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Em meio à crise, "favelização" cresce no Norte e Nordeste
Reportagem

Em meio à crise, "favelização" cresce no Norte e Nordeste

Fortaleza possui a quinta maior taxa de domicílios precários do Brasil. Belém e Manaus possuem mais de 50% dos domicílios em condições precárias. Aumento da pobreza com a crise econômica agravou o índice. Expectativa é de que pandemia e carestia agravem ainda mais a situação neste ano
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Gabriela de Farias, diarista, é moradora da comunidade Barroso II (Foto: Yago Albuquerque / Especial para O Povo)
Foto: Yago Albuquerque / Especial para O Povo Gabriela de Farias, diarista, é moradora da comunidade Barroso II

A condição de vida dos brasileiros tem piorado nos últimos anos. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em referência ao ano de 2019 - portanto antes da pandemia e da crise social e econômica que foi instaurada junto -, o número de favelas dobrou no Brasil em dez anos. Quando olhamos mais atentamente aos dados, é possível perceber que a desigualdade regional pressiona os estados mais pobres e o retrato do Ceará mostra bem isso: Fortaleza é a quinta capital com mais domicílios em condições precárias no País.

É notável no levantamento o fato de que das dez cidades com maior concentração de favelas, oito sejam capitais do Norte e Nordeste e que elas ocupem as sete primeiras posições desse triste ranking. Em Belém e Manaus temos as condições mais alarmantes: é onde há a maior proporção de favelas dentre o total de domicílios nas cidades, 55,5% e 53,4%, respectivamente. Em Fortaleza, o índice é de 23,6%, o terceiro maior do Nordeste, somente atrás de Salvador (42%) e São Luís (32,4%).

As pessoas que moram nessas regiões, denominadas pelo IBGE como aglomerados ou domicílios subnormais, têm vivências parecidas com a de Gabriela de Farias, diarista, de 28 anos, que mora na comunidade do Barroso II. Há cinco anos reside numa casa com o marido e a filha numa casa de cinco cômodos - sendo um quarto. Antes vivia com a mãe e dois irmãos, numa rua de chão batido, no Parque Santa Maria, às margens de um rio que alaga as casas quando chove.

Esse histórico é parecido a outra faceta comum do Ceará: está entre os estados com maior inadequação edilícia, que é quando faltam quartos para a necessidade das famílias, ou o tipo de materiais de cobertura do teto ou piso não são os ideais. O Estado aparece entre as situações mais críticas quando o assunto é cômodos servindo de dormitório e ausência de banheiro nos domicílios.

Mesmo morando a poucos quilômetros da Arena Castelão, a comunidade ainda luta por benefícios básicos. Diferente da vivência na infância, onde não havia saneamento básico, Gabriela conta que no Barroso II falta atenção em saúde, cultura e educação. Se quiser algum serviço, precisa se locomover.

Gabriela de Farias, diarista de 28 anos
Gabriela de Farias, diarista de 28 anos (Foto: Yago Albuquerque / Especial para O Povo)

"Faltam projetos de cultura e educação para os jovens, falta posto de saúde. Se não puder pagar um plano particular, precisa pagar um Uber ou ir a pé e é uma caminhada longa até outro bairro. Escola tem, mas também é afastada", enfatiza. Sobre a qualidade das construções da comunidade lembra: há alguns anos, uma construção em obras desabou, matando uma pessoa.

A diarista conta que durante a pandemia a pobreza aumentou. Muitos vizinhos estão desempregados. Ela espera que as demandas para a comunidade sejam atendidas para que as pessoas tenham mais oportunidades, "até para prevenir que os mais jovens não entrem no caminho errado", já que a comunidade também sofre com o domínio de facções criminosas.

Imagem aérea do Bairro Pirambu e Vila do Mar em Fortaleza
Imagem aérea do Bairro Pirambu e Vila do Mar em Fortaleza (Foto: FCO FONTENELE)

João Mário Santos de França, diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), afirma que esse cenário complicado expõe ainda mais o problema da gestão das desigualdades regionais. Segundo ele, o problema que era muito claro, piorou muito desde o início do processo recessivo da economia brasileira, a partir de 2015.

"Em 2015 e 2016, a retomada foi lenta, aí veio a pandemia. A situação piorou no Brasil como um todo, mas como o Nordeste e o Norte já eram regiões bem afetadas", enfatiza. João Mário diz que o mais urgente agora é preparar um colchão social, dando prioridade à transferência de renda com regras claras - em que a continuidade do Auxílio Emergencial deve ser estudada - além de estabilidade política para gerar condições de dinamizar a economia, pois economia estagnada contribui para aumento de pobreza.

"A preocupação é que com o processo inflacionário, com inflação em dois dígitos principalmente sobre os alimentos, a tendência é que a fome e pobreza tenham piorado muito em 2021 porque a carestia está pesando muito no bolso dos mais pobres", completa.

GLOSSÁRIO

Os aglomerados subnormais são formas de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia (públicos ou privados) para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas que apresentam restrições à ocupação. Exemplos: favela, invasão, baixada, comunidade, palafita, loteamento, vila.

 

INFLAÇÃO

Ainda não foi divulgada em 2021 pesquisa abrangente sobre o impacto da crise na problemática da insegurança alimentar e aumento da quantidade de favelas. A alta taxa de desemprego e inflação são problemas importantes a serem considerados, uma vez que ainda são mais de 14 milhões de desempregados e a inflação sobre os itens mais básicos, como alimentação, superam dois dígitos. A percepção dos analistas é de que teremos uma explosão da quantidade de pessoas tanto em situação de insegurança alimentar, quanto das que se abrigam em domicílios subnormais.

FAVELAS NO BRASIL

Capitais com maior proporção de favelas dentre o total de domicílios (%):

Belém - 55,5
Manaus - 53,4
Salvador - 42
São Luís - 32,4
Fortaleza - 23,6
Recife - 19,5
Teresina - 19,5
Rio de Janeiro - 19,3
Maceió - 17,3
São Paulo - 12,9

Estados com maior proporção de favelas dentre o total de domicílios (%):

Amazonas - 34,6
Espírito Santo - 26,1
Amapá - 21,6
Pará - 19,7
Rio de Janeiro - 12,6
Bahia - 10,6
Pernambuco - 10,5
Ceará - 9,2
Acre - 8,5
Maranhão - 7,9
Sergipe - 7,3
São Paulo - 7,1

Fonte: Fundação João Pinheiro / IBGE

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