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Brasil no "clube dos ricos": o que significa entrar na OCDE e o que falta para ser aceito
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Brasil no "clube dos ricos": o que significa entrar na OCDE e o que falta para ser aceito

Ao todo existem 251 requisitos técnicos para que um país entre na OCDE. O Brasil já cumpriu pouco mais de 100 deles; A entrada precisa ser aprovada de forma unânime pelos 38 países-membros do grupo
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Assinatura da convenção da OCDE em 1960, em Paris
 (Foto: OECD )
Foto: OECD Assinatura da convenção da OCDE em 1960, em Paris

Formalmente convidado a dar início ao processo de entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como grupo dos “países mais ricos", o Brasil inicia neste ano um longo caminho para, de fato, fazer parte da entidade criada ainda na década de 1960 e que atualmente é formada por 38 nações.

Cinco anos se passaram entre o pedido de entrada, feito em 2017 ainda pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), e o recebimento da carta-convite enviada ao governo de Jair Bolsonaro (PL) em janeiro. O processo de adesão, encarado como uma vitória pela atual gestão — talvez a maior delas internacionalmente falando —, ainda deve passar por uma janela de alguns anos, e adequações, até que o Brasil se alinhe às práticas da OCDE.

Ao todo existem 251 requisitos técnicos para que um país entre na OCDE. O Brasil já cumpriu pouco mais de 100 deles. Na prática, o País começa uma “corrida” para se adaptar. A entrada precisa ser aprovada de forma unânime pelos membros. Além do Brasil, Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia receberam convites oficiais.

Reunião da OECD em 2018(Foto: Hervé Cortinat / OECD)
Foto: Hervé Cortinat / OECD Reunião da OECD em 2018

Apesar do apelido de “clube dos ricos”, a OCDE vem se abrindo para economias emergentes nos últimos anos. A próxima etapa é a preparação de roteiros individuais de avaliação apontando caminhos a serem seguidos para o alinhamento.

Entre as áreas avaliadas estão: abertura à iniciativa privada; preservação de liberdades individuais e valores democráticos; combate à corrupção; promoção do crescimento econômico sustentável; práticas de combate às mudanças climáticas e desmatamento etc.

Membros do governo Bolsonaro já comemoram o convite publicamente e o vendem como resposta à sua agenda econômica. Elze Rodrigues, pesquisadora no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), explica a “capitalização política” feita em cima do convite da OCDE. “É um sinal do governo, sobretudo, a uma parcela do mercado que coloca fé nas medidas de liberalização da economia. Isso pode e será usado como símbolo de vitória do governo, embora seja apenas o início do processo”, pontua.

Iago Caubi, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ), explica a comemoração do governo, mas faz um alerta. “Imagina-se que esse suposto selo de qualidade da OCDE trará investimento privado e gerará crescimento, empregos e renda. No entanto, países latinos como México e Chile já fazem parte do grupo e nem por isso receberam o esperado. Pelo contrário, com a liberalização e o descontrole macroeconômico foram levados a crises profundas”, diz.

Do ponto de vista político, Elze avalia que o convite da OCDE foi um “refresco às estratégias adotadas” pelo Brasil nos últimos anos. “Para o governo, é uma resposta ao alinhamento que tivemos sobretudo com os Estados Unidos na gestão Donald Trump. A entrada na OCDE foi colocada como justificativa para diversas concessões feitas aos EUA”, recorda, citando o alinhamento da política externa brasileira com o ex-gestor americano.

Bolsonaro deu uma camisa da seleção brasileira com o nome "Trump" para o norte-americano (Foto: Brendan Smialowski / AFP)(Foto: Brendan Smialowski/AFP)
Foto: Brendan Smialowski/AFP Bolsonaro deu uma camisa da seleção brasileira com o nome "Trump" para o norte-americano (Foto: Brendan Smialowski / AFP)

Para que os americanos apoiassem a entrada do Brasil no grupo, o governo Bolsonaro fez uma série de concessões como: abrir mão de tratamento diferenciado na Organização Mundial do Comércio (OMC), isenção em tarifas de trigo e etanol; permissão para exploração da base espacial de Alcântara (MA) e isenção de vistos para turistas dos EUA.

