Um estudo divulgado na semana passada, ainda sem revisão, estima que o limiar de imunidade coletiva ao novo coronavírus - também conhecida como imunidade de rebanho - pode ser alcançado em uma determinada região se algo entre 10% e 20% da população for infectada. Fortaleza estaria, portanto, dentro dessa faixa, de acordo com resultados coletados por inquéritos sorológicos para a detecção de anticorpos. O modelo matemático foi desenvolvido em colaboração com cientistas do Brasil, Portugal e Reino Unido.
Um estudo sorológico realizado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), por exemplo, indicou que ao menos 20,2% da população de Fortaleza teria sido infectada. Outra análise, feita pela Prefeitura de Fortaleza em conjunto com o Governo Estadual, apontou que 14,2%, dos habitantes da Capital, o equivalente a cerca de 380 mil pessoas, já contraíram a doença.
Caso o modelo matemático se confirme, seria possível alcançar o limiar de imunidade coletiva. E o risco de ocorrer uma segunda onda avassaladora da pandemia na Capital seria pequeno. O modelo mostraria ainda que não haveria necessidade de manter a população em casa por mais meses, à espera de uma vacina.
"O estudo é altamente complexo e sem dúvida, é muito importante, pois dentre outros aspectos, indica que diversos fatores influenciam no risco de um indivíduo contrair a Covid-19. Estes fatores são divididos em categorias de ordem biológica, como a genética, e comportamentais, como o nível de contato da pessoa com outras no cotidiano. Além disso, ele diz que não se precisaria ter 50 ou 60% da população imunizada, que é o que acontece quando se vacina em massa. O pressuposto do estudo é que haveria pessoas mais suscetíveis do que outras, e que elas se infectariam antes. As sobreviventes ajudariam a construir a imunidade de rebanho", explica o epidemiologista Antônio Silva Lima Neto, gerente da Célula de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Fortaleza e integrante do Comitê Científico do Consórcio Nordeste.
"Isso pode ter acontecido em Fortaleza. Com o início da flexibilização, a curva de contágio não sofreu nenhum repique (aumento no número de casos e mortes). Evidentemente, o que o estudo aponta deve ser considerado para explicar o que está acontecendo aqui, porque não haveria outro motivo para não ter uma segunda onda até agora", ressalta. O epidemiologista também levanta a possibilidade de que a porcentagem de pessoas imunizadas na Capital seja maior, considerando a taxa de erro dos testes rápidos.
"Importante também ressaltar que a segunda onda de contágios não seria evitada somente com o limiar de imunidade e, sim, combinada às medidas de distanciamento, até porque não se sabe ao certo quanto tempo dura a imunidade do novo coronavírus", afirma.
De acordo com a biomatemática portuguesa Gabriela Gomes, uma das tutoras do estudo, a versão mais recente do trabalho se baseia em dados de incidência (novos casos diários) da Bélgica, Inglaterra, Espanha e Portugal. "Pretendemos em breve estudar os dados do Brasil e Estados Unidos, onde a epidemia ainda está em evolução", diz a pesquisadora.
Segundo os autores, embora o coeficiente de variação seja diferente em cada país, de forma geral, o limiar de imunidade coletiva tende a ficar sempre entre 10% e 20% e isso é extremamente relevante para a formulação de políticas públicas.
"Em locais onde o limiar de imunidade coletiva já foi alcançado, a tendência é que o número de novos casos continue a cair mesmo se a economia for reaberta. Mas, caso as medidas de distanciamento sejam relaxadas antes de a imunidade coletiva ser alcançada, os casos provavelmente voltarão a subir e os gestores devem estar atentos", afirma. (Com Agência Fapesp)