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Comunicado usa nome de facções para dizer quem pode operar jogo do bicho, informa advogada
Reportagem

Comunicado usa nome de facções para dizer quem pode operar jogo do bicho, informa advogada

| INVESTIGAÇÃO | A Polícia recebeu dos advogados do Paratodos o número da placa da moto de um homem que ameaçou incendiar a agência e banca da loteria que voltou a operar com o jogo do bicho
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FORTALEZA,CE, BRASIL, 28.10.2021: Katarina Landim, advogada. Agência e bancas de jogos do bicho da Paratodos, são incendiadas no centro.   (Fotos: Fabio Lima/O POVO) (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA FORTALEZA,CE, BRASIL, 28.10.2021: Katarina Landim, advogada. Agência e bancas de jogos do bicho da Paratodos, são incendiadas no centro. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

A concorrência entre bicheiros de Fortaleza, a maior parte remanescente de ex-sócios ou de familiares do grupo que controlava o Paratodos, pode estar por trás dos incêndios e ataques a agências e bancas do grupo mais antigo que trabalha com a contravenção penal.

O ponto da discórdia seria a premiação alta paga pelo Paratodos. As loterias concorrentes estariam incomodadas com os valores acima do percentual praticado pelo mercado da jogatina.

A advogada Katarina Landim revela como o Paratodos voltou a atuar depois da operação da Polícia Federal que fechou o Banco Paratodos em 2008.

O POVO – Como o Paratodos voltou a funcionar se foi fechado em 2008, depois da operação Arca de Noé da Polícia Federal?

Katarina Landim – Até o dia 3 de novembro era por força de uma liminar da 2ª Vara da Fazenda Pública do Ceará. A liminar foi concedida em março de 2020 pelo doutor Francisco das Chagas Barreto. No meio desse processo, outro juiz que não era nem o titular da 2ª Vara da Fazenda Pública considerou que o nosso pedido não era de competência estadual e sim, federal. Na Justiça Federal, o juiz entendeu que a nossa liminar não deveria prosseguir e cassou. Nós agravamos para o TRF-5 (Tribunal Regional Eleitoral da 5ª Região, em Recife) e o TRF-5 entendeu que a nossa liminar tinha efeito. Coincidentemente saiu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou a ADPF 492 493 e revogou o artigo da Lei 6457/1964. A Lei dizia que era competência exclusiva da União legislar sobre o jogo do bicho. A competência voltou a ser do Estado. O desembargador federal entendeu que a liminar era válida e, com a decisão do STF, não tinha mais o que se discutir. Encaminhou o processo de volta para a Justiça Estadual, tudo isso aconteceu em uma semana em setembro. E, no último dia 4 de novembro, o doutor Barreto julgou o mérito da questão e autorizou nosso funcionamento via convênio com a Secretaria do Turismo do Ceará (Setur). 

OP – Que convênio é esse?

Katarina Landim – Havia uma parceria da Paratodos com o dono da Loteria Social, ele tinha conseguido autorização para funcionar através desse convênio com a Setur. Recolhia R$ 15 mil reais para o Fundtur (Fundo de Turismo do Ceará) e tinha autorização para fazer o jogo. Após a morte do seu Chico Mororó (em 2020), a parceria da Paratodos com a Loteria Social foi desfeita e entramos na justiça pedindo que fossem concedidos os mesmos direitos e deveres da Loteria Social.

OP – São quantos sócios antigos do jogo do bicho no Parartodos?

Katarina Landim – São 13 senhores. Na época do seu Mororó eram 30 sócios. Após o falecimento dele, a Loteria Social levou a autorização que garantia o funcionamento. E deixou a gente sem nada. E aí, lógico, nós não iríamos abrir esse prédio (o Banco Paratodos, fechado pela Justiça Federal ainda em 2008 na Operação Arca de Noé) sem um respaldo legal. O nome Paratodos ressurgiu depois, até então aqui iria funcionar a Loteria Social.

OP – Vocês abriram, então, outra empresa?

Katarina Landim – A gente abriu a empresa Loteria Popular com os 13 sócios do Paratodos. Abrimos e entramos na Justiça porque não iríamos funcionar sem o respaldo legal.

OP – Hoje vocês são concorrentes da Loteria Social?

Katarina Landim – Não. Porque a loteria Social já fechou e eles com outros parceiros fundaram a Loteria do Povo. Porém, se separaram também da Loteria do Povo nasceu a Loteria Show. Hoje, nossos concorrentes.

OP – A loteria Popular passou a funcionar quando no prédio do Paratodos?

Katarina Landim – Conseguimos a autorização e veio a pandemia, e aproveitamos para reformar o prédio. A gente tinha recebido o prédio há um ano e pouco da Justiça. Ele foi abandonado por 12 anos (desde a Operação Arca de Noé, em 2008). O TRT (Tribunal Regional do Trabalho) tinha ficado usando o estacionamento e o almoxarifado. O prédio ficou indisponível durante 12 anos.

OP – O prédio não foi leiloado?

