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Centrão: mais que um bloco, uma prática
Reportagem

Centrão: mais que um bloco, uma prática

Criado na época da Constituinte, o grupo foi composto por diferentes siglas ao longo dos anos; Dentre as características do bloco estão a proximidade com o Poder Executivo e a preferência pelo pragmatismo em detrimento da ideologia
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CANDIDATO apoiado pelo Planlto, Lira foi eleitos com mais que o dobro de votos de Rossi (Foto: pablo valadares/Agência câmara)
Foto: pablo valadares/Agência câmara CANDIDATO apoiado pelo Planlto, Lira foi eleitos com mais que o dobro de votos de Rossi

A vitória de Arthur Lira (PP-AL) na disputa pelo comando da Câmara dos Deputados devolveu ao Centrão a presidência da Casa e os holofotes da principal cadeira da Mesa Diretora após seis anos. O bloco, atualmente com mais de 200 deputados, é historicamente determinante para o andamento da agenda política do Executivo.

Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), crítico ferrenho das práticas do Centrão na campanha eleitoral de 2018, rendeu-se ao grupo para tocar projetos em busca da reeleição.

Formado na época da Constituinte (1988) e composto por diferentes siglas ao longo dos anos, o Centrão tem características historicamente presentes, dentre elas a proximidade com o Poder Executivo da vez e a preferência pelo pragmatismo em detrimento de bandeiras ideológicas explícitas. Mais do que um bloco, o Centrão é uma prática.

Embora tenha sua força no número de integrantes, poucos são os deputados que admitem dele fazer parte. Parlamentares que não estão abertamente na situação ou na oposição preferem o termo “independente”.

Ainda assim é possível apontar legendas que formam o núcleo duro do bloco: PP, PL, PTB, Solidariedade, PSD, Podemos, Republicanos, Pros, Patriota e Avante. A depender da pauta, pode-se incluir ainda membros de legendas como DEM, PSDB, PSL e MDB na conta.

Num Congresso cada vez mais fragmentado e com dezenas de partidos, o Centrão tornou-se uma forma de sobrevivência política. Muitas vezes vinculado à velha política, o Centrão é frequentemente associado ao "toma lá dá cá", ou seja, a troca de apoio por participação no governo e outros benefícios, como verbas para emendas.

Na história, um de seus momentos mais marcantes ocorreu em 2005, quando o então deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) foi eleito para a presidência da Câmara. Mas foi em 2015, com Eduardo Cunha (MDB-RJ) no comando da Casa, que o bloco atingiu o ápice de influência. Em ambas as ocasiões o Executivo era gerido por governos do PT.

Eduardo Cunha lança em breve seu novo livro narrando os bastidores do impeachment da então presidente Dilma Rousseff
Foto: Radiobras/ Divulgação
Eduardo Cunha lança em breve seu novo livro narrando os bastidores do impeachment da então presidente Dilma Rousseff

O próprio Lira, atual presidente da Câmara e um dos articuladores da aproximação com o Planalto no ano passado, é exemplo da máxima de remar conforme a maré. Hoje próximo de Bolsonaro, ele já fez discursos elogiando o legado do governo Lula e apoiando a então presidente Dilma Rousseff. O grupo já apoiou, em escalas diferentes, todos os governos desde a redemocratização.

No atual sistema político o apoio do Centrão é necessário à boa governabilidade. Paula Vieira, cientista política e pesquisadora do Laboratório de Estudo em Política e Mídia da UFC (Lepem-UFC), reforça que o bloco não deve ser entendido como um “centro ideológico”, mas como uma “ação para formar coalizões”. Ela aponta ainda que o grupo tem ganhado maior destaque em períodos de crise institucional.

“Em alguns momentos ele teve menor visibilidade porque os Executivos tinham uma certa estabilidade como no tempo de FHC, Lula e no início do governo Dilma. Mas no momento de uma crise, o Centrão aparece com mais força e capacidade para a formação de coalizões em torno de uma pauta específica. Como exemplo mais recente dessa capacidade temos o impeachment da Dilma com ampla participação de deputados que inicialmente a apoiavam”, pontua.

