Ciente de uma possível estiagem em 2024 desde o ano passado, o Ceará definiu as primeiras medidas para atenuar os efeitos de uma quadra chuvosa abaixo da meta e as ações incluem duas frentes, emergencial e estruturante. A liberação das águas do Rio São Francisco e a perfuração de poços profundos são as de efeitos mais representativos.
Ao todo, de acordo com a apresentação do Plano Estadual de Convivência com a Seca a que O POVO teve acesso, 23.300 famílias serão beneficiadas com a perfuração de mil poços, a construção de mil chafarizes, a instalação de 150 dessalinizadores e novas instalações em redes de distribuições.
Operações com carro-pipa feitas pelo Exército Brasileiro e a Defesa Civil do Ceará também estão previstas, assim como ações para ampliação da capacidade de distribuição e armazenamento de água potável e suporte para o bombeamento de água transportada ou captada pela chuva para o sistema de distribuição das residências.
Fora do eixo de segurança hídrica, o Estado mira também a segurança alimentar - via aquisição de cestas de alimentos e ênfase no Programa Ceará Sem Fome -, além da sustentabilidade econômica, através do Programa Garantia Safra 2023 e ações de fomento rural pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce) e da sustentabilidade ambiental, no combate a incêndios florestais.
O entendimento, disse Silvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), é de reforçar todas as frentes, garantindo o abastecimento humano em primeiro lugar. Com a população assegurada, o governo adianta esforços para resguardar os produtores rurais.
A liberação das águas do Rio São Francisco a 6,5 metros cúbicos por segundo, inclusive, era uma demanda imediata cobrada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), que foi atendida no dia 16 de fevereiro. O mês foi escolhido a partir da ideia que o governador Elmano de Freitas (PT) adiantou ao O POVO no fim do ano passado: liberar as águas da transposição em uma temporada onde as perdas por evaporação sejam menores, ou seja, durante a quadra chuvosa.
Na mesma ocasião, o governador contou que a primeira agenda de 2024 em Brasília seria para debater com o governo federal medidas como esta, para atenuar os efeitos da seca que se projeta.
Historicamente, a convivência com a seca se deu no Ceará nas construções de barragens, mas as estratégias avançaram para medidas mais amplas de segurança alimentar humana e animal, obras hídricas estruturantes, maior eficiência do sistema existente e até tarifa de contingência, como o governo demonstrou no último período, entre 2012 e 2016 - o pior desde 1910, segundo aponta a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH).
O que depende do Estado, aponta a apresentação, é definido por "reuniões entre a Casa Civil e o Grupo de Contingência para prospectar possíveis fontes de recursos". Silvio Carlos explica que uma lista de pontos críticos em municípios é observada a cada encontro.
Dadas as condições das cidades, o governador define quais medidas serão tomadas, o que torna a lista passível de atualização constante. Em casos críticos de abastecimento, o grupo considera "a implantação de racionamento e políticas tarifárias para promover a redução do consumo (Tarifa de Contingência)."
Medidas focadas no setor produtivo também já foram estabelecidas e envolvem "reduzir plantios de culturas temporárias irrigadas em 2024 a depender da faixa de severidade da seca" e elaborar um plano de utilização de poços salinizados para fins de aquicultura e forragem, além de priorizar a atividade da carcinicultura salgadas e salobras originadas de poços.
O estímulo a culturas de alto valor agregado, como acontece na Ibiapaba é citado, assim como o apoio à cajucultura e à apicultura e o incentivo e distribuição de materiais para cultivo de plantas de baixo consumo de água.
No entanto, o contexto atual de alocação de água é encarado como confortável até junho de 2025. "No entanto, em um cenário de seca prolongada, nota-se um agravamento substancial dessa situação a partir do terceiro ano, com déficits no atendimento tornando-se mais significativos", diz a apresentação a que O POVO teve acesso.
