não nos esqueçamos de que, quando deputado, Bolsonaro disse que a ditadura havia matado pouco e sugeriu, à época, o fuzilamento do presidente, que era o FHC. Depois, foi à tribuna no impeachment de Dilma e dedicou o voto dele a um torturador. E as instituições e a sociedade toleraram. Permitiram que falasse, escudado que estava, segundo se entendeu, na liberdade de expressão", observa Prando.
Obsceno
Ao menos em outros dois episódios, referências ou gestos relacionados a ideologias totalitárias foram exibidos publicamente por figuras próximas do presidente Jair Bolsonaro (PL). O primeiro envolve o então secretário da Cultura Roberto Alvim, demitido ainda em 2020 depois de emular discurso do ministro de Hitler. O segundo implica o assessor Filipe Martins, que fez gesto supremacista durante audiência no Senado
A resposta da sociedade
Embora o episódio envolvendo Monark tenha acendido a luz amarela, estudiosos ouvidos pelo O POVO alertam para outro aspecto: a pronta resposta da sociedade, que impõe uma sanção rápida.
"O caso recente de conteúdo antissemita põe em evidência a necessidade de a sociedade atuar de forma rápida e enérgica contra situações desse tipo. A repercussão negativa entre o público e os patrocinadores foi no sentido de coibir o comunicador", aponta Pedro Gustavo de Sousa, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Professor da mesma instituição, Vitor Sandes enfatiza a resposta da opinião pública ante declarações manifestamente antidemocráticas.
"Não é um caso pontual, é importante registrar", avalia, "e esses excessos vão sendo bloqueados, discutidos e rejeitados por uma boa parte da opinião pública na medida em que ferem os próprios direitos individuais".
De acordo com Rodrigo Prando, da Mackenzie, o "episódio mostra que a sociedade não admitiu aquilo e a opinião pública cobrou, especialmente dos dois deputados, posições mais firmes", referindo-se a Tabata Amaral (PSB-SP), que classificou as falas de Monark como esdrúxulas, e Kim Kataguiri (Podemos-SP), alvo de críticas por haver endossado o teor das falas do youtuber.