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Fio de águas: Cinturão redesenha malha hídrica no Ceará
Reportagem

Fio de águas: Cinturão redesenha malha hídrica no Ceará

Nove anos após a assinatura da ordem de serviço para início das obras, em julho de 2013, Trecho 1 do Cinturão das Águas do Ceará foi inaugurado com 72% de conclusão. A obra é importante por aumentar o alcance da água da Transposição do Rio São Francisco no Ceará
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Barragem de Jati, com passagem das aguas do rio São Francisco integradas ao Cinturão das Águas (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Barragem de Jati, com passagem das aguas do rio São Francisco integradas ao Cinturão das Águas

Depois de quase uma década de obras, os cearenses receberam o Trecho 1 do Cinturão das Águas do Ceará (CAC). Após a inauguração, em 23 de fevereiro, as águas do Rio São Francisco alcançaram Barbalha após entrarem no Estado pelo município de Jati, ambos no Cariri. Iniciada no segundo mandato do ex-governador e atual senador Cid Gomes (PDT), a obra foi entregue no segundo governo do seu sucessor, Camilo Santana (PT), com mais de 72% do total executado.

Foram nove anos entre a assinatura da ordem de serviço de quatro lotes do CAC pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em julho de 2013, e a inauguração do Trecho 1 — batizado de José Welington Landim em homenagem ao ex-deputado e ex-presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), que nasceu em Brejo Santo e faleceu em Fortaleza, em 2015. A obra vai da barragem Jati, no Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), às nascentes do rio Cariús, em Nova Olinda, também no Cariri.

Ao longo dos anos de construção do Trecho 1, houve diversos atrasos por falta de recursos e diferentes datas de entrega foram anunciadas. Em 20 de agosto de 2013, o então governador Cid Gomes havia apontado a previsão para o fim do ano seguinte.

Matéria "Projeto vai disponibilizar R$ 162 mi para produtores rurais" / Coordenada "Águas do rio São Francisco devem chegar ao Ceará até o fim de 2014, diz governador"(Foto: DATADOC)
Foto: DATADOC Matéria "Projeto vai disponibilizar R$ 162 mi para produtores rurais" / Coordenada "Águas do rio São Francisco devem chegar ao Ceará até o fim de 2014, diz governador"

Também foi necessária adequação do planejamento de execução da obra, e os lotes 1, 2 e 5 tiveram de ser priorizados. São eles que, hoje, estão concluídos. “Esse trabalho de ter um planejamento executado no caminho da água foi muito importante. Por isso que, sem estar 100% pronto, hoje, o Cinturão das Águas está funcional”, afirma Francisco Teixeira, titular da Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH).

Ao todo, são 145,3 km de extensão. Esse primeiro trecho é dividido em cinco lotes — com segmentos de canal a céu aberto, túneis e sifões —, dos quais três estão concluídos. “Faltam esses 28% e, não faltando recurso, pretendemos concluir no final de 2023, início de 2024. E aí a água poderia também atingir o açude Orós (na bacia do Alto Jaguaribe)”, acrescenta o secretário. Atualmente com 28,31% da capacidade máxima de 1.940hm³, o Orós é o segundo maior reservatório de água do Ceará, só atrás do Castanhão (6.700hm³).

Teixeira destaca a importância do CAC para dar maior capilaridade às águas do PISF. “O Cinturão das Águas é um canal muito importante para aproximar a água da segunda região de maior densidade demográfica do Ceará. Ele vai dar capilaridade à água do São Francisco nos municípios do Cariri, passando muito próximo às sedes municipais deles, sobretudo do polo Crajubar — Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha”, afirma. O investimento é de R$ 1,1 bilhão, e ele irá beneficiar 4,5 milhões de cearenses.

"Hoje, o Cinturão das Águas está funcional" Francisco Teixeira

Para Wyldevânio Vieira da Silva, presidente do Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Salgado (CBHS), o Cinturão das Águas é “um grande marco” na história do desenvolvimento e dos recursos hídricos no Ceará. Ele aponta que a obra do CAC “sem dúvida nenhuma” terá impactos positivos para a economia cearense e para o desenvolvimento do Estado como um todo.

“Sabemos que o Castanhão é o maior reservatório que o Estado tem, e estrategicamente falando é fundamental, mas a obra do CAC vai trazer, para o Estado e consequentemente para o Castanhão, uma segurança hídrica que coloca o Estado em uma visão de desenvolvimento diferente da que tínhamos antes”, avalia o presidente do CBHS.

