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Disparidade entre o salário mínimo e o ideal para a sobrevivência é a maior em 13 anos
Reportagem

Disparidade entre o salário mínimo e o ideal para a sobrevivência é a maior em 13 anos

Enquanto o índice de inflação nos últimos 12 meses acumula alta acima do teto da meta, pressionando especialmente os custos em itens essenciais, como energia elétrica e alimentação, o salário mínimo não tem perdas repostas para os mais pobres. De acordo com cálculo do Dieese, salário ideal para uma família de quatro pessoas seria de R$ 5.421,84
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O salário ideal para uma família de quatro pessoas seria de R$ 5.421,84 (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil O salário ideal para uma família de quatro pessoas seria de R$ 5.421,84

O valor do salário mínimo dos brasileiros nunca esteve valendo tão pouco nos últimos anos. Os R$ 1.100 nominais definidos em lei compõem somente 20,28% do que é tido como o rendimento necessário para a sobrevivência de uma família de quatro pessoas, estimado em R$ 5.421,84, em junho. Esse foi o pior resultado para o mês nos últimos 13 anos.

O cálculo do salário ideal é feito mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). E leva em consideração os gastos básicos de uma família de dois adultos e duas crianças.

Em dezembro de 2010, por exemplo, o mínimo nominal era de R$ 510, enquanto o cálculo de salário ideal para uma família de quatro pessoas, sendo dois adultos e duas crianças, era estimado em R$ 2.227,53. Apesar de diferença com os resultados mais recentes, em termos nominais, isso permitia cobrir 22,89% do tido como necessário para a sobrevivência.

Na série histórica do Dieese, iniciada em 1994, nos períodos mais críticos na diferença salarial entre o que estava previsto em lei e o que seria realmente necessário para as famílias, vemos que a disparidade sempre foi grande. Houve momentos, como em abril de 1995, que o mínimo de R$ 70 apenas atendia 8,61% do que seria o previsto para uma família de dois adultos e duas crianças, de R$ 812,78.

  • O atual salário mínimo de R$ 1.100 compõe apenas 20,28% dos R$ 5.421,84 calculados como o salário mínimo ideal para uma família brasileira de quatro pessoas.
  • Durante três recortes em meio à pandemia, entre junho de 2020 e junho de 2021, o salário mínimo vigente no período compôs, em média, 20,9% do total tido como salário ideal na ocasião.
  • Quando analisamos os 18 períodos entre junho de 2011 e dezembro de 2019, o salário mínimo vigente no período compôs, em média, 23,99% do total tido como salário ideal para os brasileiros.

O supervisor técnico do Dieese no Ceará, Reginaldo Aguiar, explica que esse processo de desvalorização do salário mínimo é de longa data. Lembra que um trabalhador recebeu o valor pela primeira vez no País em julho de 1940. Era um salário que valeria hoje aproximadamente R$ 2.090.

O fator negativo para essa história de correção é que não havia política bem definida para a reposição do valor, o que prejudicou os trabalhadores ao longo das décadas seguintes. Reginaldo ainda afirma que o reajuste dependeu muito de vontade política.

Na década de 1990, por exemplo, tivemos Fernando Henrique Cardoso com ações de valorização do mínimo, mas também houve a época de Fernando Collor, em que as reposições não foram na mesma proporção. Uma política de valorização do mínimo por critérios técnicos só veio no governo Lula, em variáveis que levavam em consideração inflação e repasse do percentual de crescimento do PIB consolidado com dois anos de defasagem.

O cálculo, porém, a partir da crise de 2015 e 2016 - com quedas do PIB acumuladas em 7% que ainda não foram recuperadas - não permitiu mais aumentos reais. No atual governo, por exemplo, não há política de valorização do salário mínimo, sendo feita a reposição apenas pela inflação.

Esse histórico já determinaria um momento desafiador por si só, mas, por conta da pandemia, os desafios aumentaram de sobremaneira. O cenário de inflação do País, que está em alta e vem provocando a carestia de preços de produtos básicos para a sobrevivência, deve fazer com que o reajuste do mínimo seja o maior em seis anos. A notícia, porém, não é positiva, pois será um reajuste sem ganho real, apenas para recompor as perdas já contabilizadas em 2021.

A previsão do mercado financeiro para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - considerada a inflação oficial do País - subiu de 6,56% para 6,79% neste ano. A estimativa foi publicada no Boletim Focus, do Banco Central (BC).

O cálculo previsto pelo mercado está bem acima da meta de inflação perseguida pelo BC, que era de 3,75% para o ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual (p.p.) para cima ou para baixo. Ou seja, isso definiria um limite de tolerância de até 5,25%.

Para o doutor em Administração e professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Josilmar Cordenonssi, a nova crise, enquanto o Brasil encontrava dificuldades em se recuperar da anterior, gerou um problema estrutural grave. No que se refere a salários e preços, há o risco iminente de que a reposição do salário nem surta efeito na economia real.

"Quando falamos de salário mínimo, pensamos que esse seria o piso da remuneração do salário do trabalhador do Brasil. Mas quando vemos as pesquisas, muitos trabalhadores sobrevivem da economia informal (40% dos trabalhadores, segundo o IBGE) e recebem menos do que esse salário básico. Temos um problema, pois é um salário mínimo fora do praticado no mercado, mesmo que, olhando objetivamente, seja muito baixo comparado ao custo de uma cesta básica, por exemplo."

FOME

O principal levantamento internacional sobre a fome no mundo revela que a crise alimentar voltou a abalar de forma significativa o Brasil. Entre 2018 e 2020, a insegurança alimentar grave atingiu 7,5 milhões de brasileiros. O número era de 3,9 milhões entre 2014 e 2016.

RETOMADA

Com o processo de retomada econômica e aumento de demanda ao mercado, era esperado um repique de inflação. Porém, com a alta dolarização de setores importantes, como energia, alimentos e combustíveis, o custo da maioria das cadeias econômicas aumentou, mas o consumidor não pode diminuir o consumo por se tratar de produtos essenciais.

QUESTÕES CENTRAIS

O POVO fez questionamentos parecidos a especialistas no que diz respeito aos temas de interesse centrais.

AUMENTO DA POBREZA

Para os analistas, a combinação de carestia de preços, desemprego em alta e recursos de auxílio pouco eficientes devem ocasionar, sim, aumento do índice de pobreza.

COMO FICARÃO OS PREÇOS

O entendimento é que há um desarranjo estrutural. Preços de produtos primários para sobrevivência, como alimentos e energia devem continuar em alta no curto prazo, além do preço dos combustíveis. Juntos, esses custos devem aumentar os preços nas mais diversas cadeias de consumo.

O QUE É PRECISO MUDAR

Entre as mudanças estruturais propostas pelos analistas estão reformas estruturantes que contribuam para diminuir os gastos públicos. Racionalizar o sistema tributário é citado, principalmente, ao combater o gargalo dos impostos indiretos.

O QUE IMPEDE ESSE MUDANÇA

Foi citado pelos especialistas como o principal fator para realizar as mudanças necessárias o político. O caso específico da discussão em torno do retorno do voto impresso é o exemplo do momento.

Fontes: Alessandra Araújo, professora da Universidade Federal do Ceará e coordenadora do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) em Sobral, e Josilmar Cordenonssi, doutor em Administração e professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

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