Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em visita à Caucaia, Tianguá e Fortaleza, no Ceará, ignorava regras sanitárias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por decretos estaduais, para conter a propagação da Covid-19, o agricultor aposentado Leonardo Ferreira Barbosa, 94, aguardava por uma UTI na capital cearense.
Na data da visita de Bolsonaro, no dia 26/2, Leonardo Ferreira completava o décimo dia entubado em uma enfermaria destinada à Covid no Hospital Zilda Arns (Hospital da Mulher). Naquela sexta-feira, no território cearense, ele e mais 237 pacientes contaminados pelo novo coronavírus engrossavam a fila de espera por leitos que os tirassem do risco de morrer por causa da pandemia.
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Bolsonaro, alheio à situação crítica de quem se desesperava por um leito de enfermaria ou UTI/Covid no Ceará e ao colapso da rede pública e privada de saúde do Estado, desfilava sem máscara entre centenas de apoiadores do povo, com outros políticos e promovia aglomerações por onde passava.
A visita presidencial, realizada apenas para assinatura de ordens de serviços para o reinício de obras públicas que se encontravam paralisadas em Caucaia e Tianguá, nas rodovias BR-116 e BR-222, virou alvo do Ministério Público Federal do Ceará.
Cinco procuradores da República enviaram, ontem, ofício a Brasília ao procurador Geral, Augusto Aras, sugerindo que fossem investigadas supostas condutas criminosas cometidas pelo capitão da reserva do Exército. "As normas sanitárias que obrigam o uso de máscaras faciais e proíbem a realização de eventos que possam causar aglomeração de pessoas objetivam proteger o bem jurídico saúde pública e, mais especificamente, impedir a propagação da pandemia da Covid-19", escrevem os fiscais da lei.
O presidente da República e sua comitiva, segundo entendimento dos procuradores que assinam o ofício, teriam cometido "infração de medida sanitária preventiva". Crime previsto no artigo 268 do Código Penal e que determina que quem "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa" poderá pegar uma pena de detenção de um mês a um ano, e ainda pagar multa. A pena, descreve o CP, será aumentada de um terço se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Como apenas o procurador-geral Augusto Aras pode investigar o presidente da República, os procuradores Nilce Cunha, Márcio Torres, Alessander Sales, Ricardo Magalhães e Ana Karília Távora lembraram no documento que Jair Bolsonaro descumpriu o Decreto nº 33.936/2021, de 17 de fevereiro, do Governo do Ceará que se encontrava vigente.
No artigo 2° do decreto, Camilo Santana (PT) prorroga o isolamento social e determina a "suspensão de eventos ou atividades com risco de disseminação da Covid-19". E impõe que "durante o estado de calamidade pública decorrente da pandemia, permanece em vigor o dever geral de proteção individual no Estado do Ceará consistente no uso obrigatório de máscara de proteção por todos".
Ontem, também, a Rede de Advogadas e Advogados Populares (Renap) enviou documento a Erinaldo Dantas, presidente da OAB-CE, pedindo que a entidade denuncie Jair Bolsonaro às instâncias nacionais e internacionais pelo suposto crime contra a saúde pública cometido em Caucaia e Tianguá. Segundo a Renap, a "atitude se repete" em todo o Brasil. Procurado pelo O POVO, Erinaldo Dantas disse que não tinha tido tempo de analisar o documento.
E ainda, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) acionou o Ministério Público Estadual para que apurasse as condutadas dos deputados cearenses que acompanharam Bolsonaro. Os estaduais delegado Cavalcante (PSL) e André Fernandes (Republicanos). Participaram também das aglomerações, os federais Capitão Wagner (Pros), AJ Albuquerque (PP), Jaziel Pereira e Domingos Neto (PSD). Todos os parlamentares consideram que nem eles nem o presidente cometeram crimes contra a saúde pública.
O POVO, via Secretaria de Comunicação e Secretaria Geral da Presidência da República, entrou em contato por telefone e enviou perguntas ao presidente Jair Bolsonaro. Não houve retorno.
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