Os lançamentos do Governo Federal de novos projetos no Nordeste na última semana trouxeram mais holofotes para a Região e, segundo indicam especialistas de diversas áreas ouvidos pelo O POVO, levantaram as bases para o desenvolvimento de uma nova economia com reflexos para todo o País, resguardando um protagonismo aos nordestinos.
“Desde que a coroa portuguesa chegou aqui ao Brasil ou desde que descobriram o Brasil, possivelmente o Nordeste tenha, nesta metade do século 21, a chance de ter um potencial de desenvolvimento igual a qualquer estado do País”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no início da agenda, que começou por Salvador (BA), na quinta-feira, 18, e terminou em Fortaleza, na sexta-feira, 19.
Notadamente, o Parque Tecnológico Aeroespacial da Bahia, a Escola de Sargentos de Pernambuco e a unidade do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) do Ceará são iniciativas inéditas que dão ao Nordeste um novo entendimento, uma vez que a Região sempre "tende a ser vista apenas em seus problemas nos centros de decisão do País", como observa Tania Bacelar, economista especialista em Desenvolvimento Regional e sócia da Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento.
"O ITA mudou profunda e intensamente São José dos Campos e foi essencial para a afirmação da indústria aeronáutica do País. No Nordeste, essa unidade terá impactos relevantes, pois seu corpo docente será de nível elevado e isso termina transbordando. Sem falar na retenção de talentos: muitos cearenses que iam para São Paulo e lá ficavam... Éramos exportadores de jovens com grande potencial... Agora, podem gerar outras Brisanet", comenta.
Em entrevista ao O POVO, ela recorda que os estados nordestinos são referência em educação nas décadas recentes e diz esperar "efeitos positivos" das iniciativas, "em especial na geração de empregos, sendo este um dos grandes desafios no Nordeste".
A educação, destacada na estratégia do Governo Federal na Escola de Sargentos e principalmente no ITA, é o caminho para o desenvolvimento e principal elemento desse novo momento de desenvolvimento do Nordeste, segundo afirma Claudia Costin, educadora e fundadora do Instituto Salto.
Ela alerta, no entanto, que os estados também precisam agir, direcionando as políticas públicas e de atração de investimentos locais “a um modelo de desenvolvimento que incorpore esse capital humano formado pelas novas instituições e que fixe os egressos na Região”. Claudia faz uma defesa que os nordestinos já apontavam: a necessidade de reter os talentos que, desde a aprovação nos vestibulares do Sudeste, não retornam para os locais de origem.
“É importante olhar para o planejamento de longo prazo. Muito importante o Ceará e os demais estados do Nordeste pensarem o desenvolvimento com formação de capital humano, pois quando pensamos em ITA, em energia sustentável, vamos ter que pensar em formação de capital humano, mas com um modelo de desenvolvimento econômico inclusivo”, analisa.
Marcos Barbieri, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) especialista em indústria Aeroespacial e de Defesa, aponta que o progresso chega, nas três iniciativas, já com a aplicação dos recursos. “A maior parte público, do Governo Federal e estados, mas também da iniciativa privada. Tendo esses investimentos, basicamente no caso do Parque Tecnológico, é o início de um novo desenvolvimento da Região”, diz.
O Parque Tecnológico Aeroespacial da Bahia tem previsão de R$ 1,3 bilhão, a nova Escola de Sargentos de Pernambuco deve contar com R$ 2 bilhões e a unidade do ITA no Ceará terá R$ 115 milhões.
Inicialmente aplicados em infraestrutura, os investimentos devem atrair a iniciativa privada, a exemplo do que já aconteceu na sede do ITA, em São José dos Campos. Barbieri recorda que o cearense e fundador do Instituto, marechal Casimiro Montenegro Filho (1904-2000), também fundou, dois anos depois, o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento no qual foi projetado o primeiro avião Bandeirante, início do que vem a ser a Embraer hoje.
"Não que a lógica seja simples assim. Mas tem tudo para que esse embrião plantado do ITA seja o primeiro passo", diz, referindo-se à unidade do Ceará.
Da mesma forma, o especialista projeta o futuro da Escola de Sargentos. A instituição deve ser visada por empresas de equipamentos e tecnologias de guerra, seja voltada para artilharia, logística ou outra relacionada às atividades de linha de frente das quais os sargentos fazem parte.
Mas o de impacto imediato, ressalta, é o Parque Aeroespacial da Bahia. Barbieri considera a engenharia aeronáutica como a de maior excelência do País, responsável por exportar tecnologia e diz que a iniciativa do Governo Federal já atraiu empresas do setor comprometidas a investir em Salvador. Na lista de interesse já anunciado estão Embraer, Akaer, AEL Sistemas, Speedbird e Mira.
