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Venezuela x Guiana: ameaça de guerra na fronteira ao norte preocupa Brasil
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Venezuela x Guiana: ameaça de guerra na fronteira ao norte preocupa Brasil

| AMÉRICA DO SUL | O território que a Venezuela reivindica corresponde a 75% do que hoje é a Guiana. É uma área do tamanho da Tunísia, rica em ouro diamantes e petróleo
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Venezuelanos caminham diante de mural da campanha sobre o referendo sobre a anexação de território da Guiana (Foto: Federico PARRA / AFP)
Foto: Federico PARRA / AFP Venezuelanos caminham diante de mural da campanha sobre o referendo sobre a anexação de território da Guiana

A disputa é secular e voltou à tona com a descoberta de petróleo na Guiana, que passou a ter um dos crescimentos econômicos mais rápidos do mundo. O regime de Nicolás Maduro na vizinha Venezuela insiste que parte desse território é seu por direito e convocou um referendo, que acirra a tensão na América do Sul. A situação preocupa as autoridades brasileiras.

A votação está marcada para o 3 de dezembro, quando os venezuelanos terão de responder se apoiam a criação do Estado chamado "Guiana Essequiba".

Na sexta-feira, 1º, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia, órgão máximo judicial da ONU, ordenou que a Venezuela deve "se abster de qualquer ação que modifique a situação atualmente em vigor no território em disputa". Não houve referência explícita ao referendo.

A anexação do território de 160 mil quilômetros quadrados já foi antecipada em mapas divulgados pelo governo venezuelano e prevê que os 125 mil habitantes recebam cidadania venezuelana. Esse novo Estado que a Venezuela quer para si, da fronteira até o Rio Essequibo, corresponde a 75% do que hoje é a Guiana. É um território do tamanho da Tunísia, rico em ouro diamantes e petróleo.

Com o crescimento das tensões, a Guiana propõe estabelecer bases militares na região, com apoio estrangeiro. Já a Venezuela constrói uma pista militar perto da fronteira.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, diz esperar que a "sensatez" prevaleça, mas que está preparado se Caracas escolher escolher o caminho da "imprudência".

O referendo é uma resposta da Venezuela ao leilão de exploração de petróleo anunciado pela Guiana este ano. Caracas alega que Georgetown não tem o direito de lançar concessões em áreas marítimas na região e lançou a ofensiva.

Esse é o ponto mais alto da disputa que se intensifica desde 2015. Enquanto a inflação disparava e o governo se afundava em dívidas, o ditador Nicolás Maduro prometia uma "grande vitória": a retomada do Essequibo.

A Guiana havia fechado um acordo de perfuração com a americana Exxon Mobil, depois de uma "descoberta significativa" de petróleo, que já chega a 11 milhões de barris. Em 2018, o caso foi parar na Corte Internacional de Justiça e a disputa, que tem raízes históricas, parece longe de uma solução.

Com o anúncio do referendo, a Guiana voltou à Corte Internacional de Justiça para avisar que enfrenta uma "ameaça existencial" e pediu um recurso urgente contra a votação na Venezuela. Em audiência na semana passada, o representante de Caracas disse que esse é um assunto "doméstico" e que nada vai impedir o referendo.

Diante do impasse, os ministros da Defesa e das Relações Exteriores de todos os países sul-americanos, incluindo representantes de Georgetown e Caracas, reuniram-se em Brasília.

"Os delegados da Guiana e da Venezuela apresentaram suas posições, e os outros países os pediram para que cheguem a um entendimento por meio de canais diplomáticos e resolvam suas disputas pacificamente", relatou o chanceler brasileiro Mauro Vieira, anfitrião do encontro. (Agência Estado)

 

Entenda a crise na América do Sul

"O sol da Venezuela nasce no Essequibo" e "o Essequibo pertence à Guiana": dois slogans de uma disputa territorial centenária que atingiu um alto nível de tensão, à espera de um referendo promovido por Caracas em 3 de dezembro sobre esta região rica em recursos naturais.

Quais consequências pode ter a consulta? Confira quatro pontos-chave para entender o conflito.

A disputa

O território é administrado pela Guiana apesar da antiga reivindicação venezuelana. Possui depósitos de petróleo e minerais, bacias hidrográficas ricas e as famosas cataratas Kaieteur.

Localizada a oeste do rio Essequibo, a região representa mais de 70% do território da Guiana e seus 125 mil habitantes — pouco mais de 15% dos 800 mil de todo o país — falam inglês.

Georgetown defende uma fronteira definida em 1899 por um tribunal de arbitragem e agora recorre à Corte Internacional de Justiça (CIJ), máximo órgão judicial das Nações Unidas, para validá-la.

Caracas, por sua vez, argumenta que o rio é a fronteira natural, como foi em 1777, quando era Capitania Geral do império espanhol. Apela ao Acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que anula a decisão anterior e estabelece as bases para uma solução negociada.

"Todo mundo estava de acordo" com a decisão de 1899, garante Mark Kirton, professor universitário em Georgetown.

O referendo

O referendo consultivo, não vinculante, apresenta cinco perguntas que abrangem desde o reconhecimento da jurisdição da CIJ — que a Venezuela nega, embora tenha aceitado a contragosto comparecer ao tribunal para se defender — até a criação de uma província venezuelana naquela área e a concessão de nacionalidade aos seus habitantes.

Não é um voto de autodeterminação: os essequibanos têm documentos guianenses.

O "sim" deve vencer de forma avassaladora, sem oposição, e embora a consulta não tenha consequências legais, as autoridades esperam que ela reforce a reivindicação territorial.

"Há um elemento de política interna com a hipermidiatização" da campanha pelo referendo, a um ano das eleições presidenciais, dizem fontes diplomáticas à AFP. "Mas é igualmente uma
demanda histórica que
transcende os partidos".

A Guiana considera que o referendo é uma "violação
das leis internacionais".

O petróleo

A Guiana anunciou uma importante descoberta de petróleo no Essequibo, que adiciona pelo menos 10 bilhões de barris às reservas do país, tornando-as maiores do que as do Kuwait.

Maduro chamou seu colega guianense, Irfaan Ali, de "escravo" da gigante petrolífera americana ExxonMobil.

O referendo foi convocado depois que, em agosto, Georgetown abriu uma licitação para poços de petróleo na área, provocando a ira de seu vizinho.

Josmar Fernández, especialista em resolução de conflitos, ressalta também que a disputa "truncou [...] uma saída aberta para o Atlântico" para a Venezuela.

Guerra?

O lema "O Essequibo é nosso" aparece sempre na televisão e enche os muros nas ruas. Muitos analistas estabelecem paralelos com a Argentina e as Malvinas.

A Guiana, no entanto, insiste em que não cederá "uma palha de grama" à Venezuela, inspirada em uma música da banda The Tradewinds, que fala em "não recuar, não ceder nem uma montanha" quando "forasteiros falam em invadir".

O tom está subindo. A Venezuela constrói uma pista militar perto da fronteira, e a Guiana propõe estabelecer bases de aliados estrangeiros na área.

Pode acabar em conflito? "É um cenário", diz Fernández. "Quando se fala em território, estamos falando também de um compromisso onde estão impregnados sentimentos nacionalistas", embora "a Venezuela tenha se caracterizado tradicionalmente pela negociação".

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