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88,40% dos assassinatos em Fortaleza foram por arma de fogo
Reportagem

88,40% dos assassinatos em Fortaleza foram por arma de fogo

A partir de levantamento exclusivo dos inquéritos instaurados para apurar assassinatos em Fortaleza em 2021, O POVO traçou um perfil do porquê se mata na Capital e da elucidação desses crimes. Ação de facções é uma constante nas denúncias, mas a maioria dos casos segue sem desfecho das investigações
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 TROCA de tiros com criminosos ou abordagens erradas deram nas mortes por intervenção policial (Foto: Dejan Dimic/Getty Images)
Foto: Dejan Dimic/Getty Images  TROCA de tiros com criminosos ou abordagens erradas deram nas mortes por intervenção policial

Exatos 900 assassinatos foram registrados em Fortaleza em 2021 — o que dá uma média de 2,4 mortes por dia. A marca pode impressionar, mas trata-se de uma redução de 28% na comparação com os números de 2020 e também é o segundo melhor resultado desde 2013 — está atrás apenas de 2019, quando 663 pessoas foram vítimas de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) na Capital. Os CVLIs reúnem homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.

Não mudou, porém, alguns marcadores nesses crimes. O perfil da vítima de homicídio seguiu o mesmo em 2021 em Fortaleza: são quase todos homens (90,2% das vítimas), jovens (42,1% das vítimas têm até 25 anos), mortos por arma de fogo (88,40% dos casos) e de baixa escolaridade (apenas 9,4% das vítimas terminaram o Ensino Médio).

É na região da cidade que registrou o maior número de assassinatos no ano passado — a Área Integrada de Segurança (AIS) 3, que teve 150 CVLIs — que está o bairro com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, o Conjunto Palmeiras, que tem um IDH de 0.1067 conforme dados de 2010 do IBGE.

Também não mudou a dificuldade do Estado em dar uma resposta à altura aos assassinos, assim como não mudou o impacto das organizações criminosas nas estatísticas de violência. São conclusões tiradas a partir de um levantamento inédito feito por O POVO, que localizou os números de 874 inquéritos abertos para investigar homicídios ocorridos em Fortaleza em 2021.

Desse total, 818 foram encontrados judicializados. A maioria desses processos seguia em andamento em fase de inquérito: 582, ou seja, 66,60% do total. Denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPCE) eram apenas 153, o que dá 17,5% do total de inquéritos encontrados por O POVO. E haviam sido arquivados 60 — 50 por falta de provas, 3 por ter sido apontado que a morte ocorreu em legítima defesa e 7 pela morte do suspeito identificado.

Além disso, em 23 casos não foi possível identificar a conclusão da investigação, seja porque o processo estava em segredo de justiça (10), seja porque a autoria da morte estava imputada apenas a adolescentes (13) e, por isso, o caso estava em segredo de justiça.

O sociólogo Thiago Holanda — assessor técnico da Rede Acolhe, da Defensoria Pública do Estado — destaca que justiça e memória se fazem presentes nos inquéritos policiais e processos criminais. Na Rede Acolhe, programa de assistência às vítimas de violência, Holanda participou de pesquisa que obteve dados semelhantes sobre a violência letal em Fortaleza.

Na análise de 180 casos atendidos pela Defensoria em 2019, a Rede Acolhe constatou que o perfil preponderante da vítima é: jovem (56%), do gênero masculino (82%), negro (80%) e morador de periferia (98%). Também constatou que, em 46,67% desses casos, nenhum suspeito havia sido identificado pela investigação.

Conforme Holanda, sem desfecho, as famílias não só padecem com a falta de responsabilização, mas também podem vir a ficar à mercê dos criminosos, sofrendo, por exemplo, ameaças. São desafios, porém, questões como investimentos em perícias técnicas, que possam robustecer as evidências para além das provas testemunhais. A Rede Acolhe chegou a propor, na pesquisa, que passasse a ser obrigatório o pedido de perícia em celulares apreendidos durante as investigações, para, por exemplo, a extração de dados do aparelho.

Sem uma resposta adequada do Estado, o tempo vai passando e mais distante fica a responsabilização, lembra o sociólogo. "Um crime não pode ficar impune, porque pode afetar todo um tecido social, que é extremamente fragilizado quando a gente tem um contexto de tantas mortes violentas, como temos no Ceará".

Polícia Civil lista ações para melhor resolutividade de homicídios no Estado

O POVO solicitou à Polícia Civil o índice de resolutividade de homicídios da corporação, mas o indicador não foi informado. A Polícia Civil ponderou, em nota, aspectos que fazem com que não seja possível estabelecer um número "real" de elucidação de assassinatos, "apenas estimativas". Foi mencionado que não existe um padrão único no País para estabelecer um indicador de resolutividade, o que tem sido trabalhado em encontros de diretores de Departamentos de Homicídios do Brasil.

Entre as dificuldades citadas para estabelecer esse indicador estão casos em que denúncias são ofertadas à Justiça, mas as investigações prosseguem para identificar outros suspeitos. Ou então casos em que as investigações concluem que os suspeitos são adolescentes e, portanto, o caso é transferido para a Delegacia da Criança e Adolescente (DCA), e não concluído.

A Polícia Civil ainda listou ações que são desenvolvidas pela corporação para fortalecer a investigação, como a especialização dos policiais civis que já atuam diretamente nas investigações de homicídios. Também foi anunciado que 100 dos 534 inspetores e escrivãos que estão em formação na Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp) serão lotados no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.

"Outro ponto de fortalecimento das investigações, foi a ampliação do efetivo do Núcleo de Balística Forense (Nubaf) da Coordenadoria de Perícia Criminal (Copec) da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce)", também informou a Polícia Civil, acrescentando que os novos servidores trarão "celeridade" na confecção de laudos periciais.

"Cabe destacar o uso de ferramentas investigativas e tecnológicas, o aumento da solicitação de medidas cautelares ao Poder Judiciário, como quebras de sigilos, além de mandados de prisão e busca e apreensão e a ajuda da população que colabora com as denúncias".

O MPCE, por sua vez, informou que 320 denúncias foram ofertadas em 2021 referentes a homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de mortes — o número, porém, não se refere apenas aos crimes ocorridos no ano passado. Além disso, 1.435 arquivamentos foram solicitados.

O POVO solicitou entrevistas ao Secretário Executivo das Promotorias de Justiça do Júri do MPCE e ao diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), mas o pedido não foi atendido até o fechamento desta edição.

No O POVO Mais, você pode ver tabela com o levantamento na íntegra da elucidação de homicídios em Fortaleza. A listagem mostra data do crime, nome da vítima, número do processo aberto, andamento da investigação e, em caso de denúncia ofertada, a motivação do crime.

Veja também o restante da reportagens nos links abaixo:

+ O Impacto das Facções

+ Facção carioca desponta como autora de maior número de homicídios denunciados

 

Veja mais dados sobre o cenário dos homicídios em Fortaleza:

assassinatos no ceará e em fortaleza por ano (1)
assassinatos no ceará e em fortaleza por ano (1) (Foto: Luciana Pimenta)

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