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O que mudou nos presídios cearenses desde o início de 2019
Reportagem

O que mudou nos presídios cearenses desde o início de 2019

Em meio a denúncias de violação de direitos, Estado consolida nova disciplina mesmo após ataques. Veja as principais mudanças nos presídios desde a chegada de Mauro Albuquerque
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Familiares de presos protestam na Praça da Imprensa em 23 de setembro (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Familiares de presos protestam na Praça da Imprensa em 23 de setembro

As mudanças ocorridas no sistema prisional do Estado desde a chegada do titular da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque, voltaram a tona com a crise de segurança pública deflagrada em 20 de setembro último, quando teve início uma série de ataques orquestrada por uma facção criminosa. Enquanto os faccionados falavam em uma suposta "opressão" ocorrida dentro das unidades prisionais, o Estado reagia afirmando que os presos queriam a volta de regalias e que não recuaria das novas regras. Diante desse quadro, O POVO resgatou o que, de fato, mudou e os impactos dessas alterações para o cotidiano das penitenciárias do Estado.

Fontes que atuam no sistema carcerário relatam que, desde o começo do ano, houve maior disciplinamento nas unidades, saindo de um estado em que os presos, na prática, gerenciavam as unidades. O que teria tido impacto direto no funcionamento das facções criminosas, que, inconformadas, passaram a reagir com atentados criminosos — primeiro em janeiro, agora em setembro.

No entanto, algumas das fontes questionam métodos utilizados pela SAP. Mães e companheiros de presos chegam a citar a ocorrência de abusos e maus tratos nos presídios — o que a SAP veementemente nega.Por meio de nota, a Secretaria afirmou que todas as suas ações são guiadas pela Lei de Execução Penal (LEP). Ainda pontua que as unidades recebem visitas e inspeções de órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público do Ceará (MPCE) e a Defensoria Pública do Estado.

Entre as medidas adotadas, uma das portarias define que as visitas íntimas passam a ser consideradas "regalias" para presos que apresentem "comportamento e disciplina". A medida determina que esse tipo de visita só se dará em unidades que dispuserem de locais apropriados, vedando-se o uso de celas. Desde janeiro, como houve a primeira leva de ataques, as visitas íntimas não estão ocorrendo.

Nas alas de segurança máxima, a secretaria definiu que haverá inspeção diária e rodízio semanal de celas pelos detentos. Em outra medida, estabeleceu que tipo de material, quantidade e horários que eles podem ser entregues no presídio. São apenas 40 itens.

Nos dias anteriores aos ataques, as manifestações de mulheres ligadas aos presos ganharam corpo. Em redes sociais, "salves" denunciado violações de direitos começaram a surgir. Em 23 de setembro, companheiras e mães de presos realizaram manifestação na Praça da Imprensa, no bairro Dionísio Torres.

Conforme a mãe de um preso, a nova administração conseguiu, de fato, "organizar" o sistema penitenciário, mas ela questiona os meios pelos quais isso foi feito. Segundo exemplifica, as restrições na alimentação fizeram do filho dela visivelmente mais magro. "Qualquer coisa o preso vai para a 'tranca'", é outra das reclamações.

"A gente não quer regalia, a gente não quer que volte ao que era antes. Pelo contrário, algumas de nós entendem que era preciso uma reorganização, mas para fazer isso violando direitos, está errado".

Para a presidente do Conselho Penitenciário do Estado (Copen), a advogada Ruth Leite Vieira, os ataques ocorreram após o Estado ignorar o "grito de socorro" de familiares e de instituições ligadas ao sistema penitenciário. "Essa tática de endurecimento e desrespeito aos direitos fundamentais não é capaz de promover disciplina e segurança para sociedade".

A SAP apresentou dados que contrariariam as teses de maus tratos. A pasta cita já terem ocorrido até agosto, entre outros, 56 mil atendimentos médicos, assim como 10 mil presos e egressos são beneficiados com qualificação e trabalho. Além disso, 2.500 presos estão em salas de aula e 114 mil visitas sociais já foram realizadas desde março.

Ainda existem 36 advogados da própria SAP, que em parceria com a Defensoria, já revisaram 19 mil processos em 12 unidades diferentes — o que permitiu progressão de regime para mais de 3 mil pessoas. Por último, a SAP cita contar com ouvidoria, que, em 1.223 manifestações, tem índice de resolubilidade de 94%.

Ataques ocorreram por "opressão"

Em uma mensagem encontrada em um grupo do celular de um homem apontado como liderança da Guardiões do Estado, era dito que as facções "não iriam recuar". "Só vamos para quando conseguimos nosso objetivo que é a melhoria pros nossos ir privados (SIC)", diz mensagem atribuída a Francisco Romário Passos de Sousa Oliveira, preso em 24 de setembro, como O POVO mostrou em edição de 26 de setembro.

Confira alguns dos principais pontos das portarias (quadro)

Visitas

Na portaria nº 154/2019, publicada em abril último, consta, entre outros, que as visitas são quinzenais. A permanência dos visitantes cadastrados é permitida das 8 às 13 horas, no número máximo de duas pessoas por interno. 

O encontro poderá ser restringido ou suspenso caso o preso cometa falta disciplinar. As visitas como um todo podem ser suspensas “em caso de rebelião, motins, ou situações de tensão na área da segurança”.

No artigo 31, a portaria afirma que a visita íntima é considerada uma “regalia”, concedida apenas a presos que ”preencherem requisitos de comportamento e disciplina”, mediante cadastramento prévio de cônjuge ou companheiro.

A visita íntima está prevista apenas para as unidades que “dispuserem de local apropriado”. É vedada ainda a visita íntima no interior das celas. Desde janeiro, porém, não há esse tipo de visita nas unidades cearenses.

Outro trecho da portaria afirma que visitas flagradas com drogas ou armas terão o direito de visita cancelado em definitivo.

Os visitantes ainda precisam vestimenta específica, que veda, por exemplo, decotes, camisas de futebol, bonés, óculos escuros, entre outros.

Todas as visitas precisam passar por body scanner, em unidades que dispõem do aparelho, ou de revista manual.

As regras de visita social, porém, mudam se os presos estiverem nas alas de segurança máxima. Lá, as visitas ocorrem a cada 30 dias e não têm contato físico — são feitas em um parlatório, com comunicação através de interfone. Além disso, duram apenas duas horas.

Segurança máxima

As alas de segurança máxima foram disciplinadas na portaria 141/2019, também de abril. Os espaços são reservados para presos de “alta periculosidade”, que possuam participação em facções criminosas e que possuam “atuação de liderança negativa, violenta ou de extorsão”, que possam ser objeto de resgate.

Na segurança máxima, os presos não perdem “nenhum dos seus direitos”, diz a portaria, apenas os têm “adequado à sua condição e a critérios rígidos de segurança”. No local, há inspeção diária nas celas, e rodízio semanal de celas por internos.

Materiais

Na primeira das portarias, a 009/2019, de janeiro, foi estabelecido os materiais permitidos nos presídios, assim como horários e dias em que eles poderiam ser entregues. São apenas 40 itens permitidos. Foi determinada ainda a quantidade dos materiais que poderiam entrar. 

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