Vieira explica que uma preocupação atual na região é em relação ao valor que será cobrado pelo uso da água da transposição. “É uma discussão que ainda está sendo consolidada do Governo do Estado e com o Governo Federal, porque essa água não vem de graça. Mas a expectativa é que ela possa servir de forma democrática e justa toda a população do Estado.”

A água do Velho Chico também tem papel importante para a segurança hídrica da Capital e da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). No início de fevereiro, no dia 9, parte da água do rio São Francisco foi liberada pela segunda vez para o açude Castanhão, maior reservatório de água do Ceará.

Naquele dia, por meio da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), a SRH abriu a comporta do quilômetro 53 do CAC, em Missão Velha. De lá até o reservatório são 300 km, passando pelo riacho Seco, pelo rio Salgado e pelo rio Jaguaribe. O Velho Chico fez esse percurso pela primeira vez em março do ano passado.

“Essa obra, como outras obras hídricas — como foi o Eixão das Águas, como foi o Canal do Trabalhador, no passado, como vai ser o Ramal do Salgado — é muito importante. Como é o Projeto Malha d’água, principalmente, que dá maior capilaridade à água no território. Nós precisamos aproximar a água das cidades, das populações, e o Cinturão vai até onde é possível ir tecnicamente”, finaliza o secretário.

 

Um projeto para universalizar o acesso à água

Integrado ao Cinturão das Águas do Ceará, ao Projeto de Integração do Rio São Francisco e aos demais reservatórios do Estado, o projeto Malha D’Água pretende universalizar o acesso à água tratada no Ceará

Em 13 de outubro de 2017, O POVO publicou extenso material sobre o Cinturão das Águas do Ceará (CAC). No especial “A premência pela água”, foi mostrado o que seria “o futuro mapa do Cinturão”, no qual estavam previstos, além do Trecho 1 (Jati-Cariús), que está com três dos cinco lotes concluídos, os Trechos 2 e 3 e os Ramais 1, 2, Leste, Oeste e Litoral. O comprimento total seria de aproximadamente 1.300 km.

Área de abrangência do Cinturão das Águas(Foto: Divulgação/SRH)
Foto: Divulgação/SRH Área de abrangência do Cinturão das Águas

Mas os planos mudaram, e os demais trechos e os ramais não serão construídos. No lugar deles, o Estado vai investir no Projeto Malha D’água, cuja proposta é adensar rede de adutoras, considerando todos os centros urbanos do Estado.

Entre os benefícios citados do projeto estão o aumento da quantidade de água para o abastecimento humano em períodos de secas severas, o aumento da garantia na qualidade da água para esse uso e a diminuição das perdas na perenização dos rios por evaporação e infiltração.

"O projeto Malha D'água foi idealizado para garantir a segurança hídrica de todo Estado do Ceará de forma mais segura, substituindo antigos projetos que ajudariam nesse abastecimento", esclareceu a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), por meio da assessoria de imprensa.

O sistema Adutor Banabuiú – Sertão Central, área considerada crítica no Estado, foi escolhido como piloto. Depois de tratada, a água do terceiro maior açude do Ceará, o Banabuiú (1.530hm³), será levada para nove sedes municipais e 38 distritos, com a possibilidade de expansão para comunidades rurais no futuro.

“Todo o recurso desse investimento será próprio do Estado, através do financiamento de banco multilateral, e que vai permitir que que a gente possa, nessa região, garantir a universalização do acesso à água tanto para as sedes como para todos os distritos desses municípios”, afirmou o governador Camilo Santana (PT). Nas palavras dele, a meta é “acabar com aquela história do carro-pipa tendo que levar água para as comunidades rurais desses municípios cearenses”, durante a assinatura da ordem de serviço que autorizou o início do Malha D’água no último 4 de março. O investimento será de R$ 643,3 milhões, com recursos do Governo do Ceará obtidos por meio de contrato do Banco Mundial.

Assim como o Trecho 1 do CAC, o trecho final do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), o futuro Ramal do Salgado, também estará integrado ao Malha D’Água. Esse ramal teve edital de licitação lançado em outubro de 2021, durante a passagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo Ceará.

“Conversando com esses canais do São Francisco e com os grandes reservatórios do Estado, já falo (da integração) do território, de todas as 12 regiões hidrográficas”, afirma o secretário dos Recursos Hídricos, Francisco Teixeira. Com isso, o gestor afirma que as águas do Velho Chico vão poder chegar a municípios onde, inicialmente, não estavam previstas.