“O ponto-chave é o Senai-Cimatec, que é uma das maiores instituições de ciência e tecnologia do Brasil hoje. É uma referência nacional na formação de mão de obra altamente qualificada para diversos setores, principalmente, os que envolvem alta tecnologia”, avalia.
Aliadas às instituições de ensino já em atuação nos estados do Nordeste, ele diz acreditar que as três iniciativas lançadas há duas semanas devem compor um ambiente promissor à criação de novas tecnologias, novas pesquisas, em suma, novos modelos de negócios.
O que Abraão Saraiva Jr, diretor-presidente do Parque Tecnológico da Universidade Federal do Ceará (Partec-UFC), observa especialmente para o caso do ITA: o Instituto chega para se integrar ao ecossistema de inovação já existente na Região e composto por instituições de excelência.
“Vejo perspectivas positivas com a vinda do ITA. É sempre bem-vindo, afinal, quanto mais educação de qualidade no Estado, melhor para a sociedade. Ao mesmo tempo que deixo o alerta que há de se considerar o potencial que já existe aqui, de todas as IES (Instituições de Ensino Superior) e ICTs (Institutos e Centros Tecnológicos) instaladas há muitas décadas e de muito potencial”, observa.
Abraão lembra ainda que o primeiro mestrado profissional do ITA fora de São José dos Campos aconteceu em parceria com a UFC, formando três turmas até 2021 em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada.
O diretor-presidente do Partec-UFC considera que a chegada de mais uma instituição de ensino de excelência se integre ao ecossistema já existente e potencialize o modelo de desenvolvimento ancorado na articulação entre poder público, academia e iniciativa privada.
“Temos um caminho longo para reter e atrair riquezas e os nossos talentos. Eu até não acho ruim que eles saiam, é bom sair para fazer conexões globais, mas o mais interessante é que haja perspectivas de retorno. Falta muita visão de futuro para os nossos líderes no Estado de forma geral, mas vejo uma perspectiva histórica que temos melhorado bastante”, arremata.
Ancorados nas três maiores economias do Nordeste - Bahia, Ceará e Pernambuco - , os projetos do Parque Tecnológico Aeroespacial, a nova sede do ITA, a Escola de Sargentos e ainda a conclusão e ampliação da refinaria Abreu e Lima - empreendimento localizado em Pernambuco que prevê R$ 8 bilhões em recursos e também lançado pelo presidente Lula quando visitou Recife em 19 de janeiro - devem reverberar efeitos sobre os demais seis estados do Nordeste e até nas demais regiões do País, asseguram os especialistas.
“O impacto desses projetos que apesar de estarem em um estado vai ser em todo o Brasil”, diz Marcos Barbieri, professor da Unicamp e especialista em indústria Aeroespacial e de Defesa, citando como exemplo que o ITA de São José dos Campos desenvolveu em tecnologia nacional até hoje.
Com a instalação de cursos de engenharia de Energias Renováveis e Sistemas, o professor da Unicamp diz enxergar uma coerência com a vocação econômica da Região que pode levar à troca de experiências com as demais unidades da federação próximas.
“Tem competição, mas tem colaboração. Vamos ter pessoas que vão se beneficiar em todos os estados e fazer interconexões. É uma troca mútua que deve ser estimulada pelos governos. Tem de haver cooperação”, diz Abraão Saraiva Jr, diretor-presidente do Parque Tecnológico da UFC.
Mais infraestrutura e profissionais capazes de desenvolver tecnologias voltadas aos interesses comuns do Nordeste, como a consolidação dos projetos em hidrogênio verde e parques eólicos offshore devem proporcionar mais desenvolvimento à Região. E projetos fora do escopo lançado há duas semanas já se relacionam a isso.
“Dentro desse contexto, a qualificação da mão de obra para fazer frente aos desafios atuais e futuros segue como chave, seja para formação de técnicos para atender a essas indústrias, seja para a formação de engenheiros e de outros profissionais especializados. Nós, do Senai, estamos atuando firmemente de olho nisso, para que esse panorama se materialize”, ressalta Rodrigo Mello, diretor do Serviço Nacional de Aprendizado Industrial do Rio Grande do Norte (Senai-RN), do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis e da Faeti, a primeira Faculdade de Energias Renováveis e Tecnologias Industriais do Brasil.