O deputado brasileiro Arthur Lira (C) é levantado em comemoração após ser eleito presidente da Câmara dos Deputados em Brasília em 1º de fevereiro de 2021. - O Congresso brasileiro elegeu na segunda-feira Rodrigo Pacheco e Arthur Lira como oradores do Senado e da Câmara, respectivamente, ambos aliados do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro. (Foto Sergio Lima / AFP)
Foto: Sergio Lima / AFP
O deputado brasileiro Arthur Lira (C) é levantado em comemoração após ser eleito presidente da Câmara dos Deputados em Brasília em 1º de fevereiro de 2021. - O Congresso brasileiro elegeu na segunda-feira Rodrigo Pacheco e Arthur Lira como oradores do Senado e da Câmara, respectivamente, ambos aliados do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro. (Foto Sergio Lima / AFP)

Para a pesquisadora os governos ficam reféns do Centrão devido à incapacidade de formar coalizões, prática dominada pelo aglomerado de partidos.

“Para ele (o Centrão) é mais fácil se movimentar de acordo com as bandeiras da vez, já que não há uma pauta única e ideológica. O interesse do grupo varia de acordo com o exercício político e pode ser para manter-se no poder ou obter outro cargo em secretarias e ministérios”, diz, explicando o motivo pelo qual o bloco transita entre governos com força para encaminhar ou obstruir pautas.

As legendas desse grupo foram também as maiores vencedoras nas eleições municipais do ano passado e terão peso importante no resultado do próximo pleito. Ao que tudo indica o Executivo será, mais uma vez, dependente do grupo devido à forte influência que seu numeroso quadro de parlamentares tem em várias localidades do País. 

A força do Centrão, principalmente em época eleitoral, muda a postura de presidentes. Da direita à esquerda.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (L) cumprimenta o novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (R), em frente ao novo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (C), durante sessão do Congresso Nacional, em Brasília, em 3 de fevereiro de 2021. - O Congresso brasileiro elegeu na segunda-feira dois aliados do presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Senado e a câmara baixa, uma importante vitória do líder de extrema direita em sua busca por revigorar seus esforços de reeleição para 2022 . (Foto Sergio Lima / AFP)
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (L) cumprimenta o novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (R), em frente ao novo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (C), durante sessão do Congresso Nacional, em Brasília, em 3 de fevereiro de 2021. - O Congresso brasileiro elegeu na segunda-feira dois aliados do presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Senado e a câmara baixa, uma importante vitória do líder de extrema direita em sua busca por revigorar seus esforços de reeleição para 2022 . (Foto Sergio Lima / AFP)

Até que ponto a vitória do Centrão na Câmara é um triunfo de Bolsonaro

O retorno do Centrão à Presidência da Câmara dos Deputados foi timidamente comemorado em público pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas amplamente articulado pelo seu governo nos bastidores do poder.

Entre promessas de eventuais cargos e emendas parlamentares, o Executivo conseguiu uma aliança momentânea, baseada no "toma lá dá cá", que dependerá da continuidade de concessões para que projetos sejam pautados.

(Brasília - DF, 03/02/2021) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante coletiva de imprensa..Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Correa
(Brasília - DF, 03/02/2021) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante coletiva de imprensa..Foto: Marcos Corrêa/PR

O acordo com o Centrão é uma faca de dois gumes. Enquanto o bloco, com fama de insaciável, for alimentado, estará presente na base de apoio do presidente.

Mas se seus membros perceberem que os riscos à imagem política são grandes ou que a fonte secou - e seu histórico está aí para comprovar -, não terão o menor constrangimento em abandonar o governo.

Basta olhar para o caso da ex-presidente Dilma Rousseff que durante sua gestão formou a maior coalizão parlamentar desde a redemocratização e pouco tempo depois viu o impeachment bater à sua porta trazido por antigos aliados.

 

Figuras como o presidente nacional do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, ilustram bem o comportamento do Centrão. Quem olha para Jefferson hoje vê um defensor de Bolsonaro, de suas pautas econômicas e ideológicas e um crítico da esquerda.

Mas há cerca de 20 anos o mesmo Jefferson chegou a apoiar Ciro Gomes e Lula em uma disputa presidencial e depois foi o delator do escândalo do Mensalão à época do governo do petista.