“O PISF preconizava o atendimento de um pouco menos de 5 milhões de pessoas no Ceará — entre 4,5 milhões e 5 milhões de pessoas. Com o Malha D’água, poderemos levar a água do São Francisco a até mais de 6 milhões de habitantes do território cearense. Isso representa dois terços da população do Ceará”, afirma Teixeira.

O professor Assis de Souza Filho, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia a mudança como uma boa decisão da Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH). Para ele, o Trecho 1 (Jati-Cariús) é o mais importante dos que antes eram previstos para o CAC, pela população “significativa” que consegue atender.

“O Malha D’água vai trabalhar mais essa questão de uma disponibilidade de água para praticamente todas as sedes municipais do Estado e ainda vai ter um benefício maior em termos de capilaridade da rede de distribuição, chegando até distritos”, analisa o docente.

Além disso, Assis de Souza Filho explica que, ao continuar as obras do CAC, seria necessário construir obras complementares para levar a água até as populações das cidades ou utilizar leitos de rios. “E utilizar leito de rio é sempre muito complicado, aqui no Ceará, porque os nossos rios são intermitentes (secam de acordo com sazonalidade), e há muita perda de água nesse transporte”, argumenta. (Gabriela Custódio)


Benefícios da água do Velho Chico

Sobre os possíveis usos das águas do rio São Francisco, o professor Assis de Souza Filho aponta o uso para abastecimento urbano, que aponta como prioridades tanto o consumo humano quanto para serviços e indústria associados a essa demanda.

Maior reservatório do Ceará, açude do Castanhão
Foto: Aurélio Alves/ O POVO
Maior reservatório do Ceará, açude do Castanhão

Outro uso apontado pelo professor é o da irrigação. Nesses casos, ele avalia que o Cinturão das Águas do Ceará (CAC) pode gerar benefícios indiretos por reduzir a pressão pelo uso da água em reservatórios locais. “É um benefício em função dessa sinergia, desse ganho em função da interação de mais de um manancial”, complementa.

Inclusive, esse é o benefício que já pode ser percebido com o Cinturão das Águas e com a Transposição do São Francisco, principalmente na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). “No momento em que eu trago a água do São Francisco, e não propriamente a do Castanhão, para Fortaleza, essa água do Castanhão sobra para beneficiar a agricultura irrigada, a aquicultura, a carcinicultura e o abatimento das cidades naquela região”, afirma Francisco Teixeira, secretário dos Recursos Hídricos.

O Trecho 1 do CAC ainda não tem gerado impactos positivos, apesar de transformar o cenário por onde passa para chegar ao Castanhão. “Mas como ainda não existe o uso formal dessa água, não podemos dizer que ela esteja impactando diretamente esse cenário de segurança hídrica”, afirma Wyldevânio Vieira da Silva, presidente do Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Salgado (CBHS). Mas a esperança é de que isso mude “em um futuro bem próximo”.

 

Desafios do Cinturão das Águas

Uma obra da dimensão do primeiro trecho do Cinturão das Águas do Ceará (CAC) oferece muitas complexidades. Por estar localizada no Cariri, um dos desafios é a própria natureza da região, que outrora foi mar e, hoje, guarda vestígios desse período. Por isso, o projeto necessitou de acompanhamento especializado.

Açude do Banabuiú, o terceiro maior do Estado
Foto: AURELIO ALVES
Açude do Banabuiú, o terceiro maior do Estado

“(Aquela) área é um verdadeiro tesouro do ponto de vista arqueológico, paleontológico, da época do Período Cretáceo. Foi oceano no passado, então tem muitos fósseis. A obra, desde o início, tem esse acompanhamento arqueológico”, afirma secretário dos Recursos Hídricos, Francisco Teixeira.

O gestor também destaca a geomorfologia e a geologia da região do Cariri. "No Ceará, predomina o que chamamos, do ponto de vista geológico, de embasamento cristalino. É o lugar mais fácil de fazer obras hídricas, barragens, canais. Ali é uma região sedimentar, então, do ponto de vista geológico, é desafiador."

Isso sem falar de outras questões específicas da região do Cariri cearense e da própria obra, um canal de grandes dimensões integrado a um projeto do porte do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF).

“Também vem o desafio de ter que licitar uma obra dessas, a licitação ser bem sucedida e depois ter os recursos para construir, de fato, a obra. Aí tivemos que enfrentar alguns atrasos de recursos da União e você tem que sustentar esses contratos em certos períodos, com as construtoras mantendo o canteiro de obra sem a obra estar andando”, complementa o secretário.

 

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