O presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu ontem cerca de 70 diplomatas estrangeiros para minar a confiança no sistema eleitoral brasileiro. Eles foram chamados ao Palácio da Alvorada, residência oficial, e assistiram a uma apresentação, conduzida por Bolsonaro, com informações já desmentidas pela Justiça Eleitoral, ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e vídeos fora de contexto sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas.
Apesar das afirmações do presidente, a Polícia Federal (PF), já no ano passado, negou que as urnas eletrônicas tenham sido alvo de investigações relativas a fraudes, desde que o sistema foi implementado no Brasil, em 1996. Em resposta às investidas de Bolsonaro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou ontem uma lista de fatos para contrapor em 20 pontos as alegações do presidente sobre o processo eleitoral. Entre elas a que um hacker teve acesso a todas as informações internas da Corte.
Um dos alvos do presidente no encontro de ontem foi o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, que reagiu horas depois, criticando o "negacionismo eleitoral" de Bolsonaro. Sem citar o presidente, mas com referência direta ao discurso no Alvorada, afirmou que "é hora de dar um basta à desinformação e ao populismo autoritário".
Durante a apresentação, Bolsonaro afirmou que o sistema eletrônico adotado no Brasil é "completamente vulnerável". Ele disse que a estabilidade democrática depende de ajustes no sistema e pressionou o TSE a acatar sugestões de alteração feitas pelas Forças Armadas. Segundo ele, as propostas dos militares, que continham erros apontados pela Corte, "estacam a possibilidade de manipulação dos números". O TSE acatou algumas propostas, mas outras da Defesa só serão analisadas para eleições futuras. O presidente acusou a corte de atentar contra a democracia.
"Eu sou acusado o tempo todo de querer dar o golpe, mas estou questionando antes porque temos tempo ainda de resolver esse problema", afirmou o presidente. "Sei que os senhores querem estabilidade e ela só será conseguida com eleições transparentes", complementou.
Para embasar suas teorias, Bolsonaro voltou a apresentar uma versão distorcida de inquérito da PF, aberta em 2018. Segundo ele, hackers ficaram por oito meses dentro dos computadores do TSE e tiveram acesso a uma senha de um ministro da Corte: "Eu sou presidente da República e fico envergonhado de falar isso aqui".
A corte eleitoral já se manifestou sobre o caso atestando que a investigação não concluiu por fraude nas eleições de 2018. A invasão ficou restrita ao sistema interno do TSE, sem implicações na segurança das urnas eletrônicas. O inquérito ainda está aberto.
"Queremos que o ganhador das eleições seja aquele que foi votado", afirmou o presidente, durante a apresentação de slides. "Se o povo resolver voltar o que era antes, paciência. Agora, num sistema como esse? Não queremos isso para o Brasil."
O presidente citou nominalmente os ministros do TSE Edson Fachin, atual presidente da Corte, e Alexandre de Moraes, que assume o cargo em agosto. Ex-presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso também foi atacado por Bolsonaro. Segundo o presidente, Fachin garantiu o direito do petista Luiz Inácio Lula da Silva de disputar as eleições porque quer elegê-lo. Na verdade, o petista teve processos anulados pelo Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro chegou a exibir trecho de um vídeo com voto de Moraes avisando que não toleraria ataques às urnas nas eleições deste ano e que os políticos correriam o risco de serem cassados e até mesmo presos.
Bolsonaro não mudou visão de embaixadores sobre urnas
A ofensiva do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o sistema de votação eletrônica foi vista por embaixadores estrangeiros de países democráticos, convidados ao encontro de ontem como um ato de campanha eleitoral e não mudou a impressão geral de confiança na segurança das eleições brasileiras. Após a reunião no Palácio da Alvorada, a reportagem ouviu representantes de sete embaixadas de países na Ásia, na Europa e na América Latina. Eles falaram sob a condição de ter suas identidades preservadas.
O representante de um país nórdico afirmou que as falas de Bolsonaro não mudaram "nada no nosso modo de ver as coisas". Ele disse que não tem por que questionar um sistema "que funcionou bem nos últimos 25 anos". Segundo, ele o encontro deve ser visto como parte de uma "campanha eleitoral".
Esse mesmo embaixador disse que havia no salão do Alvorada diplomatas mais simpáticos ao presidente e outros menos, mas que no geral a impressão foi a mesma, sobretudo nas democracias europeias.
Virou comentário entre embaixadores erros de tradução nos slides apresentados por Bolsonaro, que tinha perguntas em português e em inglês aos diplomatas, no fim. "Por que seus países não usam nosso sistema seguro e eletrônico?", era uma delas.
Outro embaixador classificou o PowerPoint como "amador" e afirmou que os diplomatas já estavam devidamente informados sobre o inquérito da Polícia Federal relacionado a um ataque hacker nas eleições de 2018, usado como base para a argumentação do presidente.
Um diplomata europeu afirmou que viu "nada de novo" nas declarações do presidente Bolsonaro. Segundo ele, na parte final da exposição era uma sucessão de "ataques aos ministros do TSE".
Para um terceiro embaixador, ao centrar fogo nos ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, e tentar associá-los ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente evidenciou o tom eleitoreiro.
Já um outro diplomota europeu reiterou que o resultado deve ser aceito e que não saiu preocupado com golpe pós-eleições. Segundo ele, "ninguém se convenceu de que houve fraude", mas, na sua visão, o sistema poderia ser mais "auditável." De acordo com ele o "TSE precisa aceitar alguma crítica", ponderou o embaixador, para quem Bolsonaro fez um contraponto à reunião promovida pela Justiça Eleitoral em maio com diplomatas. (Agência Estado)