 

Bolsonaro, por sua vez, fez do Centrão um saco de pancadas na campanha eleitoral de 2018. Agora, pouco mais de dois anos depois, trabalha para que o bloco seja a sua base aliada informal no Congresso.

O presidente já prometeu bilhões de reais em emendas para garantir o apoio e possivelmente terá que gastar mais caso pretenda mantê-los em sua base. O Centrão é fluido e joga o jogo político como poucos.

Para Cleyton Monte, cientista político vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), a aprovação de pautas a partir da aliança Bolsonaro-Centrão é possível, mas não obrigatória.

“Se o governo tem apoio da Mesa Diretora, porque é ela que encaminha a pauta, é possível sim trazer essa agenda de costumes. Mesmo enfrentando a oposição da opinião pública. Mas os acordos com o Centrão são sempre frágeis”, declara.

 

Na análise de Monte o bloco se aproximou do governo não apenas pelos recursos e cargos, mas também porque vê em Bolsonaro uma chance de reeleição em 2022, quando muitos desses deputados tentarão se manter no poder.

“Para se reeleger vários desses parlamentares precisam enviar recursos aos seus municípios e bases, reforçando alianças com prefeitos para garantir a sobrevivência política. A aliança com o governo Bolsonaro é pragmática também no sentido eleitoral, mas se essa visão mudar, não haverá fidelidade”.

O pesquisador aponta uma particularidade fundamental na relação entre o atual presidente e o bloco. “Governos anteriores tinham um núcleo duro de apoio e o Centrão entrava apenas para formar maioria. Lula tinha as legendas mais à esquerda como PT, PSB, PDT e Fernando Henrique tinha o PSDB e outras siglas. Bolsonaro sequer tem partido, ou seja, o Centrão é a sua base. Isso não é um bom negócio porque para ser mantida, ela vai exigir muitos recursos”, projeta.

O deputado brasileiro Arthur Lira dá o polegar para cima durante uma sessão plenária para eleger o presidente da Câmara dos Deputados em Brasília em 1º de fevereiro de 2021. - O Congresso do Brasil elegeu na segunda-feira Rodrigo Pacheco e Arthur Lira como oradores do Senado e da Câmara, respectivamente, ambos aliados do o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro. (Foto Sergio Lima / AFP)
O deputado brasileiro Arthur Lira dá o polegar para cima durante uma sessão plenária para eleger o presidente da Câmara dos Deputados em Brasília em 1º de fevereiro de 2021. - O Congresso do Brasil elegeu na segunda-feira Rodrigo Pacheco e Arthur Lira como oradores do Senado e da Câmara, respectivamente, ambos aliados do o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro. (Foto Sergio Lima / AFP)

Quando o Centrão decide

O Centrão, hoje base do governo Bolsonaro, já participou de diferentes maneiras de todos os governos desde a redemocratização do País. De Sarney a Temer.

A resiliência do bloco é uma questão de sobrevivência política, já que a maior parte dos parlamentares que o formam não teriam estatura para promover ações e seus interesses sozinhos. A força do Centrão, como a história comprova, está tanto na quantidade quanto na habilidade de articulação dos membros.

Ao longo dos últimos 30 anos, o bloco transitou de ponta a ponta no cenário político e foi decisivo, contra e a favor do Executivo. Na década de 1980, à época de José Sarney, contribuiu com votos para ampliar o mandato presidencial por cinco anos.

 

Posteriormente, garantiu a governabilidade de Fernando Collor de Mello ao apoiá-lo, mas enterrou seu governo ao retirar-se de cena. Na década de 1990, participou da aprovação do Plano Real do governo de Itamar Franco e foi base de Fernando Henrique Cardoso na gestão seguinte.

Neste século o Centrão, historicamente composto por partidos de centro e centro-direita, fez parte da base de sustentação dos governos Lula e Dilma, de esquerda.

E foi durante a gestão da primeira mulher a ocupar o Planalto que alcançou seu ápice no poder, com a eleição de Eduardo Cunha para presidente da Câmara em 2015. Meses depois Cunha deu início ao processo de impeachment contra Dilma, fazendo com que o bloco fosse novamente decisivo.

