Cercado de muita pressa, a discussão da Medida Provisória (MP) de privatização da Eletrobras que avança no Congresso pode significar não só o aumento da participação privada na companhia, mas mudanças no setor energético brasileiro. Outro ponto notório é a falta de compromisso com a revitalização da matriz energética brasileira para opções mais sustentáveis e baratas. Segundo analistas ouvidos pelo O POVO, há, sim, risco de que a redação em tramitação possa encarecer a tarifa de energia. O texto da MP foi aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados e ontem, 24, teve definido o seu relator para discussão no Senado, o governista Marcus Rogério (DEM). A expectativa do Governo é que a proposta, uma das promessas da equipe econômica de Paulo Guedes na numerosa lista de privatizações, seja aprovada sem mais modificações e inclusão de novos "jabutis".
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O jargão da política se refere aos adentos que vão sendo acrescentados no projeto, segundo o entendimento dos políticos. E nesta MP - para desgosto do Governo e preocupação dos técnicos do setor de energia - existem exemplos que podem gerar impactos grandes e por longo período de tempo. O principal deles é a obrigação de adoção de contratos que garantam a obtenção de energia proveniente de termelétricas a gás.
Mesmo sendo membro da Frente Parlamentar em Defesa das Energias Renováveis, o relator do projeto, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), primou por incluir a priorização de termelétricas nas regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste. Justo a Região, que possui o maior potencial de impulsionar o desenvolvimento de uma matriz sustentável para o Brasil.
Alexei Macorin Vivan é advogado e sócio do escritório Catão & Tocantins Advogados, que atua fortemente na área de energia. Ele entende como os "jabutis" da MP a exigência de contratação de 6 Megawatts (MW) de energia das usinas térmicas; a obrigatoriedade de contratação de energia elétrica proveniente de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) nos leilões de energia, limitada a 2 MW; além prorrogação do Proinfa por mais 20 anos; e a exigência de destinação obrigatória do saldo de caixa de Itaipu para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e para programas sociais até 2032.
"Após tanta discussão, a aprovação deve ser comemorada, em vista da necessidade de a Eletrobras ser privatizada para ter recursos e condições de investir e manter sua importância no cenário nacional. Contudo, há pontos da MP que não têm relação com o tema da privatização da Eletrobras e que não fazem sentido estarem na MP", observa o advogado.
"Em resumo, ainda que a aprovação seja extremamente positiva, nenhum processo legislativo é perfeito e há arestas que se espera sejam aparadas pelo Senado, por fugirem ao objetivo da MP", completa.
A doutora em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) no Campus Russas, Silvia Teles Viana, destaca que a visão política se sobrepôs à técnica e a pressa na discussão da proposta é prejudicial ao Brasil. "A segurança energética do País é muito importante para a soberania nacional. E no texto aprovado na Câmara, questões técnicas foram colocadas com ideais políticos. O uso de termelétricas é um exemplo."
"As termelétricas são usinas que queimam combustíveis fósseis e também utilizam água nas torres de resfriamento, o que não é interessante pela poluição e longos períodos de seca que passamos. Outra questão é o grande potencial da nossa Região em energia solar e eólica, que merece ser valorizada por ser renovável", destaca.
De acordo com o boletim macroeconômico do Banco Original sobre o avanço do projeto, apesar da preocupação do setor elétrico com a manutenção dos leilões locacionais e da cota de 50% de contratação de PCHs nos leilões deste ano, o mercado parece animado com a retirada do texto dos principais pontos que afetavam a capitalização da estatal, fazendo referência a outros "jabutis" retirados do texto pelo relator pouco antes da votação.
Mas, segundo a Abrace, associação de grandes consumidores de energia, o texto pode adicionar até R$ 24 bilhões na conta de luz com a obrigação da contratação das térmicas, PCHs e prorrogação do Proinfa. Já o carimbo dos recursos da descotização através da CDE para o mercado regulado pode aumentar em até 20% o valor da energia para a indústria, que deve repassar o aumento de custo para o restante da cadeia.
