Quem nunca reclamou do preço da sua conta de energia? Para 67% dos brasileiros, a conta de luz é um dos maiores gastos mensais da família. Os dados são da pesquisa “Opinião sobre o Setor Elétrico”, realizada pelo Datafolha. Além disso, mais de 80% afirmaram que gostariam de ter direito à portabilidade da conta de luz.
De acordo com o vice-presidente de estratégia e comunicação da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Bernardo Sicsú, isso representa um anseio da população pelo direito de escolher um produto fundamental para o seu dia a dia.
“Ele faz escolhas diariamente. Em vários outros produtos, ele está no centro e pode optar pelo melhor. Na energia elétrica, infelizmente, não é assim. Essa pesquisa ilustra justamente essa vontade de conseguir escolher de quem comprar energia elétrica.”
Atualmente, pela legislação, só quem tem o direito de comercializar energia com outros fornecedores no Brasil são empresas de alta tensão que consomem acima de 500kW. Eles são os que fazem parte do mercado livre de energia.
Por exemplo, o Ceará tem a comercialização e a distribuição feita totalmente pela companhia Enel. Ou seja, as pessoas inseridas neste sistema fazem parte do mercado cativo.
Contudo, com o mercado livre de energia, a distribuição continua sendo oferecida pela Enel, mas a comercialização pode ser negociada diretamente com outras empresas fornecedoras de energia.
Para Paulo Siqueira, diretor de gestão energética do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia-CE), o mercado cativo se distancia do livre.
“Diferente do mercado cativo, onde você tem tarifas reguladas e fixas, mais engessado, no livre você tem a oportunidade de negociar preços, condições de pagamento, garantia de previsibilidade orçamentária e, principalmente, escolher a fonte de energia."
De toda a energia que é consumida no Ceará, 23% é fornecida pelo mercado livre de energia elétrica. Em 2019, esse percentual era de 15%. No Brasil, o consumo chega 38%.
Inclusive, há um movimento para tentar, de forma gradual, implementar uma abertura total do mercado livre de energia no País. Em 2024, todas as empresas de alta tensão poderão participar. Já em 2026, serão os de baixa tensão e, até 2028, é prevista a inclusão das residências e dos integrantes da classe rural.
Quando atingir esse patamar, de abertura total do mercado, a expectativa é de haja uma economia de mais de R$ 35 bilhões por ano no País. Na prática, o efeito ao consumidor final, seria um abatimento médio de 19% na conta de luz se considerados os valores de 2022. Caso fossem utilizados os preços de 2023, significativamente mais baixos no mercado livre, a redução média na conta de luz chegaria a 23%.
Para a população de baixa renda, que tem parte da conta subsidiada por políticas públicas, a redução seria entre 7,5% a 10% na conta de luz, segundo o estudo.
Porém, para o vice-presidente de estratégia e comunicação da Abraceel, Bernardo Sicsú, o que mais preocupa é a parte da sociedade que não recebe nenhum subsídio, ou seja, principalmente a classe média baixa.
“Hoje há um Brasil esquecido, composto por 73,5 milhões de consumidores, e sem acesso a uma política para redução e barateamento da sua conta. Isso porque o mercado livre é acessível apenas para 0,04% dos consumidores e tem uma parcela que possui a tarifa social. Então, quem está fora dessas políticas paga uma conta muito elevada de luz e não há nenhuma maneira de baratear a conta.”
Ainda segundo a pesquisa da Abraceel, os brasileiros da classe média representam cerca de 90% dos domicílios e 70% do consumo residencial e, se implementado o mercado livre, pode haver uma redução de até R$ 22,7 bilhões ao ano, somente com esse setor social.
Sobre como funcionaria essa abertura de mercado da energia para todos, o diretor de gestão energética do Sindienergia-CE, Paulo Siqueira, explicou que seria muito semelhante ao sistema de telefonia.
“Você pode escolher o seu fornecedor e negociar o melhor preço baseado no que faz mais sentido para o seu consumo.”
Porém, o próprio comenta que defende a abertura total, mas, por outro lado, os reguladores defendem que a mudança seja de forma gradual.
“Existem os contratos legais. Também um tempo de transição para explicar para o público como funciona, quais as vantagens, os riscos e as particularidades de um contrato no mercado livre.”
Além disso, de acordo com o vice-presidente de estratégia e comunicação da Abraceel, Bernardo Sicsú, ainda há uma resistência muito grande para essa abertura total.
“Tem um receio da competição e uma relutância por causa do desconhecimento e das narrativas falsas que foram criadas, de que iria prejudicar a vida dos brasileiros. E já está comprovado que essa afirmação é equivocada por vários estudos técnicos.”
Ele também afirma que, mesmo com essa resistência, é necessária uma mudança. “Você vai trazer realmente uma revolução, em termos de relacionamento com o consumidor, à medida que você o transforma em um protagonista.”
A realidade de outros países e as precauções com o mercado
Alguns países como Japão, Alemanha, Reino Unido, Coreia do Sul e França, já implementaram o sistema de abertura de mercado para toda a população. Porém, o Brasil ainda ocupa uma posição muito baixa no ranking internacional de liberdade energética, feito pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), no 47º lugar.
Conforme explica Tomaz Nunes, professor de engenharia elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Japão está em primeiro lugar por causa do desastre nuclear de Fukushima em 2011, quando precisou se reinventar para obter energia elétrica.
"Esse acidente restringiu muito as fontes de energia. Eles tiveram que incentivar muito a concorrência de fontes geradoras e, uma das alternativas para que isso acontecesse, foi liberar completamente o mercado de energia. Então, o Japão tem essa justificativa para estar liderando o ranking de liberdade de energia."
Além disso, Tomaz comenta que o Brasil sempre se inspirou no modelo europeu, principalmente o inglês, e agora não é diferente. "Nós já passamos por duas grandes reestruturações no setor de energia elétrica e ambas tiveram como modelo o europeu."
Outro ponto que o professor da UFC ressalta é o fato de o mercado livre de energia ser mais barato porque tem muitos subsídios e competição, mas, a partir do momento em que o número de consumidores no mercado livre começar a subir, esses subsídios tendem a desaparecer.
"Só existe um agente responsável por todos os custos do sistema de energia elétrica brasileiro, que é o consumidor. Se alguém está tendo subsídio, outro consumidor está pagando aquele suficiente por ele. Então, a partir do momento que migrar mais pessoas para o mercado livre, menos consumidores vão financiar esses subsídios e a vantagem econômica tende a diminuir."
Mercado livre de energia
201915%
202015%
202119%
202220%
202323%
ACR: 97,30%
MMGD: 2,66%
ACL: 0,04%
ACR: 53,60%
ACL: 38,80%
MMGD: 7,60%