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Ano 2 da Covid-19: a Fortaleza que entra em lockdown pela segunda vez
Reportagem

Ano 2 da Covid-19: a Fortaleza que entra em lockdown pela segunda vez

O isolamento rígido na Capital vigora de hoje até 18 de março. Mas a Fortaleza que deve se manter em casa pela segunda vez está em situação mais crítica e mais cansada
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Avenidas vazias durante toque de recolher em Fortaleza, em 20 de fevereiro. Av. Washington Soares (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Avenidas vazias durante toque de recolher em Fortaleza, em 20 de fevereiro. Av. Washington Soares

A Fortaleza que entra em lockdown hoje, 5, carrega o peso de uma estrutura hospitalar saturada com o aumento de casos nesta segunda onda e de uma população fragilizada após um ano de incertezas. Todos estão cansados. Novas variantes mais contagiosas e a vacinação lenta e insuficiente apontam para um cenário de novas dúvidas que mantêm o descontrole da pandemia pelo segundo ano. Conforme o Decreto Estadual do governador Camilo Santana (PT), o isolamento social rígido na Capital vigora até 18 de março na tentativa de diminuir a pressão sobre o sistema de saúde.

A epidemiologista Lígia Kerr, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que o colapso decorrente do novo aumento de casos era previsto. Ela avalia que o período de duas semanas de isolamento rígido não será suficiente para frear a contaminação.

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A médica, que integra o Comitê Científico do Consórcio Nordeste, frisa que a situação foi agravada por aglomerações, principalmente nas festas de Natal e Ano Novo. "Isso se juntou à cepa de Manaus. Que, provavelmente, começou a se apresentar em janeiro. Em todos os países com novas variantes, houve uma substituição (dos casos) para as novas cepas", pontua.

A mutação E484K, associada às três atuais variantes de preocupação, foi identificada em 71,1% de casos do Ceará. Protocolo desenvolvido pela pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazonas testou amostras representativas de oito estados.

Considerando ciclo de 14 dias, "a situação que temos agora vai repercutir ainda por 14 dias". "É uma tragédia. Esse mês vai ser o pior mês. Não temos nenhuma comparação com o que vai ser esse mês. A situação de Fortaleza está bastante dramática. Os leitos ainda disponíveis não serão suficientes", analisa.

Kerr alerta ainda para a importância do auxílio financeiro, visto que as medidas sanitárias estão completamente ligadas à necessidade de medidas de auxílio para a parcela da população em condições socioeconômicas críticas.

Lockdown em Fortaleza o que pode e o que nao pode
Lockdown em Fortaleza o que pode e o que nao pode (Foto: Lockdown em Fortaleza o que pode e o que nao pode)

O Ceará chegou a 437.923 casos confirmados de Covid-19 e 11.554 óbitos em decorrência da doença até ontem, 4. No dia 8 de maio de 2020, quando o lockdown foi determinado pela primeira vez, eram 15.134 diagnósticos positivos e 997 mortes pela infecção. Durante o primeiro pico da pandemia, eram 2.040 leitos de enfermaria e 911 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivos para Covid-19, considerando as unidades públicas.

Atualmente, o Estado dispõe de 2.287 unidades de enfermaria e 824 de alta complexidade. A meta é que os números subam para 2.600 e 1.074, respectivamente. Apesar da ampliação, 92,72% dos leitos de UTI estão ocupados. Em Fortaleza, essa taxa sobe para 94,13%, considerando a rede pública e a privada.

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Aglomerações puderam ser vistas um dia antes do lockdown em Fortaleza
Aglomerações puderam ser vistas um dia antes do lockdown em Fortaleza

Fortalezenses relatam preocupações com novo lockdown implantado na cidade

Com o número de mortos subindo e a taxa de ocupação nos hospitais cada vez mais elevada, os governantes buscam alternativas para tentar barrar a rápida propagação do vírus no país. Um dia antes do início do novo decreto, que impõe lockdown para Fortaleza durante os próximos 14 dias, o clima é de preocupação.

"Nos atinge e nos prejudica de uma maneira direta. Claro que temos a consciência de que precisa, a providência deveria ter sido tomada desde o início, infelizmente não foi. Temos que nos proteger, a população tem que ter consciência e os governantes também", relata a vendedora ambulante Euflávia Tenório.

Em três anos trabalhando como ambulante no Centro da cidade, ela conta que ainda sofre com os reflexos das medidas mais rígidas durante a primeira onda.

"O primeiro foi difícil. Não ter dinheiro nem para o pão de manhã ou depender de ajuda, você que trabalha e tem que passar por isso, não é fácil. Eu tenho família e compromissos, as contas continuam chegando. Minha luz já está cortada, tudo foi consequência desse lockdown", explica.