As iniciativas lideradas por ele projetam, já para 2024, a oferta de 45 vagas no curso de graduação em Engenharia Mecânica, além de programas de pós-graduação em desenvolvimento. O cronograma inclui ainda, a partir do segundo ano, mais 45 estudantes de Engenharia Mecânica e a operação da primeira turma de Engenharia Elétrica, “também focada em demandas práticas da indústria”, e, ao fim do quinto ano, 5 turmas de Engenharia Elétrica e cinco de Engenharia Mecânica.
Mello reforça a iniciativa potiguar destacando o robusto centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação local e demonstra que o papel local também deve ser decisivo para alcançar o desenvolvimento em conjunto dos estados nordestinos, como diz esperar a economista especialista em desenvolvimento regional Tania Bacelar.
"Minhas expectativas vão muito mais além destes projetos... O Brasil precisa e vai se posicionar num mundo em ebulição. Os novos investimentos estarão sintonizados com as mudanças profundas em curso, em especial as associadas à era digital e a um novo padrão de relacionamento com a natureza. O Nordeste precisa estar na nova pauta do desenvolvimento nacional", alerta a economista.
A abertura de novas fronteiras com o Parque Tecnológico Aeroespacial
Esse é um projeto que nosso empenho é total, exatamente porque se enquadra naquilo temos tentado trazer cada vez mais para a Bahia. São projetos que abrem novas fronteiras, novas cadeias produtivas e principalmente cadeias produtivas de alta tecnologia.
Quando falamos de aeronáutica, falamos de uma área que existe, além de alta tecnologia, existe confiabilidade total e gente altamente qualificada. Um engenheiro para fazer manutenção de helicópteros precisa de 4 anos de experiência pós-formação. Então, estamos falando de uma cadeia produtiva nova, altamente tecnológica e envolve diversas áreas de conhecimento.
Isso vai estimular a formação de recursos humanos locais, como aconteceu antes com o Polo de Camaçari, com a chegada da Ford... e nós estamos falando de uma área que hoje não está mais restrita a helicóptero, avião... Estamos falando de drone e uma série de outros equipamentos com muita tecnologia embarcada.
Veja que estamos falando de um Parque Tecnológico Aeroespacial. Isso é satélites de reconhecimento, drones para ajudar o estado a monitorar áreas de barragens, regiões de seca e ao mesmo tempo criar base para trazer recursos para o País.
A nossa Secretaria de Ciência e Tecnologia e Inovação está trabalhando em parceria com o Senai para desenvolver projetos de conhecimento nas outras universidades baianas para que a gente tenha cada vez mais gente qualificada para isso.
Ainda estamos desenvolvendo a cadeia produtiva, porque nós não queremos simplesmente trazer a indústria, queremos todas as peças para o parque. Isso pode significar a constituição de startups, parcerias tecnológicas com centros internacionais…
Estamos tentando, junto com o Senai, trazer a cadeia produtiva de peças, partes e demais tecnologias que precisam compor o Parque. Vamos mostrar que temos um ambiente de negócios seguro, mercado em crescimento, áreas onde se pode implantar e todo o apoio do estado com transição energética em curso.
O Estado quer apoiar todo o setor para que a gente tenha aqui não só a ponta do iceberg, mas desde a concepção até a produção. Inclusive, o que a gente vê é um número de empregos muito grande e, principalmente, recursos humanos muito qualificados, com remuneração média acima da própria indústria convencional.
Acredito que tão logo os primeiros projetos com a Kaer e a Embraer comecem a ser implantados já vamos ter impacto imediato. Não é uma questão muito demorada. É claro que a consolidação dessa cadeia produtiva vai levar algum tempo. Mas esse é o tipo de indústria que depende menos de infraestrutura pesada, como é o caso da indústria química. Depende muito mais de cérebros e espaço disponível para se colocar equipamentos.
Paulo Guimarães, Superintendente de Atração de Investimentos e Fomento ao Desenvolvimento Econômico da Bahia
O que se sabe sobre o Parque Tecnológico Aeroespacial de Salvador?
As expectativas do Ceará sobre o ITA
Este marco é de extrema importância não apenas para o ensino superior, mas também para a ciência e a tecnologia, considerando que o ITA é o principal centro de excelência no Brasil. A instalação do campus do ITA no estado do Ceará representa uma conquista significativa, com caráter histórico, sendo um vetor essencial para o desenvolvimento.
Enquanto o Brasil possui montadoras de automóveis, o Brasil tem uma indústria de aviões graças ao ITA em São Paulo. Assim, a implantação do campus do ITA no Ceará, sem dúvida, se tornará um poderoso impulsionador de crescimento econômico, oportunidades educacionais e diversas possibilidades não apenas para o estado, mas para toda a região Nordeste do Brasil.
