A proximidade de mais uma eleição expõe, novamente, o desafio de superar a sub-representação de grupos historicamente marginalizados no campo político. Enquanto a presença de mulheres, negros, indígenas e LGBTQI é pouco perceptível, há um perfil predominante entre candidaturas; é o homem branco, heterossexual, de meia idade e da classe média. A repetição do padrão, ano após ano, levanta questionamentos relacionados aos motivos pelos quais há falta de representatividade dos demais segmentos.
A sobre-representação do branco é reflexo de questões estruturais e de um repertório organizacional da própria cultura política e social, que historicamente endossou a ideia de que o espaço público pertence a este grupo. Mesmo com a inclusão de políticas afirmativas, como garantia de um percentual mínimo de candidaturas e destinação de verbas por gênero e o recente debate para garantir aporte financeiro e espaço no horário de propaganda para candidaturas negras, a representação efetiva segue baixa.
Durante a última semana, O POVO dialogou com pesquisadores, atores políticos e integrantes dos grupos menos representados para entender como percebem o cenário. A discrepância é vista por eles como parte do problema da atual crise da democracia representativa e das frequentes queixas de descrença popular com a política de modo geral. A pouca representação não é exclusividade das eleições municipais ou das gerais (ver gráfico nas páginas seguintes). Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relativos a 2016 apontaram que 1.291 cidades, 23% do total, não elegeram mulheres para suas respectivas Câmaras e outros 1.963 municípios (35%) elegeram apenas uma vereadora. Em 2018, segundo dados da Câmara dos Deputados, dos 513 parlamentares eleitos 385 se autodeclaravam brancos (75% do total) e 125 negros, somatório de pretos e pardos pelo critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Monalisa Soares, pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC) relaciona a sub-representatividade ao próprio processo de organização partidária e destaca complexidade maior no caso de segmentos negros e LGBTQI perante a sociedade. "Eles enfrentam mais resistência de ter o seu discurso visto como universal, os discursos desses grupos são vistos como para uma parcela específica e não como questões que dizem respeito à vida coletiva", pontua.
Sobre as mulheres, a docente destaca que é preciso promover uma renovação e estímulos para que novas candidaturas femininas surjam. "Mesmo as candidaturas femininas postas já são antigas. Aqui as mulheres ainda estão ocupando mais os espaços em nível de vereança", aponta, acrescentando que uma forma de aumentar a participação de todos os segmentos sub-representados é por meio do aporte de recursos, seja para a propaganda eleitoral ou para o financiamento de campanhas. "Para ter candidaturas competitivas é necessário suporte e para que isso ocorra é preciso que os partidos apoiem esses quadros. Sem esse trabalho elas não são candidaturas efetivas", conclui.
Em Fortaleza, a falta de diversidade não é exceção. Basta analisar a eleição majoritária deste ano, na qual apenas duas mulheres, dentre cerca de 17 pré-candidatos apresentados, devem disputar vaga na prefeitura. Se retornamos a 2016, veremos que apenas uma candidata, Luizianne Lins (PT), disputou o Executivo na Capital contra outros sete candidatos homens. Há oito anos, o cenário era ainda mais excludente. Das dez candidaturas postas nenhuma era feminina ou de candidato assumidamente LGBT, por exemplo. Atualmente, a Câmara de Fortaleza conta com sete vereadoras, de 43 vagas, e a Assembleia Legislativa do Estado tem seis deputadas entre as 46 cadeiras. Em termos de disputa no Executivo estadual, o Ceará só registrou um candidato ao governo assumidamente gay nos anos de 2014 e 2018, na figura do então candidato Ailton Lopes (Psol).
Ailton ressalta que apesar do entendimento de que as protagonistas das causas femininas são as mulheres, assim como os lgbts têm papel principal contra a lgbtfobia e os negros contra o racismo, a luta deve ser de todos os sujeitos. "Representatividade importa, mas a gente também não quer uma sociedade fragmentada. Não há problema que homens brancos estejam nesses espaços de poder desde que não sejam ocupados apenas por eles. É importante dizer que não queremos acabar uma opressão para começar outra, queremos apenas equilibrar a representação e os projetos políticos", explica.