Na pandemia, 26,72% das pessoas no Ceará que ganhavam menos de meio salário mínimo, R$ 522,50, saíram da linha da pobreza até agosto, ante os dados fechados de 2019. No Brasil, são mais de 15 milhões de brasileiros nesta situação (-23,7%). É um movimento impulsionado, principalmente, pelo pagamento do auxílio emergencial e que não foi visto nem no auge do boom econômico do País. Os dados consideram a renda domiciliar per capta e são do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), que lança, porém, um alerta: o que acontecerá com essas pessoas quando terminar o prazo dos benefícios em dezembro?
"A pobreza nunca esteve num nível tão baixo, são 50 milhões de brasileiros. A queda foi realmente inédita na história brasileira, mas a virada do ano será dramática em muitos sentidos", afirma o pesquisador Marcelo Neri, coordenador do estudo.
O relatório "Covid, classes econômicas e o caminho do meio: crônica da crise até agosto de 2020" mostrou que a pandemia provocou uma mudança no perfil de renda não apenas dos mais pobres. No Ceará, por exemplo, em agosto, o percentual de famílias que recebiam acima de dois salários mínimos, R$ 2.090, considerado o topo da pirâmide, era de 6,54%, uma queda de 1,4 ponto percentual em relação ao que se tinha até dezembro de 2019.
A redução da pobreza e daqueles que têm renda maior resultaram em um alargamento do agrupamento do meio. Neste grupo intermediário que ganha entre R$ 522,50 e R$ 2.090 hoje estão abrigadas 57,48% das famílias cearenses. Alta de 33,5%, usando a mesma base de comparação.
Além do auxílio emergencial, este movimento entre os grupos econômicos ocorre também em função do impacto da pandemia na atividade econômica e a implementação do programa de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) que trouxe, dentre outras modalidades, a possibilidade de suspensão de contrato e redução da jornada de trabalho para tentar conter o desemprego.
As taxas de redução da pobreza no Nordeste (-30.4%) e no Norte (-27.5%), regiões que possuem maiores parcelas do público-alvo dos programas sociais, foram superiores às demais. No Sul, a pobreza caiu 13,9%; no Sudeste, de 14,2%; e no Centro-Oeste, de 21,7%.
Os efeitos dessa migração, no entanto, são temporários, afirma Marcelo Neri. Com a redução do valor do benefício de R$ 600 para R$ 300 e, no caso das mães chefes de família de R$ 1,2 mil para R$ 600, que vem sendo aplicado desde setembro, a tendência é que haja um retrocesso dos indicadores. Mas o pior pode acontecer no início do ano que vem, com o fim do auxílio.
Em um cenário otimista e conservador, o pesquisador projeta o retorno das 15 milhões de pessoas que saíram da pobreza no Brasil, o equivalente a meia população da Venezuela, à condição anterior. Mas, o mais provável é que a realidade seja pior. "O mercado de trabalho, embora tenha começado a dar sinais de recuperação, ainda não será suficiente para absorver todas as pessoas que perderam o emprego na crise", afirma.
Ele reforça que, ainda que programa de renda mínima seja criado pelo Governo, dificilmente conseguirá a mesma dimensão do auxílio emergencial que aplicará até o fim do ano cerca de R$ 322 bilhões. "O que foi pago de auxílio emergencial em nove meses equivale a nove anos de Bolsa Família. É uma quantia significativa, mas a gente sabe que esse foi um programa de emergência e que este volume de recursos é inatingível. Temos uma questão de restrição fiscal forte que dificulta reações".
Estudo
O estudo "Covid, classes econômicas e o caminho do meio: crônica da crise até agosto de 2020", coordenado pelo pesquisador Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), foi feito a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Contínua) e da Pnad Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O material completo por ser acessado no site cps.fgv.br/cps/CovidClasses/