Ao acreditar firmemente que projetos como o ITA têm o potencial de lançar novas bases para a economia do Ceará, as expectativas do Estado são elevadas. Esse projeto específico é visto como um catalisador para o crescimento econômico, criação de oportunidades educacionais e fortalecimento da região Nordeste como um polo tecnológico.
A colaboração entre indústria, academia e Estado é vital nesse contexto. A integração desses agentes pode ocorrer através de parcerias estratégicas, investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além do estímulo à inovação. Nesse contexto, o papel do estado é fundamental para estimular e garantir essa integração, com vistas a viabilizar uma parceria exitosa entre a academia e o setor privado no sentido de gerar mais oportunidades produtivas que proporcionem desenvolvimento econômico e mais justiça social para a população do Ceará e de toda a região.
Parabenizo o governador Elmano, o ministro Camilo Santana e o ministro da Defesa, José Múcio, por liderarem essa conquista. Parabenizo também o Presidente Lula, figura central que assegura essa extraordinária realização para o estado do Ceará. Sinto-me muito feliz com essa iniciativa, destacando sua relevância não apenas a curto e médio prazo, mas, principalmente, a longo prazo.
Salmito Filho, secretário de Desenvolvimento Econômico do Ceará
O que se sabe sobre o ITA Fortaleza?
A mudança de patamar com a Escola de Sargento e a refinaria de Abreu e Lima
A gente hoje está muito otimista com o momento que estamos vivendo. No passado, vivenciamos uma onda atrelada à construção da refinaria de Abreu e Lima, então, a gente o que esperar. Vamos ter um volume muito grande de operários para trabalho temporário, mas que deve durar de 4 a 5 anos até. E é o tipo de emprego que gera qualificação que abre portas para essa mão de obra se recolocar depois em condições ainda de maior valor agregado. A expectativa, de cara, é que a gente tenha 10 mil empregos atrelados à construção da refinaria. Junto com isso vem os empregos que ficam depois. Então, é um momento de muito otimismo na região como um todo e preparar o campo quando vierem essas novas oportunidades. A gente tem duas linhas prioritárias: a primeira diz respeito à reativação das pessoas que trabalharam no passado e a capacitação e a recapacitação de mais força de trabalho. Hoje, nós temos projetos em parceria com o Sistema S e o Porto de Suape e a ideia é conseguir capacitar 5 mil pessoas nos próximos 18 meses. Essa, hoje, é a prioridade número 1. A segunda é o adensamento da cadeia produtiva. É bem verdade que toda a parte de infraestrutura que cerca a refinaria e o que diz respeito a porto, estrada, adequação de rede elétrica tudo isso já foi feito. De fato, vamos procurar empresas da cadeia produtiva sejam elas da etapa de construção seja na complementaridade da cadeia, principalmente, do químico que sai da refinaria, que é focada em óleo diesel. A expectativa em relação à Escola de Sargentos é muito grande. O que vai ocorrer, basicamente, é a construção de uma pequena cidade que vai atender até dez mil pessoas, entre ocupantes permanentes e flutuantes. Adiciona uma renda anual em uma das regiões mais pobres da região metropolitana de aproximadamente R$ 100 milhões. Então, é uma mudança de patamar para aquele território e uma criação de novas oportunidades. É sabido que essas vilas costumam trazer também uma cadeia produtiva de outras atividades. A gente começa com a Escola de Sargentos, mas, no futuro, a gente espera atrair outras atividades ligadas às forças armadas possam concentrar naquele território. Provável que a gente assista o desenvolvimento de uma nova central logística do Exército, que tem um quartel importante no Recife. Tem uma série de outros investimentos militares que fazem sentido. É uma lógica de formação de capital humano que vai desbravar novas oportunidades para essa turma que vai se formar lá. A gente tem ali a doação de um terreno para o Exército para a acomodação das vilas militares, caderno de encargos que inclui a adequação e melhoria de rodovias e estamos licitando a obra da PE 027, um dos canais de acesso. Mais adiante vamos fazer uma via alternativa de acesso à Escola. Temos compromisso também ligada à infraestrutura de água, saneamento, energia elétrica, fornecimento de gás e, provavelmente, a criação de espaços nos quais o Exército possa levar para próximo outras unidades, como escolas infantis e hospitais. O pacote como um todo representa em torno de R$ 300 milhões para os próximos 5 anos.
Guilherme Cavalcanti, secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco
O que sabe sobre a Escola de Sargentos de Pernambuco?
O que se sabe sobre a conclusão e ampliação da refinaria de Abreu e Lima?