Em todo o Brasil, sistemas de saúde seguem à beira do colapso, governos municipais e estaduais seguem subindo os níveis de rigidez das medidas de isolamento social. Além das vidas perdidas pela doença, as pessoas passam a temer pela capacidade econômica de sobrevivência.

"Por enquanto, a empresa vai manter sem demissão nenhuma. Até porque já demitimos no mês passado em torno de 10% do quadro. Certamente, se isso continuar, o medo é que mais funcionários percam o emprego. Estamos fazendo de tudo, fazendo liquidações, não demitimos em massa ainda, mas, se não houver uma medida pra gente reabrir o comércio, ninguém vive", relata Rogério Rodrigues, gerente de uma loja de calçados no Centro.

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Para Marciano Martins, gerente de uma loja de eletrodomésticos, a situação da saúde é grave, mas a economia não pode ser esquecida.

"Nós sabemos que é algo necessário, porém ficamos pensativos na questão dos empregos. Se a gente não vende, como vamos sustentar nosso negócio? Nessa loja, são mais de 20 famílias empregadas. Tudo é possível nesses próximos dias, a empresa foi pega de surpresa agora, faremos os cálculos", explica Martins.

Na orla da Beira Mar, a situação não é diferente, Sandra Barros administra um quiosque no calçadão e teme o pior para os próximos dias.

"Será que vão ser só 14 dias mesmo? Na primeira onda já houve um aumento no tempo, e me parece que não estava tão grave quanto agora. Não sei como vai ser, só estamos acumulando prejuízo. Tivemos que fazer demissões, demiti um funcionário que tinha 17 anos de casa, em plena pandemia. Éramos nove, hoje, somos só dois", desabafa.

Nesta semana, o Brasil vem batendo recordes no número de mortos vítimas do coronavírus. Na última quarta-feira, 3, o país registrou 1.910 mortes em um único dia. A marca superou o registro do dia anterior, terça-feira, 2, que contabilizou 1.641 óbitos por Covid-19.

Um dia antes da implementação do novo lockdown em Fortaleza, não era difícil encontrar medidas sanitárias sendo ignoradas pelas ruas da Capital. O não uso da máscara e aglomerações eram recorrentes.

"Infelizmente, isso aqui não é uma fila, é só aglomeração. O povo só quer adquirir seu direito, seu bem. Aqui, possivelmente, alguém pode sair doente por conta da pandemia. Vão ser dias difíceis, está tudo caro na questão de mantimentos para sustentar sua casa. É uma situação vergonhosa essa que estamos passando, ter que vir aqui no meio de tanta gente, tantos idosos", conta o segurança Almir da Costa, que esperava atendimento na fila de um banco.

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Barreiras sanitárias

As barreiras sanitárias nas divisas de Fortaleza com os demais municípios seguem funcionando durante os próximos dias. Mesmo com o atual cenário, o trabalho realizado por policiais militares do CPRaio da PMCE e de agentes do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE) não é compreendido por todos.

"Eu acho que demora muito, eu não gosto. Também não concordo com o decreto que foi lançado hoje. Não é isso aí que vai impedir as pessoas de adoecerem", relata a aposentada Rita Rocha.

Mesmo com as críticas, o agente de trânsito do Detran, Everson Ribeiro, que trabalha na barreira sanitária montada na BR-222, na divisa entre Fortaleza e Caucaia, relata que as pessoas costumam ser compreensivas.

"Estamos orientando, quanto à questão séria que estamos vivendo, para as pessoas só saírem de casa em uma situação extrema. Se possível, ficar em casa. Para evitarmos que o vírus continue se espalhando e mais pessoas fiquem doentes, esse é o nosso trabalho. A maioria das pessoas entende que estamos aqui ajudando", diz.

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Na barreira sanitária, os agentes e policiais verificam o real motivo de deslocamento do condutor e pedem documentos que comprovem o motivo da viagem.

"Passam cerca de 300 a 400 carros por dia. Estamos de forma seletiva, organizando os carros e fazendo a verificação, para tentar inibir, fazer com que as pessoas fiquem em casa e só se desloquem para serviços essenciais", explica Capitão Jean do CPRAIO.

O vendedor Nilton Sousa elogia o trabalho de prevenção que está sendo feito no Estado.

"É o certo, o negócio está descontrolado, está tudo errado, tudo desmantelado, o certo é isso mesmo, tem que parar. Também concordo com as medidas adotadas ontem. Ave Maria, quem não teme uma doença desgraçada dessa? É muito perigoso", finaliza.

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