Em carta de despedida enviada ao Consórcio Nordeste e a qual O POVO teve acesso, o cientista Miguel Nicolelis afirmou que deixava o grupo “com a consciência tranquila de termos oferecido aos gestores do Nordeste o que de melhor a ciência poderia oferecer”.
Nicolelis renunciou ao comando do comitê após sugestões de ações contra a Covid-19, recomendadas pelo colegiado, não terem sido acolhidas por governadores dos nove estados da região.
Neurocientista e um dos pesquisadores mais renomados do País, Nicolelis coordenava o Consórcio Nordeste desde a sua criação, em março de 2020, como forma de subsidiar o poder público na elaboração de estratégias na área de saúde.
“Deixo a coordenação do consórcio neste momento extremamente orgulhoso da missão que este comitê cumpriu”, escreveu. A mensagem foi enviada menos de dez dias atrás.
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No mesmo texto, o cientista agradece aos colegas pela “dedicação e trabalho exemplar em prol do povo nordestino e brasileiro” e reconhece que, “com todas as dificuldades, realizamos em conjunto um trabalho que certamente entrou para a história do combate de pandemias no Brasil”.
Em seguida, diz que o consórcio, criado como uma força-tarefa multidisciplinar para auxiliar governos do Nordeste, “certamente foi uma das experiências científicas mais marcantes da minha carreira”.
“Algo que eu jamais esquecerei”, continua Nicolelis, “desta forma, ao comunicar oficialmente o meu desligamento como co-coordenador, eu queria agradecer a todos os amigos e amigas, colegas e membros que puseram suas vidas pessoais de lado para mergulhar de cabeça na nossa missão de oferecer as melhores análises de cenário, recomendações e sugestões científicas aos governadores do NE”.
Dias depois de enviar a carta, Nicolelis criticou publicamente medidas adotadas contra a pandemia pelos executivos do Nordeste, como o toque de recolher, empregado primeiro na Bahia e depois no Ceará como parte do enfrentamento à enfermidade.
No mesmo dia em que decreto instituiu no estado o veto ao trânsito de pessoas nas ruas entre as 22 horas e as 5 horas da manhã, na quinta-feira passada (18/2), Nicolelis se manifestou nas redes sociais.
“Diagnóstico do uso do ‘toque de recolher’ para combater pandemias fora de controle em todo o mundo é o seguinte: “too little, too late”, advertiu, sugerindo que a medida é ineficaz para conter o avanço da doença neste atual estágio de contaminação.
Diagnóstico,do uso do “toque de recolher” para combater pandemias fora de controle em todo o mundo é o seguinte:
— Miguel Nicolelis (@MiguelNicolelis) February 18, 2021
“Too little, too late”
Para o agora ex-coordenador do comitê, o lockdown, embora ação drástica e com forte repercussão negativa na economia, era a saída mais eficaz ao alcance dos gestores.
Entre governadores, porém, o lockdown vem sendo contornado, de modo a evitar novo baque no setor econômico, que ainda se recupera da suspensão das atividades na esteira da primeira onda da pandemia.
Sem a aprovação do auxílio emergencial pelo Governo Federal, que pode criar salvaguarda financeira para os mais vulneráveis, gestores têm adiado qualquer resposta semelhante.
Um dos coordenadores do Consórcio Nordeste, o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende lamentou a saída do colega da equipe.
Ao O POVO, ele disse: “Nicolelis foi muito importante em vários aspectos, dentre eles dar visibilidade ao trabalho do comitê. Lamentamos muito a saída dele por razões pessoais”. De acordo com Rezende, contudo, “o trabalho continuará sem ele, até a epidemia estar controlada”.