No breve governo Temer os votos de partidos do Centrão contribuíram para que denúncias que poderiam afastar o então presidente não evoluíssem.

A regra na relação Executivo-Centrão é: quando um governo tem capacidade de articulação própria e demonstra proatividade o bloco perde seu protagonismo, do contrário é ele quem pauta a agenda política nacional.

Atualmente, com um de seus líderes na presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), o Centrão ganhou novamente o status de decisivo para o andamento de projetos do governo Bolsonaro.

Para além da vacinação e da pandemia, temas como privatizações, mineração em terras indígenas, reformas tributária e administrativa e pautas de costumes como a flexibilização da comercialização, do porte e da posse de armas de fogo e a regulamentação do ensino domiciliar no Brasil podem voltar a pauta do Congresso neste ano.

O novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (L), fala ao lado do presidente Jair Bolsonaro (C) e do novo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 3 de fevereiro, 2021. - O Congresso do Brasil elegeu na segunda-feira dois aliados do presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Senado e a câmara baixa, uma importante vitória para o líder de extrema direita que busca revigorar seus esforços de reeleição para 2022. (Foto de Sergio LIMA / AFP)
O novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (L), fala ao lado do presidente Jair Bolsonaro (C) e do novo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 3 de fevereiro, 2021. - O Congresso do Brasil elegeu na segunda-feira dois aliados do presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Senado e a câmara baixa, uma importante vitória para o líder de extrema direita que busca revigorar seus esforços de reeleição para 2022. (Foto de Sergio LIMA / AFP)

Governo Bolsonaro e Centrão: da retórica antissistêmica à acomodação

Bolsonaro governou durante o primeiro ano (2019) com um discurso antissistêmico, fundado em críticas às negociatas e velhas práticas políticas e marcado por forte mobilização de sua base. Em 2020, em meio aos desdobramentos da crise da pandemia, o presidente iniciou seus movimentos de acomodação com o Centrão: nomeando ministros ligados a partidos do bloco e indicando Ricardo Barros (PP-PR) para a liderança do governo.

Esperava-se que a relação de tensão que o Executivo havia nutrido com o Legislativo fosse atenuada. Ainda que não significasse uma completa conversão, indicou um aceno. É fato que, ao longo de dois anos, o governo teve ganhos na agenda econômica graças a afinidades partilhadas com grupos no Legislativo. No entanto, também sofreu derrotas como a derrubada de vetos, Medidas Provisórias que não chegaram a ser votadas, entre outros. A maior dificuldade enfrentada foi na agenda ideológica (pautas morais, ampliação do porte de armas, meio ambiente e demarcação de terras indígenas, etc.). Essa pauta, que foi de importância estratégica na disputa eleitoral, segue travada atualmente no Legislativo.

A vitória de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, que contou com pleno engajamento do Governo Federal, abre caminhos para a expectativa de que esses temas venham a ter mais trânsito na agenda legislativa, considerando que o Centrão se guia por aspectos mais pragmáticos (acesso a cargos e verbas) e pouco ideológicos. Evidência dessa expectativa foram alguns temas apresentados por Bolsonaro como relevantes para o Executivo na sessão de abertura dos trabalhos legislativos: mineração em terras indígenas, ampliação do porte de armas para população em geral, licenciamento ambiental e áreas florestais, homeschooling, entre outros.

Ter mais espaço na agenda legislativa também passa por ter mais visibilidade, este que é um campo de ação por excelência do bolsonarismo. Nesse sentido, cabe observar quem serão as presidências de comissões como Constituição e Justiça (na qual já está instalada a polêmica sobre a indicação de Bia Kicis), mas também Educação, Meio Ambiente, Direitos Humanos, entre outras. A aposta de muitos analistas é de que o Centrão pode vir a dissociar-se de Bolsonaro prejudicando seu percurso até a reeleição, considerando o histórico de fragilidades nas alianças com esse bloco. Ainda que isso venha a ocorrer, um elemento relevante a observar é o que o governo conseguirá conquistar da sua agenda prioritária enquanto tiver o Centrão como aliado.

 

Monalisa Soares Lopes
Coordenadora do Curso de Graduação em Ciências Sociais da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC)

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