Esse é o som da magnetosfera terrestre recebendo rajadas de ventos solares, em um dia tranquilo no universo, simulado pela Agência Espacial Europeia (ESA). Diariamente, o Sol expele correntes provocadas pela erupção de partículas elétricas na atmosfera solar e atinge a Terra e outros planetas do sistema.
O fenômeno é tão intenso que é capaz de arrastar elementos importantes da atmosfera dos corpos coletes, como vapor de água (H₂O). Durante a formação do Sistema Solar, alguns planetas foram muito vulneráveis aos temporais solares. Menos a Terra: sortuda como é, foi capaz de desenvolver um escudo, conhecido como magnetosfera.
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Atualmente, esses dois aspectos astrofísicos são estudados na área do Clima Espacial em todo o globo. Na América Latina, o Brasil é destaque por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Lá, trabalham pesquisadores que, na minha opinião, podem ser chamados de meteorologistas espaciais (ou vigilantes, se preferir).
Dentre eles, conversei com a doutora em Geofísica Espacial Claudia Medeiros, controladora de satélites no Inpe e divulgadora científica no canal Mais que Raios. É ela quem nos guiará na descoberta sobre os ventos solares, a magnetosfera e por que é tão importante manter um olho atento às bufadas do astro rei.
Antes de falar sobre a magnetosfera, vamos entender os efeitos dos ventos solares na Terra. Para isso, sugiro uma viagem no tempo. É dia 13 de março de 1989, madrugada de segunda-feira em Quebec, a maior província canadense, quando a energia elétrica cai. Foram 12 horas de blecaute total.
É estranho. No mundo inteiro, fenômenos anormais já tinham acontecido. Horas antes, na noite de domingo, 12 de março, o sul da Flórida (EUA) e Cuba viram, talvez pela primeira vez, auroras boreais no céu. Dois dias antes, na sexta-feira, 10, os russos arranjavam motivos para acreditar que o Kremlin havia bloqueado o sinal da rádio Radio Free Europe, após interferências na transmissão. No espaço, o satélite de comunicação TDRS-1 da Nasa registrou mais de 250 anomalias e o ônibus espacial Discovery apresentou problemas “misteriosos”.
Mas a razão da série de acontecimentos não estava em governos autoritários, mensagens divinas ou apocalipses elétricos. Estava em uma explosão solar descomunal, equivalente à “energia de milhares de bombas nucleares explodindo ao mesmo tempo”, testemunhada por astrônomos no dia 10 de março de 1989.
O primeiro impacto imediatamente interferiu nas ondas de rádio curtas, as mais sensíveis a variações das tempestades solares. A explosão produziu uma nuvem de plasma solar que, ao atingir o campo magnético da Terra, provocou a aurora boreal que se estendeu até Cuba ― toda aurora é a precipitação das partículas solares, o curioso aqui é o espaço geográfico em que ocorreram.
A carga da tempestade criou correntes elétricas no solo de grande parte da América do Norte, que persistiram até o dia 13 de março, às 2h44min, quando encontraram uma fraqueza na rede elétrica de Quebec e provocaram o blecaute. Os Estados Unidos registraram mais de 200 problemas elétricos após o início da tempestade.
“É um exemplo dramático de como as tempestades solares podem nos afetar mesmo aqui no solo. Felizmente, tempestades tão poderosas como esta são bastante raras. É preciso um grande golpe solar para causar qualquer coisa como as condições que levaram a um apagão no estilo de Quebec”, tranquiliza o doutor Sten Odenwald, astrônomo da Nasa, em relato sobre o evento.
O mesmo pedido de sossego vem de Claudia, explicando que estamos no Ciclo Solar 25, medido pelo número de manchas solares e que geralmente dura 11 anos. “O número de manchas solares que aparecem no Sol definem o quão ativo ele está. Elas são regiões onde têm uma variação de temperatura e, consequentemente, maior volume de massa se disparando”, descreve. No 25º, existem mais manchas do que o esperado, mas ele está longe de ser o mais intenso já registrado (como o causador do blecaute de Quebec).
Como prevenir os ventos solares? “Não tem como”, afirma Claudia. “Mas tem como lidar com o que a gente tem, que é um Sol ativo.” E mais: um escudo eficaz que tem, junto a outros fatores, garantido à Terra a possibilidade de vida como conhecemos.
A magnetosfera é um escudo magnético produzido pelo centro da Terra (funcionando como um dínamo). As partículas energéticas do Sol são capturadas por esse campo magnético, ficando presas em um movimento constante e criando o Cinturão de Van Allen, uma camada de partículas eletricamente carregadas em forma de donuts.
“Essas partículas ali, então, são importantes para a proteção terrestre. O problema é que às vezes elas caem na Terra”, comenta Claudia. São nessas situações, por exemplo, que elas podem provocar lindas luzes polares ou atrapalhar os sinais de rádio e de GPS. “O outro problema é que, agora que viajamos para o espaço, precisamos lidar com elas.”
Isso porque tempestades geomagnéticas ― quando as erupções solares são tão intensas que entram em conflito com a magnetosfera ― podem estragar satélites artificiais. Foi justamente essa a razão para a empresa aeroespacial SpaceX, do bilionário Elon Musk, ter perdido 40 dos 49 satélites Starlink lançados por um foguete Falcon 9 no dia 3 de fevereiro de 2022.
Não sem avisos. No dia 31 de janeiro de 2022, às 23h50min, o Centro de Previsão do Clima Espacial dos Estados Unidos publicou nota informando o avistamento de uma erupção solar com "ejeção de massa coronal de halo completo”. O fenômeno foi observado no dia 29 de janeiro, e a nota informa que as rajadas solares deveriam chegar à Terra entre 1º e 2 de fevereiro, podendo persistir, com menos intensidade, até o dia 3 de fevereiro.
Como a previsão do clima espacial é importante! Comunicados do tipo instruem controladores de satélite como Claudia a tomarem medidas de segurança para evitar danos ou perdas totais nos equipamentos. Primeiro, não é recomendado lançar equipamentos durante esses momentos; segundo, é possível colocar os satélites na rota dos ventos solares para hibernar, reduzindo a probabilidade de danos no funcionamento.
"O mundo é definitivamente muito mais complexo do que a gente imagina... O que achou da matéria? Vamos conversar nos comentários!"
“O grupo de cinturões de radiação que tem no Inpe visa entender esses processos, como isso tem sido feito no mundo. E a gente deu sorte de estar no timing correto com a missão lançada ao Cinturão Van Allen e, principalmente, pela parceria que conseguimos com a Nasa”, explica.
A pesquisadora se refere às Sondas Van Allen, lançadas pela Nasa sob o programa Living With Stars, em 2012. O Brasil fez uma parceria com a agência estadunidense para compartilhar conhecimento científico nessa área, culminando no doutorado sanduíche em Geofísica Espacial de Claudia.
Em específico, foram enviadas duas sondas para o cinturão, com o objetivo de colher dados para entender melhor o fenômeno e as influências dele nas operações de espaçonaves e de satélites e até na segurança dos astronautas.
Entendendo todos os pormenores envolvendo os ventos solares e a magnetosfera, fica mais fácil criar estratégias para mitigação de danos em casos de tempestades solares tão dramáticas quanto a causadora do blecaute de Quebec. E dá orgulho saber que o Brasil é uma peça importante na construção desse conhecimento; apesar do constante sucateamento da Ciência no País.