Cientistas Chefes vão atuar na convivência com a estiagem
Criado para auxiliar o Governo do Ceará em assuntos estratégicos, o Programa Cientista Chefe deve desempenhar um papel essencial no Plano de Convivência com Seca elaborado pelo Governo Elmano. Em atividade nas secretarias que compõem o grupo estadual, os cientistas vão executar estudos para fundamentar a estratégia do Estado para atenuar os efeitos da estiagem.
Planos chamados proativos de secas em hidrossistemas e em cidades serão avaliados pelos pesquisadores no intuito de obter melhores resultados. O primeiro caso envolve a gestão de recursos hídricos, incluindo medidas estruturais e não estruturais, visando a operacionalização de hidrossistemas com o foco na mitigação de impactos de seca.
No segundo caso, diz a apresentação, "o objetivo principal é desenvolver um plano de ações para gestão de recursos hídricos em situação de escassez com o propósito de garantir que as estratégias de adaptação, mitigação e resposta às secas sejam alinhadas com a realidade socioeconômica e ambiental das cidades".
O Cientista Chefe da Agropecuária, detalha a apresentação feita por Silvio Carlos aos empresários do agronegócio, deve focar esforços em atividades que assegurem a alimentação dos animais, por exemplo.
As ações de cada cientista chefe, assim como as demais medidas estabelecidas pelo Plano Estadual, devem ser apresentadas pelos representantes nas reuniões periódicas.
Estiagem não compromete atração de investidores
A perspectiva de uma quadra chuvosa abaixo do normal para 2024, como apontou a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), não afasta o interesse de investidores do agro no Ceará.
"O Brasil todo já entendeu que o Nordeste tem esses períodos de estiagem e as empresas vão chegando e se instalando. É um risco já precificado", diz Silvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).
Ele conta que a chegada de cada investimento é avaliada e a estrutura necessária para fazer com que o negócio dê certo é discutida entre o empresário e o governo, que investe em adutoras e poços para atender as demandas.
Silvio ressalta ainda as dezenas de interessados que o procuraram desde o início do ano de olho em vários segmentos produtivos para desenvolver no Ceará.
A fruticultura é um dos mais visados, segundo ele, especialmente no melão e em novas culturas de maior valor agregado. Em seguida, vem a produção de leite que atraiu o interesse de mais indústrias para municípios cearenses.
Soma-se a esses a indústria da vitamina C focada no plantio de acerola, coco, frutas congeladas, tomate aumentando na Ibiapaba e Cariri, além do mel.
Quando esteve em Berlim, para a feira Fruit Logistica, o secretário executivo conta de "pelo menos dez conversas boas" com investidores estrangeiros interessados em investir no Ceará, entre "alemães, suíços, holandeses, espanhóis, portugueses, além do pessoal de São Paulo".
"Eu estou no Estado desde 2015 e tenho notado que, entre 2023 e 2024, a procura por mais investimentos têm aumentado", destaca, revelando que deve receber investidores da Espanha nesta semana.
De conversas mais avançadas, diz, "há um grupo português que já investe em energia e quer saber o que fazer com a área abaixo das torres eólicas e estão interessados em produzir fruta para enviar para Portugal".
Localmente, a liderança do setor via Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec) demanda maior participação na decisão das medidas de convivência com a seca. Amílcar Silveira, presidente da Faec, comemorou a liberação das águas do Rio São Francisco, mas disse que a vazão ideal seria de 11 metros cúbicos por segundo (m³/s), e não 6,5 m³/s.
"O foco de qualquer crise hídrica é abastecimento humano em primeiro lugar, dessedentação de animais e, depois, o setor produtivo", reconhece, observando que os níveis atuais dos reservatórios asseguram a atratividade cearense no setor.
Sobre a demanda por uma vaga no grupo estadual para o setor produtivo, Silvio descarta porque há o entendimento de que o Estado não está passando por uma estiagem ainda.
"Não adianta nada um grupo da Faec agora e eles pedirem coisas que a gente não está em condições de atender. Mas não descartamos. Até porque quando a SDE foi fazer nosso plano ouviu o pessoal das Câmaras Setoriais", afirma.