Katarina Landim – Não. A Justiça Federal tentou leiloá-lo e entramos com recursos para impedir. O TRT, então, ficou como fiel depositário. Em 2010, foi julgado um processo improcedente e o único crime que foi reconhecido foi a contravenção penal e o processo foi para a competência do Estado. No dia 8 de junho de 2020, depois que o governador (Camilo Santana, do Ceará) admitiu o retorno gradual do comércio (por causa das restrições da pandemia), a gente inaugurou a Loteria Popular. Porém, como estávamos no prédio da Paratodos que é a casa do jogo em Fortaleza, a tradição, voltamos a usar o nome Paratodos. O Paratodos é o nome fictício, é a marca. O jurídico é Loteria Popular.

OP – O Paratodos paga uma porcentagem à Setur em cima da arrecadação do jogo do bicho?

Katarina Landim – Na verdade não é porcentagem, pagamos R$ 15 mil mensalmente.

OP – O jogo do bicho continua sendo uma contravenção, qual a brecha que vocês acharam na lei para funcionar?

Katarina Landim – A nossa brecha para conseguir a liminar foi justamente que a Loteria Social tinha sido autorizada pelo governo do Estado através de convênio pelo Fundtur. O Estado concedeu autorização para a Loteria Social. O pedido de liminar foi baseado na Lei 156 de 2014, que é do Estado. Diz que a Setur pode angariar fundos para investimento no turismo local. Em 2019, essa lei sofreu uma pequena emenda que dizia que poderiam angariar fundos de loterias.

OP – Todas essas loterias do jogo do bicho estão funcionando assim?

Katarina Landim – Não.

OP – A Loteria Social foi a primeira a conseguir autorização para funcionar?

Katarina Landim – Quando saiu a emenda dessa Lei do Fundtur, em 2019, foi realizado um convênio com a Setur. A Loteria Social nasceu quando a Setur passou a poder recolher taxas de loterias. Entramos na Justiça pedindo os mesmos direitos e deveres para a Loteria Popular e conseguimos.

OP – A contribuição é igual para todo mundo?

Karina Landim – A nossa foi espelhada no valor que a Loteria Show pagava. É um valor fixo por mês. Foi feita uma negociação na Secretaria e chegaram a esse valor.

OP – Daí vocês passaram a operar com a autorização?

Katarina Landim – Na verdade, a gente não parou as atividades porque não fomos comunicados da decisão da queda da liminar na Justiça Estadual. Não veio um oficial de Justiça fazer a notificação. A reinauguração do Banco Paratodos, da Loteria Popular/Paratodos, foi em 8 de junho de 2020.

OP – Por que incendiaram as bancas do Paratodos?

Katarina Landim – Quando chegam para ameaçar os cambistas da Paratodos, os criminosos dizem que só quem pode operar naquele local uma determinada loteria. Não podemos dizer o nome porque não está provado, mas está nos comunicados supostamente escritos pelas facções. A Polícia Civil sabe o nome.

OP – Em quais bairros vocês atuam?

Katarina Landim – Em todos os bairros de Fortaleza, mas o essencial é Centro e Antônio Bezerra. Só no Antônio Bezerra temos mais de 60 bancas e no Centro também de 50 a 60.

OP – Isso é pouco ou é muito?

Katarina Landim – É pouco. A gente tinha 3 mil bancas, entre Fortaleza e Caucaia, antes da operação da Polícia Federal, em 2008. Hoje, juntando tudo, temos umas 150 bancas. O Paratodos, hoje, tem 2% a 3% do mercado.

OP – Vocês desconfiam quem esteja mandando incendiar e fechar bancas do Paratodos?

Katarina Landim – Quando chegam para ameaçar os cambistas do Paratodos, os criminosos falam que só quem pode operar naquele lugar é uma determinada loteria.

OP – Onde entra a facção?

Katrina Landim – É uma mistura. Quando começaram essas ameaças, começaram a circular pelo WhatsApp vários comunicados usando o nome das facções. Que era o Comando Vermelho (CV) e quem fosse ligado à GDE não poderia funcionar. E, como o Paratodos não tinha fechado com eles (CV), não poderia funcionar. Os cambistas têm muitos grupos nos zaps e começamos a receber comunicados deles com esses “avisos” das facções. Tipo, ‘o comando vermelho vai brecar’, aqueles termos bem chulos. E ‘só pode funcionar na região quem é autorizado por nós. Loteria tal, fulano e fulano. Quem não for dessas três aqui, nós vai brecar’. Até então, achamos que era só para meter medo. Até que começou, efetivamente, o ataque patrimonial. Primeiro, aqui na agência Castro e Silva e na praça da Bandeira.

OP – Fizeram o que exatamente?

Katarina Landim – Levantaram a porta, entraram, jogaram gasolina e tocaram fogo na agência. Na praça da Bandeira, onde temos uma banca de revistas alugada, levantaram o teto, jogaram gasolina e incendiaram também. Foram os casos em que houve dano patrimonial. Noutros, eles chegavam de moto nas banquinhas dos cambistas e nas agências e ameaçavam: ‘não pode funcionar Paratodos aqui. Aqui só pode funcionar a loteria tal, me dê sua máquina’. O jogo hoje é feito na máquina tipo cartão de crédito. Aí, recolhe a máquina, o dinheiro e diz para não voltar mais para lá.

