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O novo revés político imposto às mulheres pelas urnas em 2020
Reportagem

O novo revés político imposto às mulheres pelas urnas em 2020

Resultado das urnas reforça retrato da desigualdade de gênero na política. Foram apenas 30 prefeitas eleitas no Ceará e 10 vereadoras, dentre 43 cadeiras, em Fortaleza
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carlus campos (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos carlus campos

A máxima de que o "lugar da mulher é onde ela quiser" se deparou com os tradicionais percalços para se concretizar nas eleições municipais de 2020. Mais uma vez, o resultado das urnas escancara a disparidade entre homens e mulheres na ocupação de espaços de representação da política institucional.

Somente uma mulher estará à frente de prefeitura de capital, para se ter ideia. Cinthia Ribeiro (PSDB) se reelegeu ao Executivo de Palmas (TO) e com isso afastou o peso simbólico da palavra "zero" ou "nenhuma". Por outro lado, a vitória da tucana jogou luz sobre discussões como a da representatividade na política, que vão e voltam de dois em dois anos.

"São raras as vezes que somos escolhidas para encabeçar chapas de majoritárias, e quando somos, temos que lidar com machismo, misoginia e muitos outros obstáculos", ela comentou em uma das postagens para as redes pós-resultado.

Maior parte do eleitorado é de mulheres. Formam 52,4% do total nacional, ou 77,6 milhões de eleitoras. São números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Eles também mostram que a fatia é levemente mais expressiva no Ceará, de 52,8%, valor que corresponde a 3,4 milhões de mulheres.

O Brasil de Cinthia, ressalvadas as proporções, guarda nesse aspecto similaridades com o País de Maria Luiza Fontenele (então no PT), a primeira mulher eleita prefeita de capital no País, em 1985.

Para a disputa deste ano, no Ceará de Maria Luiza, 16,1 mil pessoas pediram registro das candidaturas, entre as quais 5,3 mil (33,3%) mulheres e 10,8 mil (66,7%), homens.

Na fatia feminina, 5,1 mil concorreram ao cargo de vereadora. Número correspondente a 95,3% do montante de mulheres. Aos Executivos municipais, foram 88 candidatas (1,6%) encabeçando chapas e 162 (3%) compondo como vices.

Já no recorte masculino, o número de concorrentes à vereança foi de 90,9%, pois 4,8% tentaram ser prefeitos e outros 4,2%, vice-prefeitos. Significa que mais homens tentaram cargos mais privilegiados, o de prefeitos e vices, do que mulheres.

Evidentemente, o reflexo se verifica no quadro final: de 184 cidades cearenses, apenas 30 serão administradas por mulheres (ver infográfico).

Na Câmara Municipal de Fortaleza, nove mulheres foram eleitas ou reeleitas para uma Casa com 43 assentos. Para estas páginas, O POVO conversou com Larissa Gaspar (PT) e Priscila Costa (PSC) sobre o tema. Ambas foram reeleitas e fazem diagnósticos completamente distintos da realidade.

Ainda sobre a Câmara Municipal, a expressiva bancada do PDT é composta por 10 parlamentares dos quais somente uma é mulher, a Enfermeira Ana Paula. O Partido da Mulher Brasileira (PMB) conquistou duas vagas. Os ocupantes se chamam Wellington Sabóia e Germano Medeiro.

 

A legislação determina que 30% das chapas proporcionais devem ser compostas por mulheres, no mínimo. E os recursos do fundo eleitoral direcionados no mesmo percentual a essas candidatas. Esquemas de candidaturas laranjas já foram desarticulados nesse sentido, inclusive no ex-partido do presidente, o PSL, na sua instância nacional e cearense.

Tramitam em Brasília propostas com intuito de aumentar o percentual nas chapas para 50%. É o que diz o projeto de lei 1984/2019, do senador Fábio Contarato (Rede-ES). O site do Senado informa que desde 11 de novembro do ano passado o projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com o relator Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que emitiu voto favorável.

Mais do que o percentual em chapas, a PEC 134/15 fala em assegurar assentos nos parlamentos numa escala progressiva. Se aprovada a matéria, na primeira legislatura sob nova lei a presença seria de 10% das cadeiras, com 12% na segunda legislatura e 16% na terceira. O último despacho dado ao texto foi em 7 de junho de 2016.

"Fora da área institucional a gente também tem visto nos últimos anos o fortalecimento de movimentos feministas e de mulheres na arena pública. Isso também reforça, digamos assim, socialmente um reconhecimento da organização das mulheres, o capital político e social das mulheres", afirma a pesquisadora Monalisa Soares, do Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídias (Lepem-UFC), ponderando que os resultados ainda estão distantes do ideal.

A cientista política segue: "Permite com que elas já cheguem também nessa arena institucional dos partidos, de algum modo, mais organizadas e fortalecidas para disputarem."

Nas palavras da professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), as estruturas partidárias são desiguais, "um espaço em que muitas vezes elas já têm que chegar prontas, não é uma arena onde elas vão se formar, onde vão ter um espaço de construção da sua liderança."

Ao verificar o desguarnecimento das mulheres ao qual Monalisa se refere, percorreu pelas mentes de Hannah Maruci e mais quatro amigas a ideia de criar um abrigo sob o qual candidatas pudessem ser formadas e ajudadas com a estrutura para as campanhas. São linhas gerais de como A Tenda das Candidatas foi concebida.

"Demos formações e aulões abertos pra candidatas, equipes e eleitorado para promover a conscientização sobre a igualdade de raça e gênero, além de aulas técnicas para as campanhas", relata Maruci.

Foram selecionadas 10 candidatas de todas as Regiões do Brasil "para dar todo o apoio que os partidos não deram: jurídico, de comunicação, estratégia de campanha, construção de pautas." E registra: "Elegemos duas e conseguimos quatro suplências."

Maruci, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), destaca que duas candidatas, ambas mulheres negras, não haviam recebido recursos dos partidos.

"Isso mostra como argumento da maximização de votos e financiamento de acordo com as chances de cada candidato não se sustenta, uma vez que elas foram eleitas mas não receberam nada dos partidos."

Pesquisadora de gênero, Maruci afirma que as transformações buscadas por iniciativas como a Tenda passam, também, pela mudança de cultura.

"Os partidos seguem reproduzindo as estruturas que privilegiam os homens brancos, isso fica claro na destinação de recursos e no apoio dado aos candidatos. Hoje, as mulheres ocupam apenas 20% dos cargos de direção dos partidos, sendo que elas são quase metade dos filiados."


 

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