Caubi avalia que essas concessões, sem retorno na mesma medida, fizeram parte apenas de uma política de alinhamento com a gestão Trump e projeta dificuldades para o país nas adequações que precisarão ser feitas. “Ao meu ver, a OCDE fez mais parte de uma política de alinhamento com Trump do que qualquer outra coisa. Hoje, é uma jogada politiqueira. Muito do que a OCDE espera que façamos para entrar, vai de encontro a interesses de alas do governo Bolsonaro”, comenta.

Como exemplo, o pesquisador cita reformas que precisam ser feitas, como a tributária. “Não é de interesse do governo. Nós temos uma tributação que incide muito mais em quem tem menos do que em quem tem mais. Na OCDE, isso não é bem visto. E nós não vemos ninguém do governo, muito menos Paulo Guedes, falando em favor de uma tributação progressiva, porque isso iria incidir muito mais sobre renda do que consumo”.

Para Elze, os possíveis efeitos práticos da entrada na OCDE podem refletir no ordenamento que rege a sociedade no dia a dia. “Temos ordenamentos trabalhista e tributário que vão precisar de ajustes. E esses ajustes são de caráter liberalizantes, como praticado na OCDE. É uma política que vai impactar a forma como nos organizamos a longo prazo”, comenta.

Os especialistas ouvidos pelo O POVO concordam que o resultado das eleições presidenciais no Brasil, em outubro, pode alterar o modo como a pauta será tratada, em caso de descontinuidade do governo Bolsonaro.

Eles avaliam ainda que será tarefa da próxima gestão dar prosseguimento ou não ao tema. “Será algo que o próximo governo terá que lidar. Mesmo que não tenhamos mais interesse, teremos que justificar. Vale lembrar que o Brasil irá arcar com os custos: documentação, relatórios, e forças tarefas para levantar dados e outros gastos”, encerra Caubi.

(ARQUIVOS) Neste arquivo, foto tirada em 15 de agosto de 2020, fumaça e chamas se erguem de um incêndio ilegalmente aceso na reserva da floresta amazônica, ao sul de Novo Progresso, no estado do Pará, Brasil. - O número de incêndios na Amazônia brasileira com o início da temporada de queimadas em agosto caiu ligeiramente em relação a 2020, mas permaneceu perto dos máximos de quase uma década vistos pelo presidente Jair Bolsonaro, novos dados mostraram em 1 de setembro de 2021. (Foto por CARL DE SOUZA / AFP)(Foto: CARL DE SOUZA / AFP)
Foto: CARL DE SOUZA / AFP (ARQUIVOS) Neste arquivo, foto tirada em 15 de agosto de 2020, fumaça e chamas se erguem de um incêndio ilegalmente aceso na reserva da floresta amazônica, ao sul de Novo Progresso, no estado do Pará, Brasil. - O número de incêndios na Amazônia brasileira com o início da temporada de queimadas em agosto caiu ligeiramente em relação a 2020, mas permaneceu perto dos máximos de quase uma década vistos pelo presidente Jair Bolsonaro, novos dados mostraram em 1 de setembro de 2021. (Foto por CARL DE SOUZA / AFP)

Gestão ambiental pode complicar o Brasil, de novo

Não é novidade que a gestão do meio ambiente no Brasil tenha se tornado, nos últimos anos, um ponto negativo aos olhos de países desenvolvidos e de parte da comunidade internacional. O tema é um entrave, inclusive, em questões econômicas, como o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) e será um dos desafios do Brasil para entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A França, gerida pelo presidente Emmanuel Macron, já impôs barreiras ao acordo entre a UE e o Mercosul por conta das questões climáticas, e ameaça fazer o mesmo sobre a entrada brasileira na OCDE caso medidas não sejam tomadas para combater o desmatamento e outros temas acertados no Acordo de Paris, em 2015.

No fim de janeiro deste ano, o governo francês falou publicamente sobre a intenção brasileira de entrar na OCDE e colocou como condição a adoção de medidas contra o desmatamento e contra a corrupção para que vote favorável ao ingresso do Brasil no grupo. Cabe ressaltar que a entrada de qualquer país-candidato na organização precisa ser unânime entre as 38 nações que compõem a OCDE. E a França fez questão de ressaltar este ponto.

