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Reforma tributária: O que é justo e o que é caro para o seu bolso
Reportagem

Reforma tributária: O que é justo e o que é caro para o seu bolso

Desafio das mudanças na legislação tributária do Brasil é taxar de forma justa, mas não gerar onerações sobre os setores e sociedade. Disputas e pressões políticas podem tomar dianteira e há temor de que reforma desregule sistema tributário
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Reforma tributária não trará aumento de imposto, diz Guedes (Foto: )
Foto: Reforma tributária não trará aumento de imposto, diz Guedes

Existe uma frase antiga que diz que é impossível fugir de duas coisas: a morte e os impostos. Faz parte da vida em sociedade contribuir para o bom andamento dos serviços públicos. Neste momento, o Brasil revisita as discussões em torno do seu sistema tributário e Governo e Congresso trabalham numa reforma. Na distante Brasília, o projeto vai tomando forma, mas cada mudança no texto impacta a vida dos brasileiros.

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Devido à complexidade, a equipe econômica liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, preferiu encaminhar o projeto por partes. A primeira foi entregue ao Congresso em julho de 2020 e trata da unificação do PIS com a Cofins (PL 3.887/20), que visa dar maior simplificação no pagamento de tributos federais sobre o consumo - criando a contribuição sobre bens e serviços (CBS). O texto prevê uma alíquota de 12%, em que cada empresa somente paga a CBS sobre o valor que agrega ao produto ou serviço.

O Governo já admitiu que pode suportar uma redução de alíquota para até 10%. Mas, segundo cálculos realizados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o real percentual a cobrir PIS e Cofins deveria ser de 8,3%. A entidade bate forte na equipe econômica, reclamando que representa um aumento da carga tributária.

No entanto, a disputa mais ferrenha está sendo em torno da segunda fase da proposta, entregue há poucos dias por Guedes ao Congresso e que trata sobre a reformulação do Imposto sobre a Renda (PL 3.237/21). A premissa de Guedes foi justiça tributária, mas - segundo ele próprio admite - o arrocho veio de forma desmedida sobre empresas, que gritaram alto.

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Para se chegar ao denominador comum, muitos ajustes finos devem ser realizados e isso impacta diversos setores. Nesta fase, a reforma trata sobre IR de pessoas e empresas, lucros e dividendos, imposto sobre investimentos em fundos, repasses de recursos para estados e municípios, benefícios fiscais, entre outros pontos. Retirar o peso sobre uma classe significa aumentar o arrocho sobre outra tão importante quanto.

Já no Congresso, sob a tutela do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), e sob pressão de setores econômicos, vieram as mudanças. A principal, a forte desoneração do IR das empresas, dos atuais 25% para 12,5%, abaixo dos 15% propostos inicialmente por Guedes. Como contramedida, a solução para o Governo reaver a arrecadação seria aumentar a alíquota da CBS.

Porém, a redução agressiva da alíquota de IRPJ acaba diminuindo a arrecadação e prejudica os estados e municípios, que recebem parte do IR via Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM). Isso fez com que a reação em renúncia à proposta viesse do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz), que cobrou respeito ao Pacto Federativo e faz pressão pela rejeição integral do texto.

Cálculos da entidade demonstram que mais de 90% do custo com a desoneração das empresas recairia sobre estados e municípios, uma conta de R$ 27,4 bilhões. Esses são recursos que seriam aplicados no financiamento de serviços de saúde e educação, e que beneficiariam sobretudo a população mais pobre.

"Dessa forma, o relatório, tal qual apresentado, deve agravar a má distribuição de renda no País, não só por desonerar a renda de capital que beneficia principalmente os mais ricos, como também por reduzir o montante de recursos disponíveis para serem aplicados em programas sociais", diz a carta do Comsefaz.

