O debate sobre a limitação do uso de celular nas escolas do Ceará ganhou reforço no início do mês, quando o Ministério Público recomendou a proibição dos aparelhos durante as aulas. Debate sobre o tema vem ganhando força no País, enquanto especialistas buscam responder se os meios digitais são, de fato, "vilões" do ensino.
Recomendação do MPCE cobra a aplicabilidade da Lei nº 14.146/08 da Unidade Federativa, "que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos durante o horário da aula.
Neste sentido, a Procuradoria concedeu um prazo de 30 dias para que Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), a Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza (SME) e representantes de escolas particulares informem que medidas que serão adotadas. Em caso de descumprimento, o MPCE afirma que irá adotar "providências administrativas e judiciais cabíveis".
Iniciativa ocorre no momento em que o Brasil começa a dar sinalizações mais severas contra o uso de celulares em sala de aula. Em ação semelhante à do Ceará, o Ministério Público da Bahia recomendou que a cidade de Pilão Arcado restringisse o uso de aparelhos para fins pedagógicos.
Já a Prefeitura do Rio de Janeiro foi além ao proibir por meio de decreto a utilização de celulares em escolas municipais. As medidas seguem orientação de estudos como o Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco).
O documento aponta que o uso do celular em sala de aula pode distrair os alunos e afastá-lo das atividades pedagógicas. Além disso, o material indica que o ambiente escolar é um lugar de socialização e que a utilização em excesso das telas pode atrapalhar esse processo.
Para Andreia Calçada, psicóloga clínica e jurídica, a medida sugerida pelo MPCE é um acerto. A profissional pontua que o celular distrai e leva alunos a perderem o foco no que está sendo ensinado, destacando que o aparelho pode criar um vínculo vicioso — principalmente em crianças.
"Sala de aula não é lugar para ver vídeo do TikTok, entrar em redes sociais e trocar mensagens de WhatsApp" afirma a especialista.
Calçada entende que "só pode ser utilizado o celular se ele for um suporte para pesquisa em um determinado momento, se o professor permitir que os alunos pesquisem algo no momento". Para ela, o importante é dar esse limite e "toda escola deveria fazer isso".
"O celular vicia, e mais em algumas crianças do que em outras. Às vezes, crianças mais frágeis e com dificuldade de ter apoio familiar, crianças que precisam de validação externa ou que possuem necessidade de projetar fantasias sobre si mesmas, ficam mais dependentes do celular", complementa a psicóloga.
Camila Medeiros, psicopedagoga e diretora da Goclass, acredita que um movimento mais ríspido contra a utilização do celular em sala de aula "pode ser uma medida eficaz para combater a distração dos alunos", destacando que a exposição às telas traz uma série de consequências também para adolescentes.
"O uso excessivo do celular por adolescentes pode ter vários impactos negativos, como ansiedade e depressão, dificuldades de concentração e desempenho acadêmico, problemas de sono devido à exposição à luz azul dos dispositivos, falta de atividade física e interação social face a face reduzida. Pode levar ao desenvolvimento de dependência tecnológica e dificuldades de autocontrole", destaca.
Com a experiência de quem lida com estudantes no dia a dia, Joaquim Ferreira, professor do ensino fundamental em Fortaleza, vê a ação como medida de segurança para os docentes, uma vez que eles não têm como controlar o que alunos fazem no celular.
"O acesso à tecnologia de forma desassistida, sem supervisão de um adulto, é muito complicado e perigoso para esses estudantes que estão formando suas identidades, tendo inserção nesse círculo social de forma mais independente", avalia.
O professor entende que a proibição é uma medida necessária. Ferreira pontua ainda que, quando estudantes levam celular para escola, fazem lives, tiram fotos suas e dos colegas e "isso pode parar em qualquer lugar".
Já para os pais que travam uma batalha contra o uso excessivo de celular da parte dos filhos, a orientação de proibição traz um sentimento de "alívio". É o caso de Sarah Duarte, 40, mãe de Julianne, 15.
"Desde dos 5 anos de idade, ela (Julianne) tinha um canal no YouTube. Porém, eu vi que estava prejudicando, ela estava ficando a cada dia mais dependente do tablet. Hoje, ela quer assistir séries, filmes e (ficar) conversando com os amigos da escola. Eu limito os horários (de uso), mas quando vai a escola, não tenho controle", relata a analista de Marketing.
Jamile Campos da Silva, 41 anos, mãe de duas crianças e um adolescente, também costuma controlar a utilização do celular por parte dos filhos em casa. Ela, porém, não descarta a utilidade dos aparelhos se bem usados.
"Não me sentiria confortável com o uso amplamente liberado, podendo ser usado no recreio e de repente algum colega sugerir algum site ou app que eu não concorde com a utilização. Mas, se for algo controlado, unicamente para uso pedagógico, acho muito útil por ser uma ferramenta a mais de estudo", destaca.
Saiba mais
Fonte: Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, Organização da ONU para Educação (Unesco)
Fonte: Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, Organização da ONU para Educação
0 a 2 anos: Restrição total - Qualquer exposição a telas pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo, emocional e físico;
2 a 5 anos: Até uma hora por dia - Nesta faixa, as telas podem virar um recurso limitado, sob risco de afetar interações sociais;
6 a 10 anos: Até duas horas por dia - O aumento do uso causa menos efeitos, contanto que ele seja equilibrado com atividades físicas ao ar livre;
11 a 18 anos: Até três horas por dia - O uso desacerbado de celular pode ter efeitos no desenvolvimento social dos adolescentes.
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)