A declaração ao O POVO do deputado federal André Fernandes (PL), que assume em agosto a presidência estadual do Partido Liberal, afirmando que o PL terá candidaturas próprias ao Governo do Estado e ao Senado em 2026, foi o suficiente para que a união da oposição no Ceará ficasse abalada.
Já há alguns meses, o discurso geral era de que a oposição do Governo Elmano deveria estar unida nas próximas eleições. Como Fernandes não tem idade mínima para concorrer ao governo, as conversas se encaminhavam para a indicação de Roberto Cláudio, que deve filiar-se ao União Brasil, ou até mesmo do ex-governador Ciro Gomes (PDT), que se aproximou do grupo e disse desejar votar no deputado Alcides Fernandes (PL), pai de André, lançado pré-candidato ao Senado pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A declaração de André veio poucos minutos após Ciro publicar um vídeo classificando como “burrice” a postura dos Bolsonaro na questão envolvendo a taxação de produtos brasileiros pelo governo Trump. Horas antes, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de cumprimento de mandados de busca e apreensão, sofrendo medidas restritivas, dentre elas o uso de tornozeleira eletrônica.
Abertamente, ninguém no PL quis opinar se há, ou não, uma relação direta entre a decisão de André Fernandes, que assume a presidência do PL em agosto, a declaração de Ciro e a operação contra Bolsonaro.
A deputada estadual Dra. Silvana (PL) confirmou que, juntamente com o marido deputado federal Dr. Jaziel (PL), conversou com André sobre os rumos que o partido deve tomar no Estado.
“O André agiu como o líder que todos nós já sabemos que ele é, defendendo os interesses do nosso partido. Ele fez a leitura que o momento político pede. O meu entendimento é de partido e nosso partido de fato tem no presidente Bolsonaro a maior expressão política e de amor do nosso povo”, disse ao O POVO.
Para ela, porém a política pede que se saiba ler a cada dia a dinâmica dos fatos, com independência e altivez”, para que, no momento certo, todos possam tomar a melhor decisão para "libertar nosso estado da esquerda". "Resumindo minha leitura: é cedo, temos tempo, conclui a parlamentar˜, concluiu.
Mas nem todos os filiados do PL no Ceará foram comunicados da decisão. Houve parlamentares que confessaram ao O POVO terem ficado sabendo da mudança de planos através da publicação do jornal.
Admitem também imaginar que o posicionamento de Fernandes possa mesmo ter ocorrido em reação à publicação de Ciro.
Para o deputado estadual Sargento Reginauro (União Brasil), a operação da Polícia Federal contra Bolsonaro foi um “golpe muito cruel” e deixoutodos com os nervos aflorados.
Ele afirma que, diante disso tudo, vê com normalidade a declaração de Fernandes. “Agora é hora de ter cautela. Nós do União Brasil continuamos acreditando na unidade e nos propósitos que nos uniram no Ceará. Vamos superar isso tudo e vencer o PT. Pra isso todos sabemos que precisamos estar juntos”, respondeu ao O POVO.
O colega de União Brasil, deputado estadual Felipe Mota também afirma ter recebido a declaração de Fernandes com "tranquilidade e naturalidade". Para ele, há tempo para que as divergências sejam revertidas, com o objetivo maior de derrotar o Partido dos Trabalhadores.
"A oposição no Ceará tem a seu favor o tempo para construir o seu projeto de unidade, para derrotarmos o PT, que perdeu a guerra para as facções, levando medo à população cearense. Democracia se constrói com divergências", afirmou.
Mota confirmou que as reuniões semanais da oposição não ocorrerão esta semana. "Estamos aproveitando o recesso para intensificar as visitas às nossas bases eleitorais", justificou.
Ainda na última sexta-feira, data dos acontecimentos listados acima, o ainda presidente do PL no Ceará, deputado estadual Carmelo Neto, esteve junto a Roberto Cláudio no Festival Expocrato, no Cariri, com direito a fotos nas redes sociais.
Questionado sobre se a declaração de André Fernandes pautou a conversa, Carmelo desconversou. “Tinha muita gente, vários políticos também presentes, barulho. Difícil conversar”, respondeu.
Por estarem ainda digerindo as mudanças, ou até por ainda discutirem entre si novas estratégias, o fato é que, procurada pelo O POVO, a ala cirista da oposição no Ceará, incluindo o ex-prefeito RC, não quis se manifestar sobre os últimos acontecimentos.
Pré-candidato ao governo pelo Novo, e crítico à aproximação da direita com RC e Ciro, o senador Eduardo Girão viu como positivo o posicionamento de André Fernandes. “Sem dúvida trata-se de um avanço positivo na coerência, para que o centro-direita lidere o processo da formação de chapa majoritária das eleições em 2026”, opinou.
Girão disse estar em constante contato com Fernandes no Congresso, assim como com outros integrantes da oposição. Em uma crítica indireta à Tasso, Ciro e aliados, ele afirma já serem 40 anos do “governo das mudanças” e pede um novo caminho a ser traçado.
“É legítimo que um novo ciclo na política cearense se inicie a partir de uma proposta verdadeiramente nova. Ainda estamos a um ano das convenções partidárias, quando realmente serão definidas as candidaturas e os partidos. Estamos trabalhando e tudo será definido no tempo certo. No tempo de Deus!”, avaliou.
O secretário estadual da Casa Civil, Chagas Vieira, usou as redes sociais para ironizar a mudança de discurso, que chamou de ataques entre membros da oposição.
"Fogo no parquinho da política cearense: aliados por 2 dias se atacando. Isso acontece quando a “aliança” é movida pela inveja, ódio e sentimento de vingança. Nosso projeto é trabalhar para o Ceará não parar de avançar, mesmo com tantos desafios. Já o deles, qual o projeto mesmo?", continuou Chagas.
No início de junho, Roberto Cláudio falou do clima harmônico entre a oposição na época. “Quando é um namoro novo, casamento novo, a gente só quer estar pregado um com o outro, querendo se conhecer melhor, conhecer a família, estreitar os laços”, disse RC, durante coletiva na Alece.
Na mesma data, RC ironizou que no Governo haveria crise e promessas não cumpridas. “Do outro lado, lá já parece um casamento em crise: traição, promessa não cumprida, mentira, muita desconfiança”, disse, em referência ao excesso de pré-candidatos ao Senado no grupo governista.