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Os dilemas vividos no ambiente escolar
Reportagem

Os dilemas vividos no ambiente escolar

O receio de perder profissionais para escolas concorrentes, a rotatividade de alunos que não repassam as experiências para outros estudantes e a prevalência de homens em alguns cargos são apontados como aspectos que dificultam o combate ao assédio
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Não é novidade. Casos de assédio e envolvimento de professores com alunas e alunos repetem-se há décadas. Muito antes de as denúncias chamarem atenção pelas redes sociais, comentários já rondaram entre estudantes, adentraram salas de professores e, às vezes, escaparam em conversas informais entre colegas de profissão, fora do expediente. Mas o problema nem sempre é encarado como deveria, seja por falta de preparo ou para proteger a instituição ou o profissional.

“É natural que uma menina ou um menino, quando está crescendo, tenha um sentimento, uma admiração, pelo professor que pode inclusive confundir com paixão. Mas é uma relação marcada por uma autoridade, uma hierarquia. O professor é um adulto, e a menina na escola é uma adolescente. Ele tem que ter a consciência de que não pode se aproveitar daquela situação de hierarquia, e em um momento de fragilidade da própria adolescente, para se aproveitar sexualmente dela”, exemplifica o professor, advogado e neuropsicólogo Bruno Carvalho.

Ao saber que, no início de junho, estudantes do Cariri utilizaram o termo #exposedcariri nas redes sociais para relatar casos de assédio em instituições de ensino da região, Carvalho manifestou-se a favor das vítimas. Em seguida, recebeu uma ligação de um conhecido professor de Fortaleza, que o aconselhou a não estimular esse tipo de denúncia, “porque poderia afetar muitos professores que têm família, que são casados”.

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Tabu: assédio em escolas

Os dilemas das escolas

“Nunca tive contato com esse professor, não tenho nenhum tipo de afinidade com ele”, afirma. “Esse fato me chamou muito a atenção. Até então, eu tinha me manifestado por a temática ser relevante. Quando recebi a ligação desse professor, percebi que o problema era muito maior do que eu poderia imaginar. Eu não me senti confortável em receber essa ligação. Entendi muito mais como uma retaliação do que necessariamente como um conselho”, conta Carvalho, que seguiu fazendo publicações sobre o assunto.

A existência de uma tradição de que determinadas questões não devem ser resolvidas é um ponto citado pela psicóloga, doutora em Educação e professora universitária Ticiana Santiago. “Ainda temos muito a cultura do ‘não vamos mexer em vespeiros, não vamos mexer naquilo que não conseguimos dar conta’.” Além disso, a ideia de que certos assuntos são de foro íntimo e devem ser resolvidos pela família leva as escolas a não debaterem temas considerados polêmicos.

“O que está acontecendo nesse momento é aquela ideia do abafo. Tem uma cultura muito brasileira, do jeitinho brasileiro, do tentar se proteger, de minimizar os danos, quando na verdade era um ótimo momento para se efetivar uma luta, um marco, um emblema histórico de campanhas e projetos regulares em relação a isso, de produção de material, de conteúdo. A escola não tem uma obrigação só com a instrução formal”, afirma a professora.

Outros pontos citados pelo professor Bruno Carvalho são o receio de perder bons profissionais para escolas concorrentes, a rotatividade de alunos, que não repassam as experiências para outros estudantes, e a prevalência de homens nos cargos, principalmente no Ensino Médio das escolas particulares. “Por ser um ambiente dominado por homens, existe também um corporativismo muito grande.”

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