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Em menos de dois dias, o biólogo Romilson Silva Lopes Júnior, 46, fotografou 45 espécies de borboletas em três trilhas na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), em Crateús, município cearense situado nos sertões dos Inhamuns. A abundância de insetos da ordem dos lepidópteros é parte da biodiversidade ainda não inventariada na maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Ceará.
Romilson Lopes, também professor do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Uninta, em Sobral, mensura que 45 registros são uma "quantidade expressiva" para tão pouco tempo de uma ida a campo.
Na verdade, entre 6 e 7 de agosto deste ano - datas dos registros —, o biólogo e outros convidados da Associação Caatinga e da ONG Vem Passarinhar, se embrenharam em parte dos 6.285 hectares da Reserva para observar aves. Porém, no meio do caminho havia muita flor e uma movimentação avoante de borboletas.
O local é uma exceção no meio de uma região onde menos chove no Semiárido cearense. Ao redor da floresta protegida é regra a prática de queimadas e desmatamento. A RNSA, explica Romilson Lopes, possui um mapa com uma Caatinga preservada - o que contribui na permanência de habitats para várias espécies de fauna e flora. Entre as colônias bem-sucedidas de seres vivos estão as das borboletas.
Ter avistado e fotografado a incomum Phocides polybius chamou a atenção de Romilson Lopes. "Não se trata de uma nova espécie, no caso pensei que seria um novo registro para o Ceará. Depois, vi que tem um flagrante para a região de Fortaleza. Mesmo assim é muito importante porque vamos entender melhor a área de ocorrência dessa borboleta", afirma o também coordenador do Biotério do Centro Universitário da Uninta.
A Phocides polybius é um ser alado azulada com rajadas brancas nas asas e pontinhos vermelhos e alaranjados na cabeça e asas. A borboleta é também conhecida, popularmente, por "ponto sangrento" ou "capitão de goiaba". É um lepidóptero da família Hesperiidae, oriunda das Américas. Ela ocorre também no baixo vale do Rio Grande, no sul do Texas, nos Estados Unidos, em parte da América Central (México) e na Argentina.
Além da Phocides polybius, Romilson Lopes destaca a presença da Paulogramma pygas e Lasaia agesilas nas matas da Serra das Almas. A Paulogramma é uma borboleta de visual curioso por causa do "grafismo" que apresenta nas asas. O desenho dá a impressão de formar o número 8 ou 80. Ela foi descrita pelo cientista francês Jean Baptiste Godart em 1824, depois da coleta de um exemplar na Bahia.
A Lasaia agesilas, outra espécie fotografada na Serra da Almas, atrai os olhares dos observadores e de cientistas por causa da cor bonita em tons de azul. É conhecida por "safira cintilante" e ocorre também na Amazônia brasileira e em alguns países da América Central e no norte da América do Sul.
Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Romilson Lopes estima que no Estado existam pelo menos 500 espécies de borboletas. "Grande parte dessa diversidade, em termos gerais, ainda é pouco conhecida. Quanto mais pessoas ou grupos se dedicarem à observação e ao estudo sistematizado dos Lepidópteros, mais conhecimento teremos sobre o comportamento e interações com outros seres vivos", afirma o biólogo que já fotografou 200 espécies em território cearense.
Outro ponto fundamental em relação a se registrar e estudar as borboletas está relacionado aos impactos ambientais que os ecossistemas naturais vêm sofrendo nos últimos anos. Romilson Lopes bate na tecla que é importante "conhecer a composição de espécies das borboletas nos ambientes naturais antes que sejam destruídos. Infelizmente essa é a situação atual. Com os registros e estudos é possível criar uma memória do que existia em um determinado habitat antes dele sofrer com a ação humana e pensar políticas públicas para o uso sustentável".
Informalmente, a Associação Caatinga e Romilson Lopes iniciaram uma conversa para a realização do "1º Vem Borboletear" na Reserva Serra das Almas. O projeto aconteceria em paralelo ao "Vem Passarinhar", evento de observação de pássaros que ocorre no Parque do Cocó, com edições especiais na Serra das Almas.
A observação de borboletas, "Butterfly watching", é uma atividade bem antiga em outros países e vem crescendo no Brasil. "Promover um evento com a temática é viável e diferente. Deveríamos amadurecer a ideia, seria o primeiro evento do tipo no Ceará e estaria entre os primeiros do Brasil", projeta o biólogo.
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Serra das Almas tem levantamentos específicos
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O biólogo Gilson Miranda, coordenador de conservação da Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), afirma que a falta de mais financiamentos públicos e particulares para pesquisa dificulta investigações científicas mais abrangentes e contínuas nos 6.285 hectares de mata branca tutorados pela Associação Caatinga. "Temos levantamentos sobre a flora, dos mamíferos e das aves. As demais, ainda não temos estudos. Precisamos bastante do auxílio da academia para fazer isso".
Há estudos específicos na RNSA, detalha Gilson Miranda. "São pontuais". Pesquisas direcionadas para algumas espécies, a exemplo de lagartos ou de carrapatos. Ou uma focada em morcegos e que faz parte de levantamento que cientistas estão fazendo sobre os mamíferos da segunda maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Nordeste.
Gilson Miranda observa que há um esforço da Associação Caatinga no incentivo à pesquisa científica quando a instituição mantém a floresta em pé e potente. "A Reserva completou 22 anos de fundação (8/9/2022). Uma área preservada, intocada, bem cuidada. Há pesquisas já de muito tempo, mais de 16 anos, a exemplo da investigação da professora Francisca Soares Araújo (UFC) com a flora", afirma.
Uma das vantagens de se investigar na Reserva, explica Gilson Miranda, é que "tudo que você vai iniciar pesquisando na unidade, você tem a garantia de comprovação de preservação daquele local. O lugar continuará ali e há a oportunidade de aprofundamento dos estudos para preencher lacunas científicas".
Para o coordenador da Reserva, é importante o inventário não somente de borboletas e mariposas. Dados de todas as espécies da fauna e da flora apontam qual é o funcionamento do bioma e como se mantém em seus ciclos naturais e o que necessita.
"Por exemplo, quando se fala da necessidade de reflorestamento, a gente tem de incluir inúmeros aspectos que existam dentro de uma floresta. Quando você fala em reflorestamento, você está tentado dar condições para que uma área volte a ser floresta com os serviços socioambientais funcionando como um todo", pontua Gilson Miranda.
Então, reforça o gestor da RNSA, as borboletas tanto como os outros insetos são partes essenciais para que continuem os ciclos de serviços ecossistêmicos. "Nós temos borboletas, mariposas, vespas que são importantíssimas para a polinização das plantas. São alimentos para algumas espécies de aves. É super-importante ter informações sobre esses animais. É um universo muito grande, a Caatinga ainda é pouco estudada, há poucas pesquisas sobre o bioma. Um bioma exclusivo e muitos animais que se adaptaram ao longo dos anos".