“A França estará extremamente atenta durante todo este processo para obter de todos os candidatos progressos sérios, concretos e mensuráveis no terreno em diversas áreas prioritárias, particularmente na luta contra o desmatamento e mudanças climáticas (...) em medidas contra a corrupção e na abertura das economias”, escreveram os franceses.

Para Elze Rodrigues, pesquisadora no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e estudiosa sobre questões do meio ambiente, a temática ambiental “certamente vai pesar muito na adesão brasileira” à OCDE. “O Norte global, como França e EUA, querem saber se o Sul pode aderir à visão dos países desenvolvidos no que toca ao meio ambiente. Isso já tem transbordado para outros acordos pelo mundo”, pontua.

No mês passado, Macron, fez um discurso no Parlamento Europeu no qual criticou o Mercosul e, sobretudo, o Brasil por desrespeitar medidas estabelecidas no Acordo do Clima de Paris. Desde o dia 1° de janeiro de 2022, a França ocupa a presidência rotativa da UE. Segundo Elze, a pauta ambiental é uma questão estratégica não apenas para o Brasil, mas para qualquer nação que almeja ser desenvolvida ou trabalhar com países desenvolvidos.

Ela aponta que o distanciamento atual entre os governos do Brasil e da França pode ser afetado nos próximos meses, já que ambos os países têm eleições presidenciais previstas para 2022; a França em abril e o Brasil em outubro. “No momento, temos um afastamento entre os governos, mas pode ser que isso mude. Pode ser também que o Brasil tome medidas para adequar-se à visão do Norte sobre a gestão ambiental e entrar na OCDE. No entanto, é possível que a atual gestão ambiental nos prejudique nesse objetivo”, projeta.

A pesquisadora finaliza chamando a atenção para a transversalidade da pauta ambiental no mundo dito desenvolvido. “A agenda econômica é a mais entrelaçada com o meio ambiente. Com isso, a OCDE pode ser mais uma frente para que a França e outros países desenvolvidos exerçam influência sobre aqueles que ainda tentam se aproximar de grupos e organizações. Certamente é um lugar (tema) onde podem pressionar o Brasil”, encerra.

Brasil larga na frente, mas área fiscal é problema 

As questões fiscais são o maior obstáculo para que o Brasil consiga uma vaga na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de acordo com a secretaria executiva do Ministério da Economia. Mas o País é, disparado, o mais preparado no momento entre os candidatos.

Desde a solicitação, em 2017, o Brasil não interrompeu o processo de adequar seus parâmetros aos da OCDE, mesmo com a indefinição na entidade sobre se e como abriria vagas. Documento interno do Ministério da Economia, que explica a relevância do organismo e enfatiza a importância de o Brasil se tornar um de seus membros, detalha os itens ainda pendentes.

Cálculos da secretaria executiva revelam que 18% estão em processo de adesão, 19% não têm qualquer tipo de conflito com as exigências da OCDE, 10% estão em avaliação e 12% representam algum desafio.

No grupo mais delicado e que somam 30 instrumentos, o maior obstáculo (23%) tem relação com assuntos fiscais, segundo o governo. Na sequência estão investimentos (17%), política científica e tecnológica e transporte marítimo (com 10% cada), crédito à exportação, construção naval e meio ambiente (7% cada). Com 3% cada estão temas ligados ao turismo, apoio ao desenvolvimento, química e saúde. As áreas de emprego, trabalho e assuntos sociais e de seguros e pensões privadas também são apresentados, mas não há um porcentual revelado.

Sobre o meio ambiente e a área química, o governo diz esperar resposta da OCDE para adesão a 37 instrumentos.

O Brasil está à frente dos outros cinco candidatos — os sul-americanos Argentina, Peru e os europeus Croácia, Bulgária e Romênia. Já cumpriu 103 dos itens. A Romênia é a segunda na corrida, com adesão de 53 instrumentos. Na sequência, vêm Argentina (51), Peru (45), Bulgária (32) e, na lanterninha, a Croácia (28). (Da Agência Estado)

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