OP – Quantas máquinas vocês perderam?

Katarina Landim – De 15 a 20 máquinas. O dinheiro a gente não contabiliza, o apurado do cambista foi levado. Mas eles não levam dizendo que estão roubando, não. Não é roubo. Eles levam dizendo que não pode funcionar o Paratodos. Eles são pagos para recolher o material do jogo e aproveitam e levam o dinheiro. Não é um assalto comum.

OP – Vocês fizeram boletim de ocorrência?

Katarina Landim – Fui ao 34º Distrito Policial, no Centro, na sexta-feira. Antes do primeiro ataque de fogo, informei o número da placa de quem ameaçou na agência. Nas ameaças avisaram que, se continuassem com o jogo, iriam tocar fogo. Foi identificado o proprietário da moto e, por coincidência, ele trabalhava na mesma loteria dos comunicados da facção. Só que ele negou na delegacia, disse que havia vendido a moto seis dias antes. Não há câmeras. 

OP – Onde os incêndios se comunicam com os concorrentes do Paratodos?

Katarina Landim – Desde que o Paratodos abriu, a concorrência de uma forma geral tenta fazer com que a Paratodos feche e não vá para frente. Inclusive envolvendo autoridades que vieram aqui.

OP – Por que o interesse que o Paratodos não funcione?

Katarina Landim – Primeiro de tudo é o nome, a marca. A marca é forte, o prédio (do Banco Paratodos) é endereço tradicional do jogo do bicho no Centro. Na verdade, aqui, é o templo do jogo, é a memória do jogo que está na cabeça de quem gosta de jogar. Você pensa em jogo do bicho, você pensa em Mororó. Você pensa em Mororó, você pensa nesse prédio do Paratodos.

OP – É o medo da marca Paratodos no mercado do jogo?

Katarina Landim – Não é nem pelo prejuízo que o Paratodos causa à concorrência, mas pelo medo que pode vir a causar. No momento atual, o Paratodos não tem esse volume todo de jogo para causar nenhum problema à concorrência. No bolo do mercado, o Paratodos talvez chegue a 3%.

OP – Quanto o Paratodos arrecada hoje?

Katarina Landim – Difícil dizer, não trabalhamos na área da tesouraria. A gente cuida do setor jurídico.

OP – Quanto arrecadava em 2008, quando teve a operação Arca de Noé da Polícia Federal?

Katarina Landim – Era muito dinheiro, aí só pegando os sócios mais antigos. Ou olhar no processo.

OP – O ponto da discórdia com o Paratodos é o prédio?

Katarina Landim – Não. O senhor está olhando para ele (aponta para as placas de cotações das premiações). Eles alegam que essa cotação é fora da prática do mercado, porque é alta. O mercado paga premiações de R$ 4 mil (milhar), R$ 400 (centena), R$ 72 (dezena) e R$ 18 (grupo). O Paratodos, para conseguir um espacinho no mercado, está pagando mais alto. Paga uma premiação maior para o apostador procurar jogar na agência do Paratodos. Pagamos R$ 6 mil (milhar), R$ 600 (centena), R$ 80 (dezena) e R$ 20 (grupo). A nossa oferta deve estar causando o problema.

OP – Quem é a autoridade que veio pedir para o Paratodos parar?

Katarina Landim – Não pediu para parar, pediu para baixar o valor dos prêmios igual à contação praticada pelo mercado. Não veio para dar ordem.

OP – O Comando Vermelho estaria cobrando R$ 800 mil para liberar o funcionamento do Paratodos e outras loterias?

Katarina Landim – O que ouvimos falar, mas sem comprovação, é que seriam R$ 2 milhões. Mas não há prova disso.

OP – Mas o jogo do bicho tem uma arrecadação capaz de pagar tudo isso?

Katarina Landim – Se juntarem todas as bancas! O Paratodos hoje se sustenta com 2% ou 3% do mercado. Os outros 98% têm condição de pagar isso. 

OP – São quantas loterias do jogo do bicho no Ceará?

Katarina Landim – São muitas. Há uma cooperativa que reúne 20 loterias. 

OP – Todas estão autorizadas a funcionar pela justiça estadual, como a Loteria Popular/Partodos?

Katarina Landim – Do que temos conhecimento, apenas duas. A Loteria Popular e a EPP Premiada. Os outros não tenho conhecimento. 

OP – Depois da Operação de 2008, como ficou o jogo do bicho?

Katarina Landim – Muita gente foi operar na clandestinidade. Essa história de se criar nomes de loterias foi depois de 2019, quando veio o primeiro vislumbre de autorização através do convênio com a Setur. Quando a Loteria Popular pediu a equiparação de direitos e deveres na Justiça com a Loteria Social, isso foi um precedente. Muitos entraram, mas nem todos conseguiram. Depois que o processo foi para a competência federal, muitas liminares caíram.

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