Isso deve fazer com que o objetivo inicial do Governo de reduzir a tarifa de energia a partir da privatização não seja alcançado. A Abrace ainda ressalta que o efeito da MP nas contas de luz seria de 10% na tarifa para os consumidores regulados, sem contar os impactos advindos do aumento que chegariam aos consumidores livres, que são representados principalmente por indústria e comércio. Cabe acompanhar ao longo deste e do próximo ano os possíveis impactos inflacionários da medida.
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O POVO tentou contato com o relator da proposta na Câmara, mas não obteve retorno do parlamentar até o fechamento desta edição.
BATE PRONTO com Joaquim Rolim
O POVO - Do jeito que está, esse projeto tem o potencial de surtir efeito contrário e deixar a energia elétrica mais cara ao consumidor?
Joaquim Rolim - Essa é uma grande preocupação. O Brasil possui um dos menores custos de produção de energia do mundo, principalmente quando falamos em eólica e solar. Porém, para o consumidor, os custos com energia elétrica estão entre os mais caros. Entendemos que o projeto de lei deveria contribuir na redução de custos para o consumidor de energia.
OP - As mudanças de mercado provocadas pela privatização podem surtir quais efeitos a mais no mercado nacional?
Joaquim - A água dos reservatórios das hidrelétricas tem múltiplos usos. Esse aspecto precisa ser muito bem avaliado e as ações bem direcionadas, para não se provocar um desequilíbrio no processo. O que se espera em um processo de privatização é que se consiga otimizar a gestão, reduzir os custos, aumentar a capacidade de investimento e melhorar a qualidade para o consumidor com benefícios para a sociedade.
Joaquim Rolim é engenheiro eletricista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), diretor técnico da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), representante da Classe Industrial no Conselho de Consumidores de Energia Elétrica do Ceará e coordenador do Núcleo de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec)
RESUMO DA MP
O modelo de desestatização prevê a emissão de novas ações da Eletrobras, a serem vendidas no mercado sem a participação da empresa, resultando na perda do controle acionário de voto mantido atualmente pela União.
Apesar de perder o controle acionário ao reduzir sua participação de 60% para 45% das ações, a União terá uma ação de classe especial (golden share) que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas, a fim de evitar que algum deles ou um grupo de vários detenha mais de 10% do capital votante da Eletrobras.
PRÓS E CONTRAS DA MP
POSITIVOS
NEGATIVOS
Análise: Alexei Macorin Vivan, advogado e sócio do escritório Catão & Tocantins Advogados
Críticas da oposição
Na avaliação do deputado federal e vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), a votação que aprovou na Casa a MP da privatização foi um "duríssimo golpe" em um dos setores estratégicos da economia brasileira. "A primeira questão que é importante destacar, é que a União perde a capacidade de regulação do sistema elétrico, que passa a ser regulado pelo investimento privado. Portanto, não há segurança nenhuma da eficiência da geração e da transmissão de energia e, principalmente, se o setor privado fará ou não investimentos."
O deputado cearense ainda diz que o texto da MP toma atribuições que seriam do Executivo, seja do Ministério de Minas e Energia ou do Ministério do Desenvolvimento Regional. "É uma das principais e mais lucrativas empresas do País. Eu, portanto, acredito que esse processo aprovado pode fazer com que os consumidores tenham que pagar a conta e aí haverá, sim, o aumento das tarifas. E os fundos de revitalização do São Francisco nós já temos a partir do trabalho do Ministério do Desenvolvimento Regional. Entendo que a iniciativa privada não deve priorizar investimentos que não tenham à frente o grande cifrão do lucro, por isso votamos contra a privatização da Eletrobras".
Nordeste
O Consórcio Nordeste divulgou nota contrária à aprovação da privatização da Eletrobras. "O Brasil enfrenta uma grave crise econômica e social, em que o aumento da pobreza e do desemprego caminham junto com a inflação, que está corroendo o poder de compra das famílias. Ressalte-se que a energia elétrica representa aproximadamente 40% dos custos industriais, ou seja, um aumento deve refletir sobre toda a cadeia produtiva."
Levantamento
As chaminés das termelétricas já competem com a fumaça das queimadas como nossa maior fonte de emissões nocivas à natureza. Em 1995, as queimadas respondiam por 77% de nossas emissões. Caíram para 32% em 2012. No mesmo período, a fumaça das usinas foi de 8% a 30% das emissões brasileiras. O dado é do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa, organizado pelo Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs e centros de pesquisas.