Para o economista e ex-secretário de Finanças de Fortaleza, Alexandre Cialdini, retomar a cobrança sobre lucros e dividendos foi um avanço (deixou de tributar a partir de 1997), mas básico se comparado a outros países. Porém, a opção de enviar a reforma fatiada é um defeito. "Toda reforma precisa de uma prospecção evolutiva. Quando fazemos essa reforma fatiada, não há transparência completa, tem um viés eleitoreiro".

Cialdini critica ainda o prejuízo que fica para estados e municípios, o que mostra uma descoordenação do Governo sobre a proposta, que vai sendo desfigurada. "A grande maioria dos municípios brasileiros é de pequenos e dependem de recursos do FPM". E complementa: "O meu receio é que a reforma coloque um bode no meio da sala, piore o sistema e deixe uma dificuldade maior para um próximo governo que venha assumir".

O economista e consultor Henrique Marinho entende que existe um lobby muito forte de forma a manter privilégios para alguns segmentos. Outra crítica que faz é que a queda da tributação sobre empresas vai impulsionar a pejotização - quando profissionais abrem empresas prestadoras de serviços para serem menos taxadas no IRPJ ao invés de ser no IRPF. Ainda há o caso dos benefícios tributários, que, se cortados na raiz, como imagina o relator, poderia gerar efeitos danosos, como o fim de vale-refeição e vale-transporte.

Num apanhado geral, Henrique entende que o brasileiro precisa pagar menos impostos indiretos (ICMS, ISS, Pis/Cofins) e é preciso de ajustes, pois eles são bem progressivos, cobrando o mesmo do pobre e do milionário. "Fazer uma reforma ideal é muito difícil, pois o Governo quer arrecadar mais e empresas, trabalhadores e sócios querem pagar menos. (Mas) O imposto justo é aquele em que os cidadãos recebem os serviços públicos de qualidade em retorno".

Enquanto isso, fica o discurso de que aumentam-se os isentos de pagar o imposto sobre a renda no Brasil, quando se eleva de R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil o limite da isenção, mas aumenta-se a restrição da declaração de forma simplificada. O texto versa que o teto deve ser de R$ 40 mil de rendimentos anuais para a declaração simplificada. Antes o desconto de 20% era para limite até R$ 83,7 mil por ano. Pela proposta, portanto, os que ganham entre R$ 3,3 mil e R$ 6,9 mil mensalmente terão de declarar no modo completo, pagando assim mais do que agora.

A REFORMA E QUEM ELA IMPACTA

1º Fatia: A CRIAÇÃO DO CBS

Enviada ao Congresso em julho de 2020, a primeira parte da reforma tributária tinha como objetivo discutir a fusão de PIS/Pasep com Cofins, numa alíquota geral de 12%, criando uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A expectativa era que a receita conjunta desses tributos saltaria cerca de 20%, algo em torno de R$ 60 bilhões adicionais aos cofres do Governo.

Entre os aspectos técnicos da CBS está o aferimento de receita bruta decorrente de venda de um bem ou serviço, o que, no futuro, permitiria "casar" com o IBS ou qualquer outro tipo de IVA, imposto que abrangeria a reformulação de impostos estaduais e municipais.

Entre os setores que terão isenções de CBS estão o transporte coletivo urbano, cooperativas, áreas de livre comércio (ZFM e ALCs), além dos produtos da cesta básica e vendas "in natura", que inclui tudo do agronegócio.

A arrecadação da CBS é destinada a financiar a Previdência Social e ao BNDES, que ficaria com 5,3% do valor arrecadado.

2º Fatia: REFORMA DO IMPOSTO DE RENDA

Impactos para pessoa física:
Enviada ao Congresso no dia 25 de junho, o projeto de reforma do IR para empresas e indivíduos prevê uma atualização da tabela do IRPF, em que a taxa de isenção sobe de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais. Isso reduziria em 5,6 milhões de contribuições ao leão.

No processo de declaração do IR haverá limitação à opção de declaração simplificada, que permite desconto de 20% no IRPF. O benefício será mantido para quem recebe até R$ 40 mil por ano. A volta da tributação sobre lucros e dividendos em 20% na fonte.

A indústria farmacêutica já fala em aumentar o valor dos remédios controlados em 12% com aumento da carga tributária proposta na reforma.

Impactos para pessoa jurídica:
No caso das empresas, o texto do relator foi radical em reduzir ainda mais a alíquota geral do IRPJ dos 15% propostos pelo Governo para 5%, em 2022, e 2,5%, a partir de 2023. Na proposta original, a alíquota cairia para 12,5%, em 2022, e 10%, em 2023. A estimativa inicial do governo era que essa medida levaria a uma perda de arrecadação de R$ 18,5 bilhões em 2022 e R$ 39,3 bilhões em 2023. No entanto, o impacto será ainda maior com a redução da alíquota proposta no relatório.

Impactos para os investidores:
Já a tributação sobre os fundos de investimentos foi quase toda desfeita. A proposta original do Executivo determina que fundos fechados (multimercados) terão o mesmo tratamento dos fundos abertos de tributação periódica, conhecida como "come-cotas", com pagamento em novembro. O relator, porém, inclui exceções, como os Fundos de Investimento Imobiliário (FII).

Impactos para os trabalhadores:
Será cortado o benefício fiscal que permite que empresas que oferecem vale-alimentação e vale-refeição aos funcionários possam deduzir essa despesa no IR no regime de lucro real. Segundo o Governo, 280 mil empresas oferecem benefícios e o impacto vem sobre parte dos 22,3 milhões de trabalhadores dessas firmas.

Fonte: Agência Câmara / Análise do Instituto Atlântico

Os impactos da Reforma*

Reforma como redutora de desigualdades

O coordenador executivo do Cento de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nelson Marconi, entende que desde que foi anunciada, a reforma do Imposto de Renda vinha na direção certa, tributando lucros e dividendos, como forma de justiça fiscal, pois até então estavam isentos. Mas, após reação das empresas, a resposta veio equivocada.

Ele lembra a forte redução do imposto sobre empresas, uma queda de arrecadação de R$ 30 bilhões, virá num momento em que o Governo tem um rombo. "Ao mudar tanto a proposta, não sabemos qual é a proposta do Governo, a sua real intenção. A proposta está agora toda em frangalhos, está toda mudada. (E, com o fatiamento da reforma,) Não está claro o que vai acontecer".

As distorções brasileiras e a taxação sobre lucros

Já o tributarista, Hugo de Brito Machado Segundo, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e colunista O POVO, entende que, quando vivemos num ambiente em que a taxação sobre as empresas é muito pesada e há isenção de lucros e dividendos, estamos onerando todas as empresas, não importando se elas distribuem lucros ou se reinvestem. Quando diminui-se a pressão na empresa e passa a taxar lucros, isso deve gerar incentivo ao reinvestimento, pois fica sujeito a uma carga menor. O que pode gerar impacto positivo no preço final dos produtos ao consumidor.

Diz que o Brasil enfrenta distorções. Na Europa, por exemplo, as taxas do IR são de 40% e cobradas para pessoas físicas a partir de mil euros, mas essa mesma renda no Brasil seria o topo da pirâmide. "No Brasil, a alíquota máxima é 27,5%, mas cobrada sobre a base da pirâmide. Nós temos uma tributação sobre o consumo muito pesada, que é regressiva - pois cobra o mesmo de quem ganha menos de uma salário mínimo e do multimilionário"

Reforma errática seria uma catástrofe

Subscritora da carta do Comsefaz, a secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz), Fernanda Pacobahyba, vê vários problemas na atual proposta. Ela destaca que, quando o Governo permite um corte do IRPJ de 25% para 2,5% a partir de 2023, mostra que não sabe aonde quer chegar com as mudanças. Essa queda na arrecadação viria quase que inteiramente ao encontro dos estados e municípios. "Antes você não fazer nada do que ter um retrocesso."

Também avalia como um atentado ao desenvolvimento regional. "Estamos na pior catástrofe desse país em termos de investimento público". E continua: "Isso é uma catástrofe. O que esperar de um país que não consegue sustentar a própria estrutura?"

*Nelson, Hugo e Fernanda foram os convidados dessa semana na live Economia na Real que tratou sobre Reforma Tributária. O debate completo, você pode assistir no YouTube, Linkedin e Facebook do O POVO.

 

PEQUENAS EMPRESAS

Everardo Maciel ainda critica a redução da isenção para a tributação de dividendos de R$ 20 mil para R$ 2,5 mil, pois prejudicaria a micro e a pequena empresa. Ele disse ao Correio Braziliense que a proposta acaba com a declaração simplificada, com o Simples e o lucro presumido.

A Reforma tributária e quem ela impacta

1º Fatia: A CRIAÇÃO DO CBS

Enviada ao Congresso em julho de 2020, a primeira parte da reforma tributária tinha como objetivo discutir a fusão de PIS/Pasep com Cofins, numa alíquota geral de 12%, criando uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A expectativa era que a receita conjunta desses tributos saltaria cerca de 20%, algo em torno de R$ 60 bilhões adicionais aos cofres do Governo.

Entre os aspectos técnicos da CBS está o aferimento de receita bruta decorrente de venda de um bem ou serviço, o que, no futuro, permitiria "casar" com o IBS ou qualquer outro tipo de IVA, imposto que abrangeria a reformulação de impostos estaduais e municipais.

Entre os setores que terão isenções de CBS estão o transporte coletivo urbano, cooperativas, áreas de livre comércio (ZFM e ALCs), além dos produtos da cesta básica e vendas "in natura", que inclui tudo do agronegócio.

A arrecadação da CBS é destinada a financiar a Previdência Social e ao BNDES, que ficaria com 5,3% do valor arrecadado.

2º Fatia: REFORMA DO IMPOSTO DE RENDA
Impactos para pessoa física:
Enviada ao Congresso no dia 25 de junho, o projeto de reforma do IR para empresas e indivíduos prevê uma atualização da tabela do IRPF, em que a taxa de isenção sobe de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais. Isso reduziria em 5,6 milhões de contribuições ao leão.

No processo de declaração do IR haverá limitação à opção de declaração simplificada, que permite desconto de 20% no IRPF. O benefício será mantido para quem recebe até R$ 40 mil por ano. A volta da tributação sobre lucros e dividendos em 20% na fonte.

A indústria farmacêutica já fala em aumentar o valor dos remédios controlados em 12% com aumento da carga tributária proposta na reforma.

Impactos para pessoa jurídica:
No caso das empresas, o texto do relator foi radical em reduzir ainda mais a alíquota geral do IRPJ dos 15% propostos pelo Governo para 5%, em 2022, e 2,5%, a partir de 2023. Na proposta original, a alíquota cairia para 12,5%, em 2022, e 10%, em 2023. A estimativa inicial do governo era que essa medida levaria a uma perda de arrecadação de R$ 18,5 bilhões em 2022 e R$ 39,3 bilhões em 2023. No entanto, o impacto será ainda maior com a redução da alíquota proposta no relatório.

Impactos para os investidores:
Já a tributação sobre os fundos de investimentos foi quase toda desfeita. A proposta original do Executivo determina que fundos fechados (multimercados) terão o mesmo tratamento dos fundos abertos de tributação periódica, conhecida como "come-cotas", com pagamento em novembro. O relator, porém, inclui exceções, como os Fundos de Investimento Imobiliário (FII).

Impactos para os trabalhadores:
Será cortado o benefício fiscal que permite que empresas que oferecem vale-alimentação e vale-refeição aos funcionários possam deduzir essa despesa no IR no regime de lucro real. Segundo o Governo, 280 mil empresas oferecem benefícios e o impacto vem sobre parte dos 22,3 milhões de trabalhadores dessas firmas.

Fonte: Agência Câmara / Análise